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Angola: os desafios da (re)construção

Carlos Manuel Lopes *

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No texto efectua-se uma reflexão sobre alguns dos desafios que se colocam à reconstrução angolana. Descreve-se a lógica e os mecanismos que caracterizam o modelo rendeiro petrolífero em Angola, enfatizando-se a necessidade de uma ruptura, no quadro de uma estratégia de desenvolvimento, que possibilite a diversificação da economia. Nesse sentido, sublinham-se algumas das vantagens para a economia angolana de uma maior aposta na integração no âmbito da SADC e na cooperação estreita com os países membros da CPLP.

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Mais de um ano após o início do processo de pacificação, desenham-se no horizonte angolano algumas oportunidades mas também alguns desafios, não obstante a paz parecer um bem adquirido. Reflectir em torno da (re) construção angolana impõe pensar Angola em função de dois eixos analíticos essenciais: a indispensabilidade de romper com a lógica do modelo rendeiro petrolífero, e os benefícios que o aprofundamento da integração da economia angolana no quadro da SADC (Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral) e das relações com os países da CPLP permitirão mobilizar a favor da reconstrução do país.

Sublinhe-se, desde logo, que a selecção destes eixos de análise fica longe de abarcar a totalidade e complexidade dos desafios que se colocam a Angola, alguns deles articulados entre si, e de entre os quais se podem referir, por exemplo, as vicissitudes do processo de transição para a economia de mercado e da consolidação do regime pluripartidário, a natureza do modelo de governação adoptado, as características da estrutura de tomada de decisões em termos de política económica ou as implicações económicas e sociais da deslocação compulsiva das populações.

 

A lógica e os mecanismos do modelo rendeiro petrolífero

Nas últimas décadas a economia angolana estruturou-se como uma economia de renda, baseada na exploração exaustiva dos recursos petrolíferos.

As recentes descobertas de campos em águas profundas e muito profundas e os investimentos realizados fazem admitir que, a médio prazo, Angola se tornará o primeiro produtor da África subsariana. A entrada em actividade do bloco 17 poderá ter permitido atingir uma produção de 927 mil barris/dia em 2002, prevendo-se para 2007 uma produção petrolífera de cerca de 2 milhões de barris/dia (1). O sector petrolífero, caracterizado por taxas de investimento elevadas e pela presença dominante do capital estrangeiro, por altos níveis de produtividade e de remuneração, funciona com uma lógica de enclave (2) em relação ao resto da economia (gera pouco emprego, as ligações a jusante com as refinarias e a montante com os sectores abastecedores de bens e serviços são ténues e quase não existe contacto entre a indústria petrolífera e as comunidades locais, uma vez que cerca de 98% do petróleo angolano é extraído de campos petrolíferos offshore). Por contraste, a economia não petrolífera baseia-se num aparelho produtivo precário, em que a fraqueza do sector agrícola e a insuficiência do sector industrial surgem associadas a um sector terciário sobredimensionado e a um sector informal em crescimento ininterrupto.

É o sector petrolífero que gera as receitas e as divisas que permitem realizar as importações e fazer funcionar a economia estatizada. Os efeitos de desenvolvimento induzidos pelo sector petrolífero para o resto da economia são limitados: parte das receitas destina-se a financiar as importações de bens intermédios e de bens de equipamento para as indústrias petroquímicas e uma vasta gama de despesas improdutivas (despesas militares e bens de consumo de luxo); outra parte desses recursos é absorvida pelo repatriamento de lucros, pelos salários dos técnicos estrangeiros, pela fuga de capitais e pelos mecanismos de circulação e apropriação da renda petrolífera pelos detentores do poder e respectivas redes de clientela.

Acresce que a própria gestão do sector petrolífero tem sido realizada com pouca transparência. Através da empresa Sonangol, que detém o monopólio da exploração e produção e que opera através de acordos de quotas de produção e de joint-ventures com algumas das mais importantes empresas transnacionais do sector, o Estado angolano acede a uma importante fonte de rendas, que são distribuídas pelas redes clientelares com recurso a mecanismos variados: subsídios orçamentais, concessão selectiva de créditos por bancos e fundos estatais, sobreavaliação da moeda nacional num quadro de sistema dualista de taxas de câmbio (taxa oficial e taxa do mercado paralelo), comissões associadas aos contratos de aquisição de equipamento militar e de outros bens, importações periódicas, patrocinadas pelo governo, de bens de consumo para estabilizar o mercado interno, entre outras (3).

A evolução da economia angolana está fortemente dependente da flutuação dos preços internacionais do petróleo nos mercados internacionais e das estratégias das multinacionais petrolíferas, no que respeita às suas políticas de aprovisionamento. Ao longo da década de 90 do século XX, verificou-se uma progressiva petrolarização da economia angolana: o petróleo assegurou, em média, mais de 90% das receitas de exportação e o peso da produção petrolífera no PIB continuou a crescer, atingindo em 2000 um valor superior a 60%.

Os rendimentos gerados pelo petróleo sustentaram o esforço de guerra e transformaram-se num instrumento crucial para assegurar o financiamento da balança de pagamentos e o serviço da dívida externa. A utilização da produção petrolífera para garantir empréstimos e linhas de crédito, em condições onerosas (taxas de vencimento curtas e taxas de juro elevadas), tem sido uma constante no caso angolano, onde a natureza e a composição da dívida externa, mais que o seu valor global, constituem um factor potencialmente constrangedor do desenvolvimento económico.

 

Angola e a África Austral

Os catorze Estados que constituem a SADC (cuja presidência anual é actualmente ocupada por Angola), com uma população na ordem dos 198 milhões de habitantes em 2000, dão forma a um potencial grande mercado, caracterizado por uma relativa complementaridade entre as suas economias, pela existência de vastas reservas de recursos minerais diversificados e pela existência de uma rede de infra-estruturas relativamente desenvolvida.

Para além da África do Sul, que é um parceiro comercial significativo, os dados disponíveis revelam que o comércio “intra-SADC” angolano apenas tem alguma expressão com o Zimbabwe, com a Zâmbia, com o Botswana e com o Malawi. Uma aposta numa estratégia de desenvolvimento na qual a reabilitação da agricultura comercial e da indústria manufactureira desempenhem um papel central, permitirá a Angola vantagens competitivas, resultantes das suas condições naturais favoráveis e das infra-estruturas de transporte (por exemplo, o corredor do Lobito que faz a ligação ferroviária entre Benguela, a República Democrática do Congo e a Zâmbia) existentes.

Outra vantagem comparativa resulta do elevado potencial hidroeléctrico, que abre a perspectiva de o país vir a ser um importante exportador regional de energia hidroeléctrica no contexto da SADC. Sendo a água um recurso crítico para o desenvolvimento económico a longo prazo, e dispondo Angola de cerca de dois terços das reservas hídricas da região, perspectiva--se igualmente uma posição preponderante no fornecimento de água para satisfazer uma procura regional, actual e futura, exponencialmente crescente.

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Angola e a CPLP

Sem pretensão de esgotar a questão, apresentam-se algumas áreas em que o estreitamento das relações comerciais e da cooperação com os países da Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa poderá adquirir maior relevância para a (re) construção da economia angolana:

  • no plano político e diplomático, pelo capital de influência que permitirá mobilizar no quadro da esperada Conferência de Doadores para a reconstrução angolana;
  • no plano comercial, pelos mercados potenciais que poderá abrir, quer os mercados constituídos pelos próprios países membros quer através das estruturas de inserção regional a que pertencem (o Brasil poderá ser a porta de acesso ao Mercosul, assim como Portugal em relação à penetração na União Europeia e a Guiné-Bissau e Cabo Verde no caso dos mercados da Comunidade Económica da África Ocidental);
  • no plano da cooperação técnica, científica e económica, as relações com Portugal (um dos principais credores externos) poderão jogar um papel decisivo, nomeadamente na recuperação do sistema de transportes, da agricultura comercial e da indústria manufactureira, por via do capital de experiência e de conhecimento adquirido ao longo do período colonial, em particular nos domínios da construção civil, da investigação agrícola e da extensão rural.

 

Conclusão

Numa perspectiva de desenvolvimento, a aposta numa estratégia de redução, a médio/longo prazo, da dependência da economia angolana em relação às receitas petrolíferas revela-se incontornável. A opção é um maior investimento na diversificação económica, nomeadamente na agricultura e na indústria transformadora. A afectação das receitas petrolíferas deverá privilegiar o investimento produtivo, a reabilitação de infra-estruturas de transportes e comunicação e a qualificação do capital humano em detrimento das despesas de consumo e das despesas militares, bem como responder a critérios de transparência e responsabilização que permitirão uma gestão mais adequada desses recursos e a sua utilização mais conforme às necessidades da sociedade angolana.

A capitalização das vantagens potenciais resultantes de uma cooperação mais efectiva com outros países no quadro da SADC e da CPLP dará um contributo positivo para a (re) construção da economia e sociedade angolanas que, em alguns sectores, terá praticamente que começar do zero.

 

Informação Complementar

Governação, “gasosa” e cultura de corrupção

Um dos desafios mais críticos que a reconstrução angolana terá de enfrentar é o da regeneração de um tecido social embebido numa cultura de corrupção socialmente despenalizante das práticas desviantes quer se trate de pequena ou grande corrupção. Esta cultura de corrupção está intimamente relacionada com a lógica rent-seeking e com os mecanismos de apropriação e distribuição de rendas característicos do modelo rendeiro petrolífero, bem como com as práticas de governação que têm permitido a sua sustentabilidade. A organização Transparency International, no seu Corruption Perceptions Índex 2002, apresenta Angola na 3.ª posição, entre 102 países, só superada em nível de corrupção pela Nigéria e pelo Bangladesh.

O jornal Angolense apresentou, na sua edição de 11 de Janeiro de 2003, uma listagem das cinquenta e nove personalidades mais ricas do país, todas elas ligadas à nomenklatura político-militar. Kyle, Steven (2000, A macroeconomic framework for analyzing the angolan economy), refere que a corrupção se tornou para muitos um mecanismo de sobrevivência, num contexto em que os salários reais são inferiores a 20 USD/mês. Os baixos salários são uma das principais causas da pequena corrupção – “gasosa” –, que se tornou endémica na administração pública em geral. A falta de transparência, a não aplicação das leis, a inexistência ou o não cumprimento de critérios e procedimentos para suportar as decisões administrativas, permitem que determinados indivíduos bem colocados obtenham acesso privilegiado a recursos, oportunidades e benefícios em detrimento do bem comum. Rocha, Alves da (2000, Por onde vai a economia angolana?), estima em 423 milhões de USD o montante que, em 1997, pode ter sido subtraído aos canais e circuitos económicos normais, valor que considera subavaliado e que corresponde a uma subtracção ao PIB de cerca de 5,6%.

Ao aumentar os custos de transacção, ao contribuir para a incerteza da política económica, ao funcionar como factor de retraimento do investimento externo, ao estimular a imersão dos agentes económicos na economia informal e na economia ilegal, ao pôr em causa a autoridade do Estado, a corrupção generalizada, fortemente enraizada na sociedade e no comportamento dos agentes económicos, constitui-se como um sério obstáculo à reabilitação da economia angolana.

 

A União Europeia e a reconstrução angolana

A Assistência Oficial ao Desenvolvimento (AOD) constitui um vector estratégico no processo de reconstrução angolana. Desde que, em 1985, Angola aderiu à Convenção de Lomé rapidamente a UE adquiriu o estatuto de principal doador. A análise da matriz de doadores para Angola em 2000 (documento de estratégia e programa indicativo nacional UE-Angola - PIN 2002-2007) revela que dum total de 346 milhões de euros disponibilizados pelos doadores, 49,6% teve origem na UE (a cooperação institucional representou 19%) e nos seus países membros (Itália, Suécia e Portugal foram os principais contribuintes), 34,7% nos Estados Unidos, 5,5% na Noruega, cabendo os restantes 10,2% a outros doadores.

A Posição Comum da UE sobre Angola, de Junho de 2002, concretizou-se numa estratégia de apoio inserida numa perspectiva de elo de ligação entre a ajuda de emergência, a reabilitação e o desenvolvimento, com vista à exploração das sinergias entre os diferentes mecanismos de ajuda e os diversos instrumentos financeiros. O PIN 2002-2007 prevê a afectação de 146 milhões de euros oriundos do 9.º FED e de 64 milhões provenientes de FED anteriores a serem aplicados em acções de curto, médio e longo prazo com o objectivo de aprofundar o processo de paz, de promover a reconciliação nacional, a consolidação da democracia, a boa governação, o desenvolvimento da sociedade civil e a redução da pobreza.

O PIN 2002-2007 identifica como áreas focais a segurança alimentar e os sectores sociais. Angola poderá ainda dispor de fundos europeus no quadro das rubricas orçamentais da UE mobilizadas para acções específicas (desminagem, etc.) e de verbas atribuídas pelo FED no quadro dos Programas Indicativos Regionais (PIR SADC; PIR PALOP, etc.).

__________
1 Banco de Portugal (2003), A evolução das economias dos Palops.
2 Hodges, T. (2002), Do afro-estalinismo ao capitalismo selvagem.
3 Aguillar, R. (2003), Angola’s private sector: rents distribution and oligarchy; Hodges, T. (2002).


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* Carlos Manuel Lopes

Licenciado em Economia pelo ISEG. Mestre em Estudos Africanos pelo ISCTE. Docente no ISPA e no ISCTE.

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