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O Pacto de Estabilidade e Crescimento: o espartilho orçamental

Francisco Mendes *

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O PEC – aprovado no Conselho Europeu de Amesterdão – veio precisar o conceito de défices orçamentais excessivos: o limite será 3% do PIB, mesmo em fases de prolongada estagnação económica. As sanções compreendem uma parte fixa (0,2% do PIB) e uma componente variável – um décimo da diferença entre o défice do ano anterior e o limite dos 3%, podendo atingir no máximo 5% do PIB. A única isenção de sanções verifica-se em caso de ocorrência de uma quebra anual do PIB real superior a 2%. Considera-se de uma forma geral que os mecanismos e a filosofia do PEC devem ser revistos.

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Nos últimos anos, o Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) tem suscitado acesa controvérsia entre vários economistas e responsáveis pela política económica de Estados Membros (EM) da União Económica e Monetária (UEM). A persistente debilidade da actividade económica mundial – em desaceleração a partir de meados de 2000 –, aliada a factores nacionais específicos, tem originado grandes dificuldades ao cumprimento das estritas regras do PEC por parte de alguns EM (Portugal, Alemanha, França e Itália), daí resultando muitas críticas quanto ao fundamento, mecanismos e legitimidade das suas normas e à formulação de variadas propostas de reforma, revisão, reinterpretação e até de completa supressão da sua aplicação.

 

O que é o PEC e qual a sua justificação e mecanismos?

Visando alcançar uma adequada disciplina orçamental na UEM, o Tratado da União Europeia (TUE) já estipulava que os EM deviam evitar défices orçamentais excessivos (art. 104º. -C). O PEC (aprovado pelo Conselho Europeu de Amesterdão, em Julho de 1997) veio precisar o conceito de défices excessivos e foi mais longe do que o TUE ao impor regras e sanções mais severas – mantendo a regra de entrada na UEM do limite dos 3% do PIB para os défices orçamentais, mesmo em fases de prolongada estagnação económica, e visando uma posição orçamental próxima do equilíbrio ou excedentária no médio prazo. Estabeleceu, ainda, um sistema de alerta rápido para evitar a ocorrência de défices excessivos e prevendo a apresentação de Programas de Estabilidade pelos EM (ou Programas de Convergência para os não participantes na UEM).

O regime das sanções é também bastante pesado e a sua aplicação é delicada, visto os EM serem ainda países independentes. As sanções compreendem uma parte fixa (0,2% do PIB) e uma componente variável – um décimo da diferença entre o défice no ano anterior e o limite de 3% –, podendo a multa ou o depósito atingir o máximo de 0,5% do PIB. Por exemplo, o défice de 4,2% de Portugal em 2001 implicaria um depósito correspondente a 0,32% do PIB português.

Note-se que as sanções só são afastadas quando ocorrer uma quebra anual do PIB real superior a 2%. Quando a quebra se situar entre 2% e 0,75%, existe possibilidade de sanções, e quando a diminuição do PIB for inferior a 0,75%, as sanções ainda são prováveis. Assim, o PEC apenas não sanciona nos casos de profunda recessão económica, não considerando situações prolongadas de estagnação ou recessão menos severa. O aspecto mais favorável do PEC não serão, portanto, as cláusulas de isenção das sanções, mas o facto de a sua aplicação depender de decisão política tomada pelo Conselho Ecofin, requerendo maioria de dois terços dos votos dos EM.

A imposição de normas tão rigorosas para os défices públicos é fundamentada no receio de que défices excessivos (sobretudo dos EM de maior dimensão) possam afectar a política monetária do BCE, originando pressões inflacionistas e elevando a taxa de juro na área do euro, dificultando a correcta combinação das políticas económicas (no entanto, a independência do BCE parece não justificar esses receios). Tendo o défice público alemão superado os 3% do PIB em 2002 (talvez volte a fazê-lo em 2003), é curioso notar que o PEC nasceu de uma iniciativa do ministro das Finanças alemão T. Waigel, em 1995, visando tranquilizar a opinião pública receosa da indisciplina orçamental dos EM do Sul da Europa.

 

Visão crítica do PEC

De um modo geral, considera-se que os mecanismos e os objectivos últimos do PEC carecem de profunda revisão. O valor mítico de referência de 3% do PIB é claramente arbitrário e não tem qualquer lógica ou fundamentação técnica económica.

Uma das principais críticas, relevante para Portugal, refere-se ao facto de o PEC reduzir a flexibilidade orçamental necessária para responder a crises económicas prolongadas, na ausência de políticas monetária e cambial autónomas. Para adquirir suficiente margem de manobra ao funcionamento dos estabilizadores automáticos e à aplicação de eventuais medidas orçamentais discricionárias, é necessária uma rápida transição para orçamentos estruturais equilibrados. Mas, em conjunturas recessivas prolongadas, tal transição pode requerer políticas orçamentais restritivas pró-cíclicas que irão deprimir ainda mais a economia e, através da redução das receitas fiscais, manter ou agravar o défice orçamental.

O PEC – como afirma outra crítica, também pertinente para Portugal – não tem mecanismos que impeçam os Governos de conduzir políticas orçamentais expansionistas nas fases de maior crescimento económico, não aproveitando a situação para realizar a necessária consolidação orçamental e deixando, assim, as economias vulneráveis a eventuais futuros abrandamentos da actividade económica. Outra crítica respeita ao facto de o PEC desincentivar o investimento público. Com efeito, a manutenção dos saldos orçamentais perto do equilíbrio ou excedentários implica que as despesas de capital sejam financiadas com as receitas correntes. Assim, o investimento público não é considerado como elemento justificativo do défice (contrariamente ao disposto no TUE), prejudicando as economias como Portugal (a necessitar de maior esforço de investimento em infra-estruturas), e impedindo a equidade intertemporal entre gerações – distribuindo o custo do investimento pelas gerações futuras que irão dele beneficiar.

O PEC é igualmente criticado em resultado de a actual forma de coordenação das políticas orçamentais dos EM poder não assegurar a melhor posição orçamental ao nível agregado da área do Euro. Existe também o risco de a posição orçamental agregada não ser a mais adequada à correcta combinação de políticas económicas.

Novamente com especial relevo para Portugal, critica-se o PEC por visar apenas objectivos e obrigações de curto prazo e não considerar os efeitos das reformas estruturais.

A necessidade de cumprir as apertadas regras do PEC incentiva os EM, como já referido, a recorrer a técnicas de “contabilidade criativa”, tirando transparência às contas públicas. Por outro lado, como o stock da dívida pública e as responsabilidades do sistema público de segurança social não são levados em conta, o PEC trata da mesma forma EM com diferentes perspectivas de médio e longo prazos e distintos níveis de endividamento público. O PEC pode ainda constituir um obstáculo à implementação de reformas estruturais necessárias (financiamento da segurança social, sistema de saúde, administração pública), à melhoria da sustentabilidade orçamental a médio e longo prazos, mas implicando diminuição de receitas a curto prazo.

 

O espartilho do PEC para alguns países europeus

Num contexto de continuada estagnação e abrandamento da actividade económica na área do euro (havendo mesmo receios de recessão e deflação na Alemanha) e modesta recuperação da economia dos EUA (marcada por muita incerteza), o cumprimento das rigorosas regras do PEC tem-se revelado tarefa muito difícil, ou mesmo impossível, para vários EM – Portugal, Alemanha, França e Itália – dando corpo às críticas ao PEC. A este respeito, note-se que os EUA têm conduzido políticas monetária e orçamental claramente expansionistas – os Fed funds desceram ao nível histórico de 1% e o défice público já atinge cerca de 5% do PIB. Não existe, assim, qualquer espartilho fiscal nos EUA, o mesmo acontecendo no Japão, onde o défice ascende a 7% do PIB. Aliás, a experiência da recessão europeia de 1991-93 revela que os défices de muitos EM ultrapassaram bastante os 3% do PIB.

O défice público alemão atingiu 3,6% em 2002, prevendo-se um crescimento económico em 2003 e 2004 insuficiente para manter o défice abaixo do limite imposto pelo PEC. Apesar do risco de incumprimento, a Alemanha procura estimular a economia e baixar o desemprego, visando cortar nos impostos em 2004. Também a França corre o risco de ultrapassar o limite do PEC por três anos consecutivos (3,1% do PIB em 2002, prevendo-se défices de 3,7% em 2003 e 3,6% em 2004). A realidade mostra que impor programas de redução de défices orçamentais incompatíveis com a conjuntura a países com o peso e a responsabilidade económico-financeira da Alemanha e da França, além de não ter grande viabilidade, poderia contribuir para a criação de círculos viciosos, atrasando ainda mais a necessária recuperação dessas economias, induzindo também a descredibilização do próprio PEC.

Depois de crescer à taxa média de 3,8% entre 1985-2000, a economia portuguesa desacelerou a partir de 2001, entrando em recessão na segunda metade de 2002, podendo a quebra do PIB atingir 1% em 2003. A forte expansão anterior foi impulsionada pela procura interna, estimulada pela descida das taxas de juro reais, levando a avultado endividamento das famílias e empresas e forte deterioração da balança corrente. O agravamento do enquadramento externo a partir de 2001, a necessidade de ajustamento dos agentes económicos deveras endividados e o défice estrutural de competitividade explicam a desaceleração e posterior quebra da economia.

Esta evolução, conjugada com a insuficiente consolidação orçamental no período anterior de forte crescimento, desencadeou uma difícil crise orçamental, com incumprimento do PEC em 2001 (défice de 4,2% do PIB). Em 2002, descontando o efeito das medidas extraordinárias, o défice situou-se em igual valor. Por sua vez, os esforços para cumprir o PEC – num contexto de desaceleração das receitas fiscais, sem margem de actuação da política orçamental e sob os efeitos negativos da dramatização da crise orçamental – contribuíram para maior afundamento da economia e o disparar da taxa de desemprego (7,5%, em Maio de 2003). Também pouco ou nada se fez para tornar mais justa a repartição da carga fiscal, mantendo-se elevados níveis de fraude e evasão fiscais e regimes fiscais excepcionais.

 

Propostas de reforma do PEC

As críticas ao PEC não significam que não seja necessário existirem normas disciplinadoras das finanças públicas na zona do euro, visando assegurar uma adequada combinação de políticas macroeconómicas; só que os seus mecanismos estão irremediavelmente postos em causa, carecendo de urgente revisão e reforma. A Comissão Europeia já deu sinais no sentido da flexibilização, ao colocar a ênfase mais no défice ajustado do ciclo económico e menos no défice nominal efectivo. Neste contexto, Portugal abandonou o objectivo irrealista de tentar reduzir o défice para 2,4% do PIB, em 2003, procurando antes diminuir o défice corrigido do ciclo económico em 0,5 p.p. ao ano até 2006. Encontra-se actualmente em discussão uma gama variada de propostas para a reforma do PEC, incidindo sobre vários dos pontos críticos dos seus mecanismos, como podemos comprovar na tabela em cima apresentada.

 

Informação Complementar

A consolidação orçamental na UE

A partir da ratificação do TUE, em 1993, os EM empenharam-se no objectivo de cumprirem os critérios de convergência referentes ao défice e à dívida pública. Em resultado desses esforços (e também de alguma «engenharia contabilística») a diminuição do défice no conjunto da UE, entre 1993 e 1997, atingiu 3 p.p. do PIB. Todos os EM diminuíram os seus défices, sendo as reduções mais acentuadas na Suécia, Grécia, Itália, Portugal, Reino Unido e Finlândia. A Grécia, no entanto, ainda registava um défice de 4% do PIB, em 1997. A consolidação orçamental em Portugal nesse período resultou das receitas das privatizações, da redução dos encargos orçamentais com os juros da dívida (devido à queda progressiva das taxas de juro), do aumento das receitas correntes, de financiamentos comunitários e, também, do recurso a técnicas de “contabilidade criativa”. Ao invés, o período 1997-2002 mostra evolução muito menos favorável para todos os EM, com excepção da Finlândia. De notar a ultrapassagem dos 3% do PIB pela Alemanha, a França e Portugal (sem as receitas extraordinárias) e o desaparecimento, em 2002, do excedente da Irlanda.

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* Francisco Mendes

Licenciado em Organização e Gestão de Empresas pelo ISCTE. Docente na UAL.

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Dados adicionais
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