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NATO, Rússia e segurança europeia após o 11 de Setembro

Luís Leitão Tomé e Paula Monge Tomé *

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Os EUA demonstraram pouca confiança na acção colectiva, nomeadamente via NATO, para a realização de uma intervenção no Afeganistão. A coligação internacional angariada pelos EUA para a luta contra o terrorismo serviu sobretudo para a obtenção de apoio político para a “sua causa”. O sucesso desta campanha militar constituiu um tributo à capacidade militar americana, podendo contribuir para o reforço de ideias sobre a supremacia e a omnipotência americanas. A Rússia aproveitou a conjuntura para se oferecer como parceira dos EUA, o que lhe permitiu obter uma série de contrapartidas.

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Poucos acontecimentos juntam mais eficazmente as pessoas e os povos do que uma tragédia, e nada favorece tanto as coligações ou as amplia como um “inimigo comum”.

A tragédia teve um alcance que foi muito para lá dos EUA: além de vários milhares de americanos, perto de 800 cidadãos de outros países da NATO e quase 100 russos morreram quando as Torres Gémeas do World Trade Center desmoronaram, o que foi visto em directo por milhões de pessoas em todo o mundo. Manifestava-se assim um novo inimigo comum, rapidamente identificado como o “terrorismo internacional”.

A seguir aos ataques terroristas de 11 de Setembro, a arquitectura de segurança europeia passa a ter em conta quatro grandes desenvolvimentos: a invocação do artigo 5º do Tratado de Washington como expressão da solidariedade transatlântica face ao terrorismo, a acção militar unilateral dos EUA, a cooperação EUA-Rússia no combate ao terrorismo, e o novo relacionamento NATO-Rússia.

 

Relações transatlânticas

A decisão de 12 de Setembro de invocar o artigo 5º do Tratado de Washington, a cláusula central da fundação da NATO que afirma que uma agressão contra um dos aliados será considerada como um ataque contra todos eles, foi uma manifestação rápida e inequívoca de apoio e solidariedade dos aliados europeus aos EUA – tal invocação não tinha precedentes nos 52 anos de história da Aliança Atlântica e talvez nenhum dos fundadores da NATO tivesse imaginado que a primeira invocação desse artigo-chave aconteceria no seguimento de um ataque aos EUA e não a um aliado europeu. Depois, a Aliança cedeu aos EUA aviões de detecção longínqua (AWACS) e preparou-se para uma possível actuação em operações humanitárias no Afeganistão. Todas estas iniciativas da Aliança abriram o debate sobre o valor do artigo 5º (sabe-se agora que também cobre ataques terroristas!), sobre a área coberta efectivamente pela organização, e sobre o pré-posicionamento das forças americanas. Tudo isto num contexto em que, nos dias subsequentes aos ataques, parecia que Washington tinha redescoberto a necessidade de aliados para enfrentar um “inimigo comum” e as vantagens do multilateralismo e de uma ampla coligação internacional para fazer face a uma ameaça comum. Contudo, esta “solidariedade transatlântica” demonstrou ser limitada, parecendo que Washington procura combinar o máximo de apoio político dos seus aliados com a maior liberdade de acção possível em termos militares. Esta tendência já vinha de trás, mas agora acentuou-se – o que acontece por dois motivos fundamentais.

Primeiro, os aliados europeus pouco ou nada acrescentam às capacidades militares dos EUA. Segundo, os eventos subsequentes ao 11 de Setembro demonstraram, uma vez mais, que os Estados Unidos são relutantes em aceitar as ofertas de meios e tropas para o teatro de operações por parte de outros aliados. Durante o conflito no Kosovo, os EUA revelaram alguma irritação com a necessidade de negociar com os seus aliados a estratégia e o planeamento dos ataques contra os sérvios, havendo mesmo uma dupla cadeia de comando – a da NATO e a dos EUA. Desta vez, Washington optou deliberadamente por não limitar o seu comando militar aos exercícios e hesitações dos canais diplomáticos, especialmente num conflito motivado por um interesse nacional vital, e deu-se ao luxo de apelar individualmente às contribuições militares individuais dos seus aliados, segundo as suas próprias necessidades, as suas próprias condições e sob o seu comando exclusivo. Apesar de importantes potências europeias terem oferecido assistência política e militar, os EUA preferiram partir sozinhos para a guerra com o fiel Tony Blair, o que revela a pouca confiança da administração Bush na acção colectiva e até nas estruturas militares da NATO. Depois do êxito diplomático na angariação de uma ampla “coligação internacional” para a guerra contra o terrorismo, seguiu-se o notável sucesso da campanha militar no Afeganistão que constitui um verdadeiro tributo à capacidade americana. No entanto, tais sucessos parecem ter reforçado certas ideias perigosas em Washington: que a projecção de poder militar é a única base da verdadeira segurança; que os aliados podem ser uma opção, mas que os EUA são e deverão continuar a ser suficientemente fortes para lidar com os problemas sozinhos; que a hegemonia e o unilateralismo são a melhor forma de defender os interesses americanos e os valores universais, embora possam ser complementados por uma “diplomacia utilitária” que se usa apenas para alcançar maior cobertura política. Se estas ideias prevalecerem, são efectivamente perigosas para a estabilidade e a segurança no mundo e na Europa, pois não têm em conta algumas das principais lições do 11 de Setembro: a de que ninguém é verdadeiramente invulnerável a este tipo de ameaça; a de que tudo está interligado e todos estamos interdependentes, o que torna muito mais importante trabalhar em conjunto com aqueles que partilham os nossos valores de forma a protegê-los melhor; a de que a guerra contra o terrorismo se joga em múltiplos tabuleiros e requer uma enorme diversidade de actividades; e a de que “precisamos tanto de liderança americana como de cooperação internacional numa escala sem precedentes”, para citar o comissário europeu Chris Patten. No fundo, nas relações transatlânticas o que está em causa é a sobrevivência da NATO enquanto verdadeira aliança e garante essencial da segurança e defesa colectiva na área euro-atlântica. Se nada se alterar, a Aliança Atlântica pode tornar-se brevemente num mecanismo de mero protectorado americano sobre a Europa, ou então dissolver-se.

Por outro lado, a evolução dos acontecimentos trouxe uma nova decepção a todos os que esperavam ver emergir uma nova atitude europeia, unificada e autónoma, em relação aos EUA no domínio político-militar. O facto de potências europeias como a Grã-Bretanha (cujo Primeiro-Ministro passou a ser apelidado de “US Vice-President Blair”), a Alemanha, a Itália e a França, bem como outros membros da União Europeia, responderem individualmente às solicitações americanas, demonstra eloquentemente os limites e os constrangimentos da política externa, de segurança e de defesa comuns – quem pode esquecer aquele caricato jantar na residência oficial do PM britânico?

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O jogo de xadrez russo-americano

Se os observadores podem falar em mudança das relações internacionais em virtude do 11 de Setembro, é a propósito as relações dos EUA, não com os seus aliados tradicionais, mas, sobretudo com a Rússia que desde há alguns anos se empenhava numa cooperação militar e política crescente com a China e com o Irão, entre outros, em nome da luta contra a “hegemonia unipolar” americana.

O presidente Putin compreendeu rapidamente que o mundo mudou a 11 de Setembro, que se anunciava um novo recorte geopolítico, e que a Rússia se deveria adaptar. Consciente tanto dos trunfos como das debilidades do seu país, o presidente russo foi um dos primeiros a apresentar as condolências ao seu homólogo americano e, mais importante do que isso, a propor colaboração na luta contra o terrorismo internacional. Alguns concluíram, um pouco precipitadamente, que Putin estaria pronto a dar carta branca à “cruzada” dos EUA contra o terrorismo internacional. Mas isso seria esquecer que a Rússia não tinha qualquer motivo para se lançar de cabeça baixa numa aventura da qual poderia sofrer sérias repercussões. Na realidade, a atitude de Putin não custava grande coisa à Rússia como contrapartida, pelo menos a curto prazo. O Afeganistão estava desde há muito na linha de mira de Moscovo, sobretudo pelo alegado apoio dos taliban e da Al-Qaeda à facção islamita da rebelião tchetchena. Por outro lado, a Rússia, o Uzbequistão e o Tajiquistão já apoiavam a Aliança do Norte, que desejavam ver instalada no poder em Cabul. O maior risco corrido pela Rússia, o que suscita maiores reticências, é ver os EUA instalar duradouramente a sua presença militar na Ásia Central e até no Cáucaso, reforçando assim consideravelmente os seus trunfos no “Grande Jogo” petrolífero e estratégico em curso nessa região. Por certo, Putin teve que aceitar aquilo que não podia impedir. Como contrapartida da sua colaboração, a Rússia obteve o apoio político do Ocidente na guerra que conduz na Tchetchénia – importante, pois na ordem das suas prioridades a Tchetchénia vem muito antes do Afeganistão. Os EUA também acenaram com as compensações financeiras como a redução da dívida externa, devida por Moscovo aos credores governamentais do Clube de Paris, ou o apoio americano ao pedido russo de rápida adesão à OMC, no horizonte de 2004. A Rússia foi ainda recompensada pelo anúncio de um próximo investimento de 4.000 milhões de dólares por parte do gigante petrolífero americano Exxon no campo de Sakhalin1. Em plena lua-de-mel russo ocidental, Moscovo deu-se mesmo ao luxo de assinar, a 2 de Outubro de 2001, um acordo-quadro para a entrega de 7.000 milhões de dólares de armamento ao Irão, certos de que os EUA optariam pelo silêncio para que nada afectasse a nova “Santa Aliança”.

 

Novo relacionamento NATO-Rússia

A Rússia utilizou ainda politicamente esta crise internacional para se afirmar como grande parceiro e protagonista no teatro europeu, o que inclui uma maior aproximação da Rússia à UE e, sobretudo, uma nova cooperação com a NATO.

No último ano foi possível debater propostas de grande alcance, como a institucionalização da cooperação no formato “a vinte” através do Conselho NATO-Rússia e o alargamento da NATO a Leste, cuja formalização dos convites aos candidatos a membros da Aliança deverá ocorrer na Cimeira de Praga, em Novembro de 2002. Os mais cépticos e os cínicos dirão que não é a primeira vez que são tão grandes as expectativas para as relações NATO-Rússia e que se assiste mesmo a um déjà vu: associam tudo isto à tal “diplomacia do usa e deita fora”, praticada a partir de Washington, agora para obter dividendos na guerra contra o terrorismo, para desmantelar o tratado ABM e fazer passar a Iniciativa de Defesa Anti míssil, para facilitar o estacionamento de tropas americanas no Cáucaso e na Ásia Central e para expandir a NATO mais para Leste e até a antigas repúblicas soviéticas. Outros, porém, preferem crer que o 11 de Setembro teve um impacte tão profundo que mudou verdadeiramente o relacionamento entre Washington e Moscovo e entre a Rússia e a NATO, assumindo-se como uma nova oportunidade histórica que os decisores e os dirigentes políticos não querem desperdiçar, por tudo aquilo que está em causa. Os EUA mantêm, de facto, a iniciativa, mas o jogo está longe de ter terminado.

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* Luís Leitão Tomé

Licenciado em Relações Internacionais pela UAL. Mestre em Estratégia pelo ISCSP. Docente na UAL. Investigador da NATO. Assistente no Parlamento Europeu.

* Paula Monge Tomé

Licenciada em Relações Internacionais pela UAL. Mestre em Estratégia pelo ISCSP. Docente na UAL. Investigador da NATO. Investigadora de História Contemporânea.

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