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Janus 2003



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Grupos extremistas e fundamentalismo(s) nos EUA

Kristian Amby *

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O terrorismo protagonizado por cidadãos amercianos em solo americano (domestic terrorism) sofreu alterações nas duas últimas décadas. Nos anos 80 tinha origem em organizações de extrema esquerda; nos anos 90 foi mais conotado com a extrema direita e com os chamados grupos de interesse específico, que surgiram com o movimento anti-aborto e se alargaram para outras áreas, como os direitos dos animais, etc. Estes grupos ligam-se a todas as orientações da direita radical: da facção mais extremista do Partido Republicano, passando pela Christian Coalition até aos supremacistas brancos.

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O FBI registou 327 incidentes terroristas em solo norte-americano entre 1980 e 1999, sendo 239 (73%) atribuidos a situações de terrorismo interno (domestic terrorism) – crimes violentos que pretendem forçar alterações sociais ou políticas, efectuados por americanos no seu próprio país – resultando em 205 mortos e mais de 2.037 feridos (1).

Numa evolução preocupante – relação inversamente proporcional entre o declínio do número de atentados e o aumento de vítimas mortais – os índices médios de mortalidade aumentaram de uma vítima por cada 10 atentados e 2 feridos por cada cinco (267 incidentes entre 80 e 89), para 3 mortos e 32 feridos por atentado nos 60 incidentes registados entre 90 e 99.

Alterou-se igualmente a origem desta ameaça interna que até meados dos anos 80 vinha de organizações da extrema esquerda – entretanto desarticuladas, casos da Symbionese Liberation Army, os Black Panthers, Weather Underground, etc., – caracterizando-se os anos 90 pela ameaça vinda da extrema direita e de grupos de “interesse específico” (Specific Interest Groups).

 

A extrema esquerda

As FALN e os Macheteros são, de acordo com o FBI, o que resta dos movimentos terroristas de extrema esquerda nos EUA, sendo porventura mais correcto, apelidá-los de grupos armados pró-independência (os freedom fighters de outras paragens) que lutam – justificadamente ou não – pela “libertação” e independência total de Porto Rico face aos EUA, limitando-se desde 1993 os seus atentados – esporádicos e contra interesses norte-americanos – à ilha de Porto Rico, pelo que não são tidos como uma séria ameaça aos EUA ou aos seus cidadãos.

 

Os grupos de interesse específico

Este fenómeno tem a sua génese no movimento anti-aborto norte-americano onde os mais extremistas, após tentativas legais e lobbying para revogar a legislação “permissiva”, passaram a vandalizar clínicas de aborto e a intimidar os seus trabalhadores (médicos e outros), passando numa segunda fase a agressões físicas severas e assassinatos. Muitos deles admitem simpatias profundas com grupos fundamentalistas religiosos e, em menor âmbito, de extrema direita.

Com o aumento das preocupações ambientalistas e “pró-animais” (oposição à crueldade inflingida aos animais), elementos radicais passaram a optar por acções de sabotagem violentas, dando origem a novos movimentos de “interesse específico”, principalmente o ELF (Frente de Libertação da Terra) e a ALF (Frente de Libertação Animal), – ambos a operar igualmente no Canadá e no Reino Unido – a quem se atribui o maior numero de incidentes terroristas desde finais dos anos 90. Não obstante evitarem a violência contra indivíduos, os avultados prejuízos económicos resultantes das suas acções, faz destes movimentos uma preocupação séria para as autoridades norte-americanas.

 

A extrema direita

Ainda em 1995 – antes do atentado em Oklahoma City (2) – o FBI advertiu que a ameaça terrorista interna passará a residir principalmente nas “actividades associadas a grupos da extrema direita” (3).

Estes grupos fazem parte de uma realidade que abrange grande parte da direita radical, desde os demagogos da facção abertamente extremista do Partido Republicano – como Pat Buchanan, Newt Gingrich e a Christian Coalition (Coligação Cristã) – ligados à Direita Cristã (Christian Right), passando pelos movimentos anti-aborto e anti-ambientalistas, supremacistas brancos e o movimento Christian Patriots.

A denominação Christian Right abrange uma aliança de grupos religiosos politizados, antiliberais, racistas, misóginos e violentamente homofóbicos, com uma agenda reaccionária de oposição a programas sociais “progressivos” (educação pública, liberdades e direitos civis, aborto, igualdade das mulheres, etc.), e apesar do seu objectivo último ser a instituição de uma teocracia (cristã) nos EUA, sofrem actualmente da moderação e institucionalização resultantes do sucesso obtido na arena política tradicional, traduzida no poder de influência dentro do Partido Republicano através da Moral Majority e da Christian Coalition – ao ponto de haver quem defenda que o seu actual líder, moderado, seja G.W.Bush (4) – sendo público que foram Pat Robertson e Jerry Falwell (5) a garantirem a sua vitória sobre John McCain nas primárias do Partido Republicano.

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Igualmente comprovadas são as ligações do seu Attorney General (Ministro da Justiça) John Ashcroft – e de grande parte dos mais altos funcionários do seu ministério – aos valores e propósitos da Direita Cristã,(6) havendo quem defenda que a sua nomeação representa o primeiro passo no assalto ao direito ao aborto.

Mas o grande alvo das preocupações governamentais são os extremistas de direita abertamente armados e violentos, movimentos que comungam de um fundamentalismo religioso mais extremista que o “tradicional” fundamentalismo cristão, advogando uma visão religiosa (a ideologia Christian Identity) ultra-reaccionária e discriminatória, aliada ao anti-semitismo, à oposição ao controlo estatal de compra e posse de armas (os pro-gun), à defesa do constitucionalismo orgânico, ao racismo e à supremacia ariana, a políticas segregacionistas (sociais ou rácicas), contra a emancipação feminina e uma visão conspiracional (altamente paranóica) do governo federal, acreditando ser a ONU a cabeça de um “polvo” (“a Nova Ordem Mundial”) que tenta instituir um governo mundial minando a soberania do povo americano.

Em meados dos anos 70 vários movimentos (neonazis, o moribundo Klu Klux Klan, supremacistas brancos, defensores pro-gun e anti-aborto, constitucionalistas “orgânicos”, fundamentalistas cristãos, etc.) e todos quantos viam no governo federal uma conspiração contra os “verdadeiros” americanos, reuniram-se numa série de conferências organizadas pela Aryan Nation, com o intuito de criar uma “frente comum”, de onde nasceram, devido a cisões nos anos 80, as quatro maiores frentes antigovernamentais actualmente consolidadas: a pro-gun, os neonazis e skinheads, os Christian Patriots (Patriotas Cristãos) e o movimento das milícias.

Os Christian Patriots (ou apenas Patriots) – termo de auto-identificação adoptado para os distinguir dos neonazis e skinheads, tidos como básicos e primários – são uma amálgama de movimentos da extrema direita e supremacistas brancos, situada entre a NRA(7) (à “esquerda”) e os neonazis (à direita), a quem se aliam no início dos anos 90 militantes da Christian Right, extremistas anti-aborto, o movimento Wise Use (lobby de empresários da extrema direita anti-ambientalista)(8), atraindo ainda grande parte dos que se identificam com a Christian Identity.

Defendem explicitamente que os EUA são a bíblica “terra prometida” destinada aos arianos (cristãos, anglo-saxões brancos) – o verdadeiro “povo eleito” de Deus –, que a Constituição e o Bill of Rights têm origem divina (“orgânica”) e que as Emendas (como a igualdade perante a lei, o direito de voto para as mulheres e negros, o fim da escravatura, etc,) são blasfémias, acreditando ainda que a Bíblia é um manual explícito de governação (em termos económicos, políticos, religiosos e sociais) e que apenas os “arianos” terra-tenentes são cidadãos “soberanos” ou de 1ª categoria – isentos de pagar impostos, licenças, juros e de todas as formas de regulação federal – sendo os restantes (os “federais” ou “emendados”) cidadãos de 2ª categoria.

Foram identificados 194 grupos Patriot nos EUA em 20009, pelo Intelligence Project da Southern Poverty and Law Center, uma organização que estuda questões de ódio racial.

Este movimento representa actualmente, ao contrário dos seus aliados “trogloditas” (os neonazis), a vanguarda da organização fascista e dos ataques racistas e discriminatórios – a pessoas de cor, homossexuais, judeus, mulheres emancipadas, liberais e ambientalistas – nos EUA, havendo quem alerte para o facto de estarmos perante um crescente núcleo fascista, armado e violento, na América do Norte.

Grande parte das Militias (grupos paramilitares antigovernamentais) formaram-se no início dos anos 90 após o raid de Ruby Ridge em 1992 (que resultou na morte da mulher e filho de Randy Weaver, um “miliciano”), da tragédia de Waco de 1993 e da introdução da lei Brady de 1993 – que estipula uma moratória de 5 dias na compra de uma arma de fogo – tendo a explosão destes grupos coincidido com a consolidação do movimento Patriot, justificando a teoria actual que faz deles uma confederação de extremistas de direita e fundamentalistas religiosos com as Militias como o seu braço armado ou “tropas de choque”. Dados oficias estimam que 85% dos “milicianos” se definam como Patriots.

O notório aumento de actividades para-militares a que se assiste desde 1995 dever-se-á, provavelmente, à mudança de estratégia destes movimentos, substituindo as estruturas hierárquicas tradicionais pelo sistema organizacional denominado de leaderless resistance (“resistência sem líderes”): uma liderança “visível” para efeitos propagandísticos e uma rede subterrânea de celulas terroristas “herméticas” ou de indivíduos agindo solitariamente, impossibilitando o estabelecimento de ligações entre eventuais detidos e a liderança nacional ou estadual (10).

Igualmente preocupantes são as aparentes ligações a alguns meios militares, exemplificados pela detecção em 1995 da existência de um grupo denominado Special Forces Underground, que aparenta recrutar membros de entre as unidades de elite das Forças Armadas norte-americanas.

 

Os filhos da terra

Suponhamos que os indivíduos incriminados pelo atentado de Oklahoma eram negros, extremistas rácicos e fundamentalistas religiosos, com ligações a um movimento com 10.000 a 50.000 membros armados que não reconheciam a legitimidade do governo federal e que defendiam abertamente a necessidade de uma nova guerra civil.

O Congresso iniciaria prontamente os seus famosos hearings para conhecer melhor as ligações e natureza deste movimento, com investigações a todos os níveis (NSA, FBI, CIA, etc), teria sido aprovada a proposta de ilegalização de exércitos privados (como as Militias), e as medidas de restrição de liberdades e direitos civis propostas pelo Presidente Clinton, apelidadas – correctamente – de “draconianas”, teriam sido aceites, como foram as medidas implementadas por G.W.Bush – bem mais restritivas mas aceites pela maioria da população norte-americana – em resposta ao 11 de Setembro.

Mas não, a aparente (mas não investigada) ausência de uma organização formal por detrás do atentado foi aceite como prova de ter sido uma loucura individual.

Ter-se-á comprovado a eficácia da táctica de leaderless resistance ou algo ainda mais sinistro? Tendo em conta a actual preocupação com o terrorismo biológico, importa transcrever as palavras de Jessica Stern,(11) do Council on Foreign Relations:

“Um pequeno mas crescente número de terroristas ‘domésticos’ poderá tentar utilizar armas biológicas (…). Os mais prováveis [candidatos] são os grupos extremistas religiosos e de direita. Não têm constrangimentos visto os seus actos serem indicados por Deus […]. Não reivindicam frequentemente os seus actos, visto o objectivo final ser criar o momento ideal para o derrube da actual situação, [criando] caos e medo que desacredite o governo. As suas vítimas são usualmente vistas como ‘sub-humanas’ ”.

As questões em torno do fundamentalismo nos EUA – religioso, político, “moral”, racial ou social – não se restringem apenas a bandos de fanáticos rurais ressabiados. A sua real extensão e profundidade com que penetrou no tecido político e social dos EUA é uma incógnita no mínimo inquietante.

__________
1 “Terrorism in the United States 1999”, US Dept. of Justice, Federal Bureau of Investigation [http://www.fbi.gov/publications/terror/terror99.pdf]
2 O atentado ao Edíficio Federal Alfred P. Murrah em Oklahoma, a 19 de Abril de 1995, por Timothy McVeigh (condenado, e executado em 11 de Junho, 2001), que causou 165 mortos e 400 feridos.
3 http://www.emergency.com/fbiter96.htm
4 “Não entendo que os ateus devam ser considerados cidadãos, nem […] patriotas. Esta é uma Nação unida sob Deus” , em resposta à pergunta: “ Seguramente reconhece igualdade de cidadania e patriotismo aos americanos que são ateus?” [http://www.holysmoke.org/sdhok/aa011.htm]
5 Evangelista e na altura líder da Christian Coalition e tele-evangelista da Moral Majority, respectivamente.
6 É membro da associação de juristas The Federalist Society, lobby legislativo ultraconservador (anti-aborto, antiminorias,  etc.).
7 National Rifle Association, lobby de pressão da direita conservadora e a principal organização nacional de defesa do direito ao porte e uso de armas (ligeiras, automáticas, de combate, morteiros, etc.), sem controlo estatal, financiada e apoiada pelos maiores fabricantes de armas norte-americanos.
8 Composto por empresas florestais, de construção e desenvolvimento imobiliário, e da indústria mineira que vêem os direitos ambientais como prejudiciais aos seus negócios.
9 http://www.splcenter.org/intelligenceproject/patriotlst.html
10 O caso de McVeigh, conhecidas as suas ligações à Militia de Montana?
11 Em “The Prospect of Domestic Bioterrorism”, artigo escrito para o Center for Disease Control and Prevention do (US Department for Health and Human Services) [http://www.cdc.gov/ncidod/EID/vol5no4/stern.htm]

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* Kristian Amby

Licenciado em Relações Internacionais pela UAL. Assistente de Investigação no Observatório de Relações Exteriores da UAL.

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