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A força de um passado comum: relações Brasil–PALOP

Raquel Ferreira *

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A CPLP tem sido o organismo mais utilizado para a cooperação brasileira com os PALOP, apesar de este ter estabelecido alguns acordos bilaterais com estes países. Angola é o país que mais apoios tem recebido, seguida de Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, respectivamente. As relações comerciais entre o Brasil e estes países são escassas, apesar da proximidade histórica e cultural. As dificuldades com que se deparam, nomeadamente a guerra, nos casos de Angola e de Moçambique, condicionaram a evolução das relações comerciais.

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O Brasil, pérola colonial portuguesa até 1822, constituiu durante muito tempo o centro de todo o poderio ultramarino. Foi durante esta fase que, através do tráfico de escravos, as relações entre o Brasil e as restantes colónias, nomeadamente as africanas, se iniciaram. Com a independência das colónias essas relações reduziram a sua intensidade e alteraram quanto à natureza.

As sucessivas guerras que, na era moderna, assolaram os principais países africanos e a imensa pobreza que os caracteriza, tornaram as relações económicas com o Brasil limitadas. No entanto, os primeiros passos têm sido dados no sentido de uma maior aproximação, embora com intensidades diferentes. Uma grande ajuda nesse sentido tem sido desempenhada pelas organizações internacionais, onde os acordos multilaterais fomentam a cooperação entre as partes.

 

As relações supervisionadas pela metrópole

Quando o Brasil foi descoberto em 1500, por Pedro Álvares Cabral, Portugal já contava com um conjunto considerável de feitorias africanas: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe.

Contudo, a colonização do país apenas ocorreu em 1530, altura em que Portugal perde para os ingleses o domínio das colónias indianas. Como este processo exigia a utilização de mão-de-obra escrava, houve então a tentativa de explorar mão-de-obra índia, mas sem sucesso. A oposição dos padres jesuítas à utilização de escravos índios e a dificuldade destes na adaptação a um estilo de vida sedentário levaram a que a coroa fomentasse a utilização de escravos negros. Aqui terão sido predominantes os hábitos mercantis portugueses, que proporcionavam grandes lucros aos seus intervenientes. O início da exploração do Brasil prejudica principalmente as colónias africanas que, com a saída de colonos brancos e da sua população nativa, como mão-de-obra escrava, vêem as suas culturas reduzir-se significativamente.

De todas as colónias africanas, Angola foi a que mais escravos forneceu para o Brasil. De um total de cerca de 15 milhões, estima-se que, entre os séc. XVI e XIX, cerca de 3 milhões de angolanos terão sido enviados para o Brasil.

Em suma, como mostra a história, a economia atlântica esboçou um triângulo comercial, no qual Portugal levava os produtos manufacturados (armas de fogo, tecidos...) para as suas colónias em África, onde adquiria escravos que seriam vendidos no Brasil. Aqui comprava açúcar e metais preciosos para serem comercializados em Lisboa e outras cidades europeias. Este ciclo “vicioso”, que prejudicou principalmente as colónias portuguesas de África, foi o primeiro contacto destas com o Brasil.

 

A cooperação com os PALOP

Os elos que ligam o Brasil aos Países de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) – Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe – foram visíveis a partir da independência destes. Apesar das grandes dificuldades económicas, o Brasil assinou vários acordos de cooperação com esse grupo de países nos anos 70 e 80, visando fomentar a troca de conhecimentos técnicos em diversos domínios.

Em 1989 foi criado, por iniciativa do governo brasileiro, o Instituto Internacional de Língua Portuguesa (IILP), com sede na cidade da Praia (Cabo Verde). Aproveitando a afinidade linguística dos seus participantes (Portugal, Brasil e PALOP), o IILP foi fundado para actuar principalmente na área da educação. Os desenvolvimentos deste organismo proporcionaram condições para que, em 17 de Julho de 1996, fosse criada em Lisboa a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).

No quadro desta organização, o Brasil, através da Associação Brasileira para a Cooperação (ABC), já apoiou a implementação de diversos projectos, tais como: o Centro Regional de Excelência em Administração Pública, com vista a fortalecer os vários níveis de Administração Pública dos PALOP; o Centro Regional de Excelência em Desenvolvimento Empresarial, de iniciativa brasileira, tem como objectivo formar formadores, de modo a estimular o desenvolvimento das micro e pequenas empresas; a Cooperação Técnica em Telecomunicações que tem como finalidade a melhoria das estruturas de telecomunicações; e o Apoio à Formação de Quadros de saúde, que pretende formar os recursos humanos da área da saúde.

A CPLP tem sido o organismo multilateral de excelência nas relações do Brasil com os PALOP e tem permitido uma aproximação destes, principalmente nas áreas da saúde e educação. No entanto, o governo brasileiro tem dado alguma importância a acordos bilaterais com os PALOP.

Angola é o país que mais apoios tem recebido do Brasil. A sua situação de grande carência de alimentos, originada pelos sucessivos anos de guerra, levou a que, no ano de 2000, o Brasil doasse várias toneladas de alimentos e medicamentos.

Em 1999 foi inaugurado o Centro de Formação Profissional do Cazenga, que tem como objectivo, com a formação de 1.500 técnicos por ano, a reciclagem de mão-de-obra desmobilizada do esforço de guerra. É o maior e mais importante investimento brasileiro, rondando os 1,8 milhões de dólares. Um outro acordo celebrado e que conta com a participação dos Ministérios da Saúde dos dois países, visa explorar três vertentes: saúde mental, doenças imunopreveníveis e SIDA.

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O Brasil foi o único país a que, em 1995, o governo angolano equacionou pagar a sua dívida externa. Foi nesse ano elaborado um memorando de entendimento, em que o Angola passaria a amortizar a sua dívida com petróleo, recebendo em contrapartida uma linha de crédito para a importação de bens e serviços brasileiros. Este entendimento permitiu a implementação de programas de grande importância, como a hidroeléctrica de Capanda, a urbanização da área sul de Luanda e o abastecimento de água potável à população da capital.

As relações com Cabo Verde têm sido de proximidade. A grande afinidade cultural entre os países tem permitido que os programas de intercâmbio de estudantes sejam dos mais bem sucedidos entre os PALOP. Este país tem sido igualmente beneficiado, nas suas relações com o Brasil, com numerosos acordos de cooperação técnica, no que se refere à formação e aperfeiçoamento de quadros da Administração Pública, na área da saúde pública e no serviço diplomático. Em 1999 o Brasil perdoou parte da dívida externa de Cabo Verde (que na altura correspondia a cerca de 50% do total da dívida externa do país) e acordou no reescalonamento do pagamento dos valores atrasados.

Para a Guiné-Bissau, o governo brasileiro aprovou, em 2001, um pacote de cooperação especial para a agricultura. Adicionalmente, trata-se de um país que, entre outros acordos assinados, beneficia de um Programa de Doenças Sexualmente Transmissíveis e SIDA, que junta os Ministérios da Saúde de ambos os países e cujo objectivo é permitir a formação de técnicos locais no Brasil. Esta iniciativa, que teve início no segundo semestre de 2001, implica um esforço financeiro de 66 mil dólares. Em 2001, tal como o sucedido nos restantes PALOP, o Brasil equaciona a redução da dívida guineense, que rondava os 6,3 milhões de dólares. Com Moçambique, o Brasil assinou vários protocolos e acordos de cooperação e, tal como nos casos anteriores, dá primazia às áreas da saúde e educação.

Na área da educação estão actualmente em funcionamento dois programas: Projecto de Alfabetização Solidária e o Projecto de Atribuição de Bolsas. Na saúde, está previsto um programa de combate às doenças sexualmente transmissíveis.

Moçambique tem vindo a assumir um papel de destaque nas iniciativas brasileiras e em 2002 os dois países assinaram um Memorando de entendimento para a cooperação bilateral na área de Tecnologias de Informação e Comunicação. A primeira fase deste entendimento, suportada pelo Brasil e pela UNESCO, traduz-se na instalação em Moçambique do Sistema de Monitorização Ambiental, com a utilização de satélites brasileiros.

No que concerne à dívida externa moçambicana, em 1992 as partes estabeleceram um acordo de reescalonamento e em 2000 o Brasil decidiu perdoar 95% da dívida moçambicana, que rondava os 450 milhões de dólares.

Finalmente, em São Tomé e Príncipe, além dos acordos nas áreas da Saúde, com apoios na prevenção da SIDA, e da Educação, com os Programas Bolsas-Escola, Alfabetização solidária e Intercâmbio de estudantes e com as iniciativas de formação dos quadros de diplomacia e governo, o governo brasileiro assinou em 2001 um acordo que visa a transferência de tecnologia no cultivo de cacau. Neste domínio foi criada, pela ABC, uma Comissão Executiva, com vista a contribuir para a melhoria dos níveis de produção e de qualidade no cultivo do cacau. Para este efeito foram reservados recursos na ordem dos 30 mil dólares.

 

Relações comerciais bilaterais entre o Brasil e os PALOP

À excepção da vertente de cooperação, as relações entre o Brasil e os PALOP têm sido escassas. Verifica-se que, apesar da proximidade cultural e histórica, as relações económicas entre o Brasil e esse grupo de países não têm sido muito expressivas. De salientar que o contrário também se verifica: o Brasil não faz parte dos principais parceiros económicos desses países.

As dificuldades com que se deparam os PALOP, em particular aqueles com maiores potencialidades (Angola, devido a cerca de 40 anos de guerra e Moçambique, devido a vários anos de guerra e à seca), condicionaram a evolução das relações comerciais. Com base em dados do Banco do Brasil, estima-se que as trocas com os PALOP rondam 1% do total das trocas do país e que estas, apesar de com uma tendência irregular e ligeiramente ascendente, têm vindo a perder peso.

Da análise do gráfico apresentado, constata-se que o Brasil, com excepção de alguns períodos, tem sido um exportador líquido para esses países. A decomposição dos fluxos comerciais por país de destino/origem (ver tabelas), permite verificar que Angola tem sido o mercado privilegiado das trocas com o Brasil, seguido de Moçambique e Cabo Verde.

Angola, curiosamente o país que mais escravos forneceu para a construção do Brasil, apesar da situação de instabilidade política, é o seu maior parceiro comercial. A contribuir para esta situação está a crescente tentativa de ambos os lados em solidificar as relações económicas. Actualmente estão presentes em Angola algumas grandes empresas brasileiras, como a Construtora Norberto Odebrecht, a Braspetro e as Furnas, bem como algumas empresas de menor dimensão.

Segundo dados do Ministério de Minas e Energia brasileiro, Angola foi, em 2000, o 5.º principal mercado de exportação de metais não ferrosos brasileiros. Este país, entre os anos 1997 e 1999, também constituiu um importante comprador de água engarrafada brasileira, tendo neste caso, contado nos cinco principais mercados (dados da Geomagna). Ainda, e de acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Madeira Processada Mecanicamente, Angola consta entre dez principais mercados de escoamento de madeira brasileira.

 

Conclusão

A grande afinidade entre o Brasil e os PALOP, criada durante a época colonial, é evidente ao nível cultural (ex: a capoeira e a música), religioso e linguístico e tem sido fundamental na aproximação entre esses países. A tentativa brasileira de estreitar os laços com os PALOP é visível com a sua participação activa em organizações internacionais e tem sido concretizada com a celebração de acordos bilaterais, principalmente com Angola e Moçambique.

Os desenvolvimentos dessas iniciativas, no entanto, ainda não se traduziram em valores significativos das trocas comerciais, visto que dos principais parceiros brasileiros não consta nenhum dos PALOP. Contudo, a situação tenderá a inverter-se e, actualmente tem-se registado um esforço dos dirigentes brasileiros na promoção dessas relações e também do investimento. Aqui, o principal desafio é a precariedade com que se deparam a maior parte desses países, nomeadamente os mais promissores, resultado da instabilidade política interna e das grandes dificuldades económicas.

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* Raquel Ferreira

Licenciada em Economia. Investigadora do CIRIUS.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
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