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Estudantes móveis: realidade nacional e perfil dos Erasmus europeus

Inês Costa Pessoa *

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Portugal, apesar de partilhar algumas semelhanças com a Espanha, e que constituem factor de atracção para grande parte dos estudantes Erasmus - o terceiro maior receptor de estudantes é este país (1997-2000) - regista baixos índices de captação. Por um lado está o desconhecimento da realidade portuguesa, da língua, a carência em termos de infraestruturas escolares e de alojamento. O nosso país é procurado sobretudo por espanhóis e italianos; os estudantes portugueses preferem claramente Espanha. A média das idades é de 23,7 anos, inscrevendo-se a maioria no 3º ou 4º ano académico.

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Enquanto sociedade hospedeira, é de realçar que, apesar de Portugal gozar de alguns dos atributos assinalados para Espanha no texto anterior, inúmeros obstáculos parecem repercutir-se negativamente nos seus parcos índices de captação de estudantes Erasmus, a dizer: o relativo ou absoluto desconhecimento da realidade portuguesa por parte de uma extensa parcela de jovens da União Europeia (nos mais diversos domínios como o cultural, social, geográfico, arquitectónico-paisagístico); o desinteresse pela aprendizagem do português ou as dificuldades que a mesma coloca (obstáculo superável caso fosse adoptada a estratégia de ministrar uns poucos cursos em inglês, à semelhança do que ocorreu em Estados como a Holanda); as carências que o país revela em termos de infraestruturas escolares e de alojamento universitário (para não falar da expressão um tanto morosa, desorganizada ou ineficiente de alguns serviços públicos no âmbito do programa); a par da condição ainda algo periférica ou semiperiférica do país no seio desta Comunidade.

Em todo o caso, são os estudantes do Sul da Europa – espanhóis e italianos – que mais procuram Portugal, os quais, em conjunto com os franceses, alemães, ingleses e belgas, compensam a fraca representação de jovens nórdicos ou provenientes de Leste nas universidades do país.

As preferências dos Erasmus portugueses, por seu turno, recaem claramente sobre Espanha, para isso contribuindo a proximidade física e histórico-cultural dos territórios, a equivalência dos seus custos de vida, a comunicação e o entendimento fáceis.

Também França, R. Unido, Alemanha e Itália integram o núcleo de espaços de eleição em detrimento dos países da Europa do Norte e de Leste, até à data os menos solicitados, provavelmente pelas mesmas razões que justificam a presença silenciosa em Portugal dos estudantes provenientes destas regiões: a precariedade dos laços socioculturais existentes; a crença, geralmente desacertada, na ausência de referências mútuas; a já referida questão linguística e o problema da incomunicabilidade, assim como as distâncias físicas, figuram, a par de outros aspectos, como os menos estimulantes à dinamização do intercâmbio entre os focos geográficos referidos.

 

O retrato das “aves migratórias”

Embora a tentativa de conhecer as características sociodemográficas dos Erasmus possa resultar numa leitura algo abreviada, senão mesmo redutora, de uma realidade pautada pela diversidade e heterogeneidade de perfis, permitimo-nos, ainda assim, avançar com alguns contornos predominantes encontrados no Relatório da Comissão Europeia (publicado em 2000) que apresenta os resultados de um estudo sobre a situação socioeconómica destes estudantes móveis. A partir do inquérito aplicado a um quarto dos jovens afectados ao programa no ano lectivo de 1997/1998 – e ao qual responderam aproximadamente 9.500 indivíduos dos diversos países da União – verifica-se que a idade média dos participantes no intercâmbio é de 23,7 anos (na base da pirâmide encontram-se os irlandeses com 21,4 e no topo os dinamarqueses com 25,6), observando-se um ligeiríssimo decréscimo para os 23,4 em 1998/1999. A grande maioria inscreve-se no 3º ou 4º ano académico e os valores médios para a duração da estadia rondam os sete meses – só pouco mais de 20% dos Erasmus permanecem um ano lectivo integral.

O retrato destes estudantes móveis assemelha-se em muito ao dos inscritos no ensino superior. Do conjunto de indicadores mais relevantes é de realçar a progressiva feminização do intercâmbio (59% dos participantes são mulheres) e a expressiva representação dos grupos posicionados nos estratos medianos ou superiores da pirâmide social – na verdade, o nível de rendimentos mensais, a ocupação e o grau de escolaridade dos progenitores ainda são condicionantes com um peso não despiciendo no acesso dos jovens à universidade, no interior das fronteiras nacionais ou seu exterior.

Razoável ou bastante razoável é a situação económica do agregado familiar de 87% dos inquiridos (39% afirmam ter um rendimento médio, 42% acima da média e 6% muito superior), contra uma menor presença de estudantes cujas receitas auferidas pelos pais são consideradas pelos próprios inferiores ou muito inferiores aos padrões normais – 14% (esta subcategoria atinge o valor máximo de 19% na Áustria e um mínimo de 6% na Noruega).

Complementando a anterior, a informação sobre a actividade profissional dos progenitores e respectivas competências académicas confirma a significativa adesão dos jovens socialmente mais favorecidos: 67% dos pais exercem actividades científicas, técnicas ou de direcção (este grupo comprime-se nos Erasmus espanhóis – 54% e dilata-se para os suíços com 81%, seguidos dos holandeses – 80%) e 60% são diplomados (o pai, a mãe ou ambos).

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Importa, todavia, não subestimar a integração no programa Erasmus de estudantes mais carenciados ou posicionados nos patamares inferiores da estrutura social, presença esta que não só dá conta do efectivo, embora lento, processo de democratização do ensino, como nos reenvia para as múltiplas estratégias de conversão da mobilidade espacial em percursos de mobilidade social e cultural ascendente. Conversão que – não obstante a multicausalidade dos movimentos – poderá, em alguns casos, ter sido previamente ensaiada por parentes próximos dos Erasmus em outros fluxos (embora com contornos distintos), denunciando uma espécie de vocação genealógica para partir. Com efeito, encontrámos numa pesquisa sobre jovens em contexto de mobilidade geográfica(1) uma forte correlação entre predisposição individual para migrar e historial migratório familiar, associação não registada pelo Relatório da União Europeia pois o inquérito aplicado ponderou apenas a possibilidade de outros membros do agregado terem realizado trajectos do mesmo tipo (formação escolar) – hipótese confirmada para 18% do total de inquiridos.

Sabemos, paralelamente, da importância que as redes de sociabilidade detêm como estímulo de alguns movimentos de população, por um lado, e suporte dinamizador de culturas juvenis, por outro. Apesar de igualmente negligenciada no estudo acima mencionado, esta variável merece atenção, pois deverão ser poucos os Erasmus cuja participação neste intercâmbio não foi aliciada pela partida precedente ou simultânea (mesmo que para outros destinos) dos membros do intragrupo ou de jovens com quem se identificam. Em alguns núcleos juvenis gerou-se mesmo uma espécie de “moda Erasmus”, não massificada mas, ao que tudo indica, em progressiva expansão.

Quanto aos domínios do saber eleitos pelos estudantes entre 1987/2000 (ver gráfico respectivo), destaquem-se por ordem de importância Economia e Gestão de Empresas – 22,3% (com enorme procura em França, Alemanha, Suécia e Reino Unido); as Línguas – 16,7% (Espanha substitui aqui a Suécia, juntando-se ao nicho de países já referidos); as Ciências Sociais – 10,4% (aos anteriores agrega-se também a Itália), Engenharia/Tecnologia – 9,9% e o Direito – 8,5% (França, Espanha e Alemanha sobressaem em ambos os ramos). Acresce ainda que a predominância feminina em certos cursos (Línguas e Ciências da Educação) e a masculina noutros (Engenharia e Matemática) denota a provável interferência da variável género nestas opções.

 

Inserção na sociedade de acolhimento e avaliação da experiência Erasmus

Positivo, ou extremamente enriquecedor constituem os adjectivos mais utilizados pelos Erasmus para qualificar o período de tempo vivido no estrangeiro, quer em termos académicos, quer de vivência quotidiana (face a esta dimensão, os níveis de satisfação atingem os valores máximos para os portugueses e espanhóis, enquanto os dinamarqueses, noruegueses e ingleses mostram-se mais críticos).

Alguns jovens, depois de reinstalados em Portugal, chegam mesmo a recordar a experiência como uma espécie de “turismo subsidiado”, dado o preenchimento da estadia com programas lúdicos, festas, passeios ou digressões culturais, onde a diversão foi não raras vezes sobre-valorizada em detrimento (mais que em complemento) das obrigações escolares (2) – para além de outras justificações argumentam, a este propósito, que a relativa benevolência da maioria dos professores face aos estudantes estrangeiros facilita essa atitude despreocupada.

Na fase de primeira instalação enfrentaram certas dificuldades, como é comum na generalidade dos contextos de mobilidade geográfica, já que a transladação para as sociedades hospedeiras acarreta alterações de vária ordem: neste caso concreto, mudança de país e residência; de universidade (destaque-se o confronto com distintos métodos de aprendizagem, avaliação, de relacionamento com os docentes e entre pares); afastamento temporário da família e redes de amizade; recurso a uma nova língua como meio de comunicação e por vezes ocorrência de problemas financeiros (3).

De acordo com o Relatório da Comissão já citado, esta última situação foi partilhada por 57% dos estudantes interpelados, fundamentalmente devido ao agravamento do custo de vida nas sociedades hospedeiras, à precariedade de fontes de financiamento directos ou indirectos complementares ao montante atribuído pelo programa Erasmus (empréstimos públicos ou privados, bolsas privadas, apoios empresariais, entre outros) registadas em alguns países emissores, ou ainda fruto de uma má gestão dos rendimentos disponíveis.

Contornados estes obstáculos, depressa se adoptam distintas rotinas, práticas e modos de vida, por vezes bem diferenciados dos levados a cabo na sociedade de partida – sobretudo para quem a oportunidade de viver sozinho ou de partilhar a residência com outros jovens se lhe depara pela primeira vez, designadamente, um terço dos Erasmus em geral e 55% dos portugueses, em particular (4) – nestes casos é, aliás, muito possível que esta experiência represente o primeiro passo no longo e complexo processo de emancipação pessoal.

Também se estabelecem novos laços de sociabilidade, embora nem sempre com os estudantes locais, atendendo a que a partilha da condição de estudante temporário (ou estrangeiro) leva, amiúde, à criação de verdadeiras comunidades Erasmus, claro está, formadas por pequenos subnúcleos em função do reconhecimento das mais diversas afinidades entre os seus elementos constituintes (língua, proximidade geográfico-cultural, condição socioeconómica, interesses pessoais, entre outras).

Por esse motivo, ainda que o desejo de conhecer novas paragens, gentes e expressões culturais seja um dos principais móbeis da integração dos estudantes no programa de mobilidade, geralmente não é apenas a cultura do meio receptor que trazem na bagagem quando regressam, mas uma diversificada panóplia de referências, variável em função de factores como o tempo de permanência, a capacidade de adaptação, a abertura ao outro, a intensidade e variedade de contactos inter-pessoais encetados.

Das mais significativas repercussões da estadia no estrangeiro registe-se a plasticidade identitária, o incremento de poder simbólico entre pares (em particular face àqueles que nunca saíram da sua sociedade de origem), o aumento dos níveis de tolerância face à diferença cultural, uma enorme capacidade de adaptação a novos contextos e de responder positivamente a desafios e, sobretudo, o desejo de realizar novos fluxos migratórios – não é por acaso que muitos destes jovens acabam mais tarde por abraçar veementemente a oportunidade de exercer uma actividade profissional fora do seu país.

Em paralelo, concretizam um dos almejados objectivos do programa Eramus, transportando consigo um pouco da heterogénea Europa que hoje habitam.

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1 Pessoa, Inês, “Passagens por Macau: Memórias e Trajectórias de jovens portugueses no Oriente” – Dissertação de Mestrado, ISCTE (trabalho em conclusão).
2 O espírito de evasão, liberdade e desprendimento é, para um expressivo número de  Eramus, de tal modo acentuado que a expressão “Erasmus Program” foi substituída, em jeito de gracejo, pela de “Orgasmus Program” tendo-se propagado por esta comunidade de estudantes.
3 Ao invés da ideia largamente difundida, clarifique-se que os subsídios atribuídos pelo projecto Erasmus não são bolsas de estudo mas antes de mobilidade, ou seja, longe de cobrir a totalidade das despesas inerentes à estadia dos estudantes no estrangeiro, limitam-se a contemplar os gastos suplementares decorrentes do intercâmbio (viagem e diferença de custos de vida), devendo por isso ser entendidas (e reconhecidas) mais como um auxílio parcial, impulsionador da partida, do que um subsídio integral ou exclusivo. Acrescente-se ainda que no ano lectivo 1997/1998 o valor médio das subvenções concedidas a cada estudante rondava os 830 euros. Os Erasmus portugueses, gregos e islandeses foram os mais beneficiados quanto à bolsa auferida (receberam montantes superiores a 1.500 euros), por comparação com os belgas, finlandeses, dinamarqueses e suecos, cujo subsídio foi claramente mais baixo, tendo oscilado  entre os 480 e os 600 euros.
4 Vale a pena registar, a este propósito, a tendência por parte dos jovens do Norte da Europa para saírem mais cedo de casa dos pais do que os do Sul, ideia realçada no estudo promovido pela Comissão Europeia.


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* Inês Costa Pessoa

Licenciada em Sociologia pela UAL. Investigadora do Observatório de Relações Exteriores. Docente na UAL.

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