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Conflitualidade na América Latina: o caso da Colômbia

Madalena Moita *

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A década de 90 ficou marcada pelo triunfo dos processos de pacificação e de democratização na América Latina. Hoje vemos, no entanto, que esses processos não estão ainda consolidados, agravados por profundas dificuldades sociais que condicionam a estabilidade económica e política do continente. O caso mais crítico é o da Colômbia onde se enfrentam as forças armadas estatais, novos moldes de guerrilhas de esquerda e paramilitares de direita, num conflito desordenado em que interesses políticos e ambição económica se enlaçam promiscuamente.

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Sempre que procurarmos um traço comum na história dos países latino-americanos, este terá de passar pela eclosão das ditaduras militares que ocuparam o poder entre as décadas de 1960 e 1980. Palco preferencial da Guerra Fria, o sul do continente americano assistiu ao desdobramento interno em dois blocos: as ditaduras militares de direita protegidas pelos EUA e a proliferação de movimentos guerrilheiros de esquerda, incentivados pela vitória castrista em 1959 a promover a insurgência comunista.

Este quadro de instabilidade política acompanhou e fomentou um crescimento económico nocivo, assente em políticas neoliberais de privatização e de protecção das grandes empresas, esquecendo as especificidades internas de um continente riquíssimo, mas enorme e desigual. O Consenso de Washington que previa a abertura das fronteiras ao capital estrangeiro fez-se afinal à custa da degradação da qualidade de vida dos latino-americanos e do desaparecimento das pequenas empresas nacionais. No campo, a terra continuou a pertencer a grandes proprietários, marginalizando as comunidades camponesas, muitas de origem indígena, abrindo uma luta pelo direito à terra, essencial à preservação da identidade dos indígenas, que ainda hoje fervilha no Chile, com a contenda mapuche, ou no México, com o levantamento dos zapatistas em Chiapas. O êxodo rural fez transbordar os centros urbanos, onde a pobreza e o imenso desemprego geraram sementes de violência difíceis de tratar.

A década de 90 traz consigo promessas de democracia e paz. Na América Central assistimos à pacificação dos conflitos na Nicarágua, com as primeiras eleições livres em 1990; nas Honduras e na Guatemala, com a ONU a acompanhar os acordos de paz; em Salvador com a transição da guerrilha da Frente Farabundo Martí para movimento político, fenómeno a que pudemos assistir um pouco por todo o continente e que o Sendero Luminoso, no Peru, tenta actualmente cumprir.

Mas ainda hoje o processo democrático na América Latina dá apenas os primeiros passos, travados diariamente pela ineficácia dos governos em garantir as mínimas condições de vida e em minimizar o abismo da desigualdade, mas também pela corrupção e a impunidade que teimam em minar a esperança da resolução dos conflitos que sobrevivem, como o exemplo colombiano.

 

O caso colombiano

Na Colômbia, todos os sinais de relativa prosperidade e estabilidade política se dissolvem com a incapacidade das instituições colombianas de pôr termo à violência das forças armadas irregulares – que controlam grande parte do território – e à rede criminal associada ao narcotráfico que as sustenta. O governo de Álvaro Uribe, ao fim de um ano de mandato, propõe uma “negociação musculada” para o final do conflito. Conseguirá o diálogo impor-se à guerra?

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O início das negociações

Os primeiros esforços de negociações com as FARC – Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, a principal guerrilha colombiana – datam dos anos 80, quando o presidente Belisario Betancur propôs o “Diálogo Nacional”, uma iniciativa que conduziu ao cessar-fogo em 1984 e à aposta da guerrilha na via política com a criação da União Patriótica. Em simultâneo surgiam forças paramilitares financiadas por narcotraficantes e grandes terratenentes, consentidas pelo governo, que se propunham travar a expansão das várias guerrilhas de esquerda (ver Informação Complementar).

O grupo paramilitar mais conhecido da altura – Muerte a Secuestradores – foi responsável por dizimar os guerrilheiros que procuravam a via política e pela participação comprovada em massacres contra civis, entrando desde então, com grande protagonismo, para o palco do conflito.

A década seguinte ficou marcada pelo desmantelamento dos cartéis de Medellín e Calí e pelo escândalo que envolveu o presidente Ernesto Samper, acusado de ter pago a sua campanha eleitoral com dinheiro do narcotráfico. A luta contra a droga na Bolívia e no Peru, nestes anos 90, obrigou à deslocação dos produtores de coca para o sul da Colômbia, para as regiões de Putumayo e Caquetá, tradicionalmente controladas pelas FARC. Estas cresceram em poderio militar, económico e territorial, enquanto outras guerrilhas seguiram a via política, como o Movimento M-19, que com fraca adesão eleitoral acabou por se diluir.

 

1998 – 2002: O Plano Colômbia

No mês seguinte à sua eleição para a Presidência, em 1998, Andrés Pastrana encontrou-se com o líder das FARC, Manuel Marulanda, e concebeu uma Zona Desmilitarizada (ZD) de 42.000 km2 que seria entregue à guerrilha em Novembro desse ano, por 90 dias, como primeira cedência nas negociações. Em Setembro de 1999, Pastrana apresenta um plano diferente: o “Plano Colômbia – pela paz, a prosperidade e o fortalecimento do Estado. Este implicava laços fortes de cooperação com os EUA, que voltavam a interferir em assuntos internos dos vizinhos latino-americanos, treinando comandos locais especializados na luta contra a droga.

A questão do narcotráfico internacionalizava o conflito, dificultando a sua resolução.

Com a justificação da necessidade de tratar na raiz a entrada de droga em território nacional, os EUA propuseram uma acção militarizada contra as narcoguerrilhas. Até então, a ajuda norte-americana traduzia-se em incentivos aos produtores de coca para mudarem de cultura. Com o Plano Colômbia, os EUA optam por duas estratégias essenciais: eliminar as fontes de produção e os laboratórios clandestinos na América Latina e interceptar o tráfico nas suas fronteiras. Para dizimar o cultivo da coca, os EUA patrocinam fumigações que despojam muitos camponeses do seu sustento, já que inutilizam grandes parcelas de terreno, diminuindo a superfície de terra arável para outro cultivo. As fumigações já tinham sido utilizadas, mas o Plano Colômbia traz uma intensidade diferente ao processo, com meios e fórmulasquímicas mais violentos, que acarretamriscos económicos e ecológicos quepõem em causa a sobrevivência de muitoscolombianos.

Na verdade, os EUA, com o Plano Colômbia, não só esquecem a natureza social da questão colombiana, como dão, antes de mais, absoluta prioridade aos seus interesses na região. O grupo paramilitar Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC – ver caixa) – actualmente o maior responsável pela violação de direitos humanos na Colômbia – integra a lista europeia e norte-americana de organizações terroristas, sendo, no entanto, protegido pelos EUA, uma vez que parte das suas acções servem para resguardar interesses norte-americanos no país.

Mais de metade da produção de coca colombiana vem das zonas controladas pelos paramilitares, liderados por Carlos Castaño. Porém, o Plano Colômbia está claramente direccionado para as regiões controladas pelas FARC, como por exemplo em Putumayo, onde se prevê um projecto importante de facilitação da rede fluvial sul-americana; sem perturbar, contudo, as zonas bananeiras controladas pelos paramilitares, onde se concentram grandes explorações petrolíferas, muitas delas nas mãos de empresas americanas.

Neste quadro de favoritismo e recrudescimento das acções dos paramilitares, as FARC intensificam também os seus combates. O governo de Pastrana não acompanhou a cedência da referida Zona Desmilitarizada com acções de controlo das actividades da guerrilha, facilitando às FARC o uso da zona para práticas ilícitas como a retenção de sequestrados, o treino de soldados e até o cultivo da coca. Pecou também pela ausência de uma concepção clara do que pretendia das negociações, não aproveitando a oportunidade para integrar outros actores como o Grupo de Países Facilitadores (que incluía, entre outros, Cuba, Espanha e a Suécia) ou um grupo de notáveis colombianos que não puderam dar voz às suas propostas de paz.

O prazo final fixado para o uso da Zona Desmilitarizada foi prolongado onze vezes, até Fevereiro de 2002, quando o governo decidiu encerrar as negociações com a guerrilha e, com o apoio dos EUA e a legitimação da luta antiterrorista, reforçar a via belicista.

 

O projecto de Segurança Democrática

O fracasso da iniciativa para a paz do presidente Andrés Pastrana teve como evidente resultado a eleição, em Agosto de 2002, do candidato conservador Álvaro Uribe e do retorno à opção militarizada. No entanto, ao fim de dois anos e de 2500 milhões de dólares investidos pelos EUA no seu Plano Colômbia, a situação tinha apenas piorado. A área de produção de coca não tinha diminuído e as instituições estatais frágeis continuavam a não conseguir pôr cobro ao crescendo de violência.

Ao fim do primeiro ano de mandato, o governo de Uribe apresenta um documento com a nova Política de Defesa e Segurança Democrática, uma estratégia que parte da associação da violência na Colômbia à fragilidade do Estado. A nova proposta prende-se com o fortalecimento e com uma mais eficaz coordenação das instituições democráticas de forma a possibilitar a recuperação da autoridade estatal em todo o território. O endurecimento da presença estatal far-se-á através de um novo ordenamento jurídico antiterrorista, da atribuição de mais recursos tecnológicos e mais formação às forças militares e policiais, mas também, garante o governo, pelo estabelecimento de políticas públicas capazes de salvaguardar a médio prazo necessidades básicas de segurança, educação e saúde em todo o território nacional. Uribe assegura uma estratégia integrada e transparente, capaz de conciliar incentivos ao crescimento económico lícito, com o combate ao terrorismo e a protecção de pessoas e infraestruturas; para a qual apela à ajuda de toda a sociedade civil, assim como da comunidade internacional. Mas foi já neste novo quadro estratégico que o governo anunciou a assinatura de um acordo de paz com as AUC, concedendo uma amnistia aos paramilitares desmobilizados, contrariando logo de início as promessas de combate à impunidade da sua Política de Segurança Democrática.

A possibilidade de vermos aplicado o novo documento, mais atento às questões sociais e à protecção dos direitos humanos, é ainda uma incógnita. A maior esperança para a paz na Colômbia reside agora no pedido recente das FARC a Kofi Annan para que as Nações Unidas ocupem finalmente o papel de facilitador do diálogo com o governo. Sem a ajuda da comunidade internacional para sair da profunda crise económica e política, será mais difícil à Colômbia resistir ao robustecimento da autoridade estatal em detrimento dos princípios mínimos de uma democracia.

 

Informação Complementar

Principais forças armadas irregulares

FARC – Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, emergem em 1964, numa fase agitada da história colombiana (La Violencia), já então como um grupo armado de base camponesa apoiado pelo Partido Comunista. Nos anos 80, as FARC distanciam-se do PC colombiano e criam laços com a classe estudantil, intelectual e com trabalhadores urbanos. Mas a grande viragem dá se com a queda do Muro de Berlim quando perdem, com a sua base de financiamento, grande parte da carga ideológica que as mantinha. Vão encontrar novos meios de subsistência nas receitas das extorsões, dos sequestros e de “impostos” que cobram pela protecção que asseguram aos narcotraficantes e a milhares de pequenos produtores de coca. As novas conexões com o comércio da droga afastam a guerrilha do apoio que as populações mais pobres lhes garantiam, quando exprimiam reivindicações sociais, mas permitem-lhe expandir o seu controlo territorial e mudar de estratégia militar, substituindo a mobilidade característica de um movimento guerrilheiro pela concentração em grandes áreas onde o exército não se atreve a entrar. Desde então a linha que separa a acção política da criminal tornou-se muito ténue. Ainda que o objectivo final das hoje FARC-EP (Exército do Povo) seja tomar o poder, a verdade é que actuam para objectivos mais imediatos de propagação territorial e expansão económica.

ELN – Exército de Libertação Nacional, emerge também nos tempos de La Violencia, quando a vitória recente de Fidel Castro em Cuba encoraja a profusão de movimentos guerrilheiros. O ELN vai aliás ser apoiado pelo regime castrista, atraindo militantes no seio do movimento estudantil. Hoje as suas acções passam por atentados a infra-estruturas do sector petrolífero nas mãos de multinacionais estrangeiras.

AUC – Autodefesas Unidas da Colômbia, criadas em 1997, são hoje o grupo paramilitar com mais poder na Colômbia. Reclamando para si o direito a colmatar a impotência estatal na luta contra a insurgência, estes paramilitares, com financiamento do narcotráfico, são – mais do que as FARC e ao contrário do que pensa o governo – a principal fonte de violência.

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* Madalena Moita

Licenciada em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Nova de Lisboa – FCSH. Pós-Graduada em Estudos da Paz e da Guerra pela UAL. Assistente de Investigação na UAL.

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Bibliografia

AAVV, (2003) “Colombia – Beyond Armed Actors: a Look at Civil Society”, in Harvard Review of Latin America– Spring 2003, David Rockefeller Center for Latin American Studies, Harvard University.

Presidência de la República/ Ministério de Defensa Nacional, Política de Defensa y SeguridadDemocrática – de 29 de Junho de 2003, in http://www.mindefensa.gov.co/politica/politica20030629lanzamiento_documento
_politica_seguridad_democracia.html
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