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Janus 2003



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Organizações fundamentalistas islâmicas

Kristian Amby *

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O despoletar de conflitos étnico-religiosos anteriormente contidos pela bipolarização, potencia o aparecimento de novas linhas de ruptura, gerando diferentes respostas à realidade social, política e económica por parte dos países islâmicos. No mundo islâmico, devido à débil coesão social, desigualdade económica e um legado histórico adverso, aprofunda-se a desilusão pelo presente e a angústia perante o futuro, traduzida na rejeição dos regimes políticos nacionais, considerados corruptos, e na tentativa de “regresso às origens”, representada pelo fundamentalismo.

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Importa, antes de mais, distinguir entre fundamentalismo islâmico e ortodoxia islâmica, podendo-se, de forma simplista, ler o fenómeno fundamentalista como uma rebelião contra a ortodoxia que, no seu ver, se desviou dos fundamentos do Islão. Importa igualmente admitir que nem todos os fundamentalistas são defensores da violência ou do terrorismo, da mesma forma que muitos comunistas ocidentais do pós 2ª Grande Guerra não se reviam nos pogroms e genocídios de Estaline.

Esta analogia serve também para entendermos melhor o facto de alguns (muitos?) muçulmanos se identificarem com várias premissas fundamentalistas, sem no entanto apoiarem o seu carácter totalitarista, da mesma forma que vastos sectores da inteligentsia ocidental abraçaram elementos fundamentais do pensamento comunista – a necessidade de justiça social, da redistribuição equitativa da riqueza e da alteração do sistema económico, etc., – não obstante rejeitarem a visão totalitária e determinista da doutrina soviética.

 

O nascimento do islamismo armado

Iniciada na década de 70, assistiu-se a uma verdadeira explosão de grupos terroristas religiosos, ao ponto de, actualmente, cerca de um quarto das organizações terroristas a nível mundial serem motivadas por questões prioritariamente religiosas, não obstante seguirem considerações políticas específicas do seu contexto de luta, sendo esta proporção ainda maior no Médio Oriente, Ásia do Sul e Sudeste e Ásia Central – áreas fortemente islamizadas – visto a separação entre as esferas política e religiosa serem, no Islão, ténues ou inexistentes, evidenciado pelo facto de o Hezb’Allah, o GIA, o MIU e o HAMAS(1) (por exemplo) tanto se basearem em ideologias religiosas como seguirem, simultaneamente, objectivos e finalidades políticas precisas, o que dificulta frequentemente ao observador externo a separação entre estas duas esferas.

Com o fim da Guerra Fria – e a explosão de conflitos étnico-religiosos daí resultantes – potenciou-se a emergência de novas linhas de ruptura e de movimentos anti-situacionistas em todo o mundo, o que gerou o aparecimento de novas respostas à realidade social, política e económica.

Dá-se em simultâneo no mundo islâmico, devido à sua débil coesão social, combinada com um legado histórico adverso e com condições generalizadas de repressão política, desigualdade económica e instabilidade social, um aprofundamento da desilusão quanto ao presente e o aumento da angústia perante o futuro, traduzida, a nível interno, na rejeição dos regimes políticos existentes e das elites instaladas (corruptas política e economicamente, no seu ver) e, inclusive, das hierarquias religiosas tradicionais – coniventes com a situação –, apresentando-se-lhes o “regresso às origens” representado pelo fundamentalismo, enquanto alternativa político-religiosa, como o único meio de expressar, com maior ou menor violência, a sua oposição e desejo de mudança.

Neste contexto, e fruto também da “neocolonização” imposta pela sua cultura secular e moderna, o Ocidente – com o “Grande Satã” à cabeça – passa a ser visto como a maior ameaça externa ao idílio político-religioso fundamentalista, enquanto a nível interno continua a apoiar e garantir a sobrevivência dos regimes instaurados, a assegurar a continuada submissão dos povos islâmicos (segundo os próprios, quais herdeiros dos cruzados medievais), apoiando ainda incondicionalmente os inimigos do Islão – como Israel, o seu “peão” no coração do mundo islâmico –, e sendo, ao fim e ao cabo, o motor da modernização que acorrentou o Islão.

Esta leitura reforçou a sensação de crise aguda – vórtice culminante e por isso decisivo – do mundo islâmico, acentuando-se a psicose da ameaça e da perseguição, propícia à tomada de posições extremas e intransigentes, levando os islamitas – muçulmanos fundamentalistas, em oposição aos ortodoxos (moderados ou reformistas) – a defenderem as suas acções, neste contexto, como essencialmente reactivas, o que justifica a apropriação do conceito da jihad para definir as regras do combate e, consequentemente, (auto) justificar o grau e intensidade da violência empregue.

 

“Jihad”, a guerra justa

Esta doutrina islâmica – que encontra paralelo, no contexto cristão, na doutrina da “Guerra Justa” de Santo Agostinho e Tomás de Aquino – é fundamentalmente defensiva, sancionada como defesa justa contra a opressão e, em último caso, como justificação religiosa (moral) de actos violentos para a defesa da comunidade (islâmica) e do próprio Islão. Aliás, o próprio G.W. Bush apelou, imediatamente após os ataques de 11 de Setembro , nos EUA a uma jihad: uma “cruzada” bélica, “justa”, contra os “inimigos do Ocidente”, em defesa da comunidade de Estados democráticos.

Daí que, ao apontarem a secularização e modernização das suas sociedades como um atentado à tradicional comunidade islâmica e ao Islão como sistema político-religioso, seja legítima a utilização de violência extrema contra as suas causas e os seus promotores, interna e externamente.

Entendendo esta luta como uma guerra total, reduzem-na a uma visão maniqueísta: trata-se de uma luta religiosa – consequentemente sem compromissos possíveis – e violenta entre o bem e o mal (2), conducente a uma irredutibilidade extrema que, por seu turno, funciona ainda como pólo aglomerador e de atracção para algumas camadas de excluídos e insatisfeitos.

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No entanto, esta aceitação e crescente base de apoio não se baseia exclusivamente nas anteriores premissas, pois não raras vezes complementam-nas com a oferta de alternativas viáveis e realistas à submissão ao secularismo e aos regimos “modernos”, re-islamizando as camadas sociais excluídas e marginalizadas política e economicamente – infelizmente uma grande maioria da população dos países islâmicos – através dos seus serviços sociais, da melhoria da sua qualidade de vida, do acesso à justiça (não oficial) e da defesa dos seus interesses, proporcionando-lhes, mesmo que afastados do poder, o que os regimes seculares não lhes garantem, arregimentando assim às suas frentes políticas uma larga base de simpatizantes e partidários.

E foi exactamente neste ponto que residiu um dos principais factores de radicalização do fenómeno fundamentalista islâmico.

A iminente vitória eleitoral da Frente Islâmica de Salvação (FIS) na segunda volta das legislativas argelinas de 1992 provou ser possível obter o poder por via democrática e, paradoxalmente, que esta forma de ascensão ao poder lhes estava vedada, claramente implícita no sinal dado pelo Ocidente e pelos regimes que esta mobilização política enfrentava: qualquer veleidade de obtenção de poder através do voto político seria – com maior ou menor violência – reprimida ou falseada (veja-se a Argélia, Turquia, Paquistão, Egipto, etc.).

O silêncio da comunidade internacional e particularmente do Ocidente perante a anulação da segunda volta eleitoral em 1992 e da imposição da lei marcial e perseguição aos islamitas, cimentou efectivamente a descrença nos processos democráticos e confirmou a hostilidade do Ocidente perante o islamismo – enquanto movimento político-religioso – e o Islão.

O facto de muitos opositores políticos (pseudodemocratas ou abertamente autoritários) terem passado a utilizar o combate ao islamismo – e agora ao “terrorismo islâmico” – como caução para repressões violentas de movimentos moderados islâmicos (desde o Magrebe ao Cáucaso e à Ásia Central) apenas levou ao extremar de posições, situação prontamente aproveitada pelos radicais, por vezes (como aparenta o caso argelino) facilitado e fomentado pela classe dirigente, exactamente com o propósito de justificar a brutal repressão encetada.

 

O pan-islamismo

Aliado a este factor, outro acontecimento veio internacionalizar o movimento fundamentalista islâmico e aumentar as hostes islamitas radicais. Vitoriosos perante o exército soviético, muitos “Guerreiros de Allah” – a maioria estrangeiros no Afeganistão mas posteriormente conhecidos por Afghanis – com treino militar profundo e uma rede pan-islâmica de contactos e cumplicidades, optam pela continuação da luta revolucionária nos seus países de origem com a finalidade de imporem um Estado islâmico “puro”, enquanto outros se tornam mercenários religiosos em demanda da união dos povos islâmicos.

Tendo o Islão uma visão estruturalmente bipolar do mundo, onde as divisões e fronteiras nacionais nada significam – estando por isso tudo dividido entre o Dar al-Islam, o “mundo islâmico”, e oDar al-Harb, o mundo não-islâmico ou dos hereges – os islamitas lutam em última análise pela instauração do “Grande Califado” que irá consolidar politicamente o Dar al-Islam, unindo todos os muçulmanos sob a bandeira verde do Islão e a justeza divina da Sharia, a lei islâmica.

Com o objectivo de fomentar a edificação de Estados islâmicos e de liderar a defesa de minorias islâmicas, organizando-as no sentido de fortalecer a sua luta global, muitos Afghanis criaram estruturas clandestinas em todo o mundo, não raras vezes com o apoio mais ou menos explícito dos governos legítimos (Afeganistão, Paquistão, Iémen, Sudão, Somália, etc.) e dos seus “senhores” (o mundo ocidental, liderado pelos EUA), criando assim as condições concretas que deram origem a uma “Internacional islâmica fundamentalista” e que nos conduz directamente a Bin Laden e à sua rede terrorista mundial: a Al-Qaeda, verdadeiro fenómeno de globalização da luta violenta contra a secularização e modernidade ocidental, de uma parte do mundo que se convencionou – monoliticamente – chamar de islâmico, reforçando assim efectivamente a noção do “nós contra eles” ou, visto do pólo oposto, do Dar al-Harb contra o Dar al-Islam.

 

Informação complementar

O Paquistão das Madrassas

Tornou-se evidente após o 11 de Setembro de 2001 que a Ásia do Sul, com o epicentro localizado no Paquistão, suplantou o Médio Oriente como “crescente fértil” de grupos islamitas violentos.

São conhecidas as implicações na formação e apoio do Estado paquistanês a várias organizações extremistas islâmicas, primeiro – com financiamento norte-americano – contra os soviéticos no Afeganistão, posteriormente na luta de “libertação” de Caxemira, onde estas “tropas irregulares” constituíram um sucedâneo (barato) contra um adversário superior – dados de 1999 indicam um orçamento militar que, apesar de 4,4% do PNB (contra 2,4% do indiano) representa menos de 1/3 dos gastos militares totais indianos (3) – e finalmente aos taliban.

Por outro lado, data de finais da década de 70 o apoio e financiamento – como forma de garantir a lealdade dos líderes religiosos e assim manter o poder – por parte dos vários governantes paquistaneses, ao estabelecimento das madrassas, escolas corânicas, verdadeiras academias de combatentes religiosos, fanaticamente doutrinados para a jihad.

Num Paquistão sem escolaridade obrigatória, estas madrassas – apoiadas financeiramente pelas ricas comunidades sunitas do Golfo Pérsico – passaram a fornecer educação gratuita (e acolhimento, alimentação e vestuário) a uma larga camada da população (masculina) jovem e ignorante. Com uma interpretação retrógrada e violenta do Islão – tendo o Al-Corão como currículo único – arregimentaram milhares de “estudantes” paquistaneses e caxemires e, posteriormente, de toda a Ásia, África e inclusive da Europa, transformando-se em centros de treino e exportação de quadros para a jihad fundamentalista.

No entanto descurou-se o acompanhamento que a situação requeria, por pensar-se estar sob controlo “estatal”, até que passou abruptamente, com a recente visibilidade da actual internacionalização da jihad, para o centro das preocupações da comunidade internacional.

Internamente e escapando gradualmente ao controlo do Estado paquistanês, originaram uma clivagem sectária – advogando a eliminação da minoria xiita – traduzida num grave e sangrento confronto social, com laivos de guerra civil, que desestabiliza o país há largos anos. Simultaneamente avolumavam-se os indícios da preparação de uma jihad em solo paquistanês com a intenção de imposição violenta de um Estado islâmico fundamentalista.

__________
1 Ver infografia.
2 Visão aliás parcialmente espelhada pelo executivo de G.W. Bush na sua ‘guerra’ ao terrorismo, e uma tendência histórica na política externa norte-americana.
3 Fonte: SIPRI (http://first.sipri.org/non_first/result_milex.php?send), 3.064 milhões contra 10.731 milhões USD.

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* Kristian Amby

Licenciado em Relações Internacionais pela UAL. Assistente de Investigação no Observatório de Relações Exteriores da UAL.

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