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Onde estou: | Janus 2004 > Índice de artigos > O direito e a justiça em acção > Portugal no ornamento jurídico internacional > [A vigência do direito comunitário na ordem jurídica portuguesa] | |||
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Uma ordem jurídica autónoma O direito comunitário – direito das Comunidades Europeias, o primeiro pilar da União Europeia – constitui uma ordem jurídica autónoma, que se distingue do Direito da União Europeia – direito adoptado no âmbito da Política Externa e de Defesa Comum, o 2.º Pilar, e no da Cooperação Policial e Judiciária em matéria penal, o 3.º Pilar – e do direito português. Na base do direito comunitário estão os tratados que instituem as Comunidades Europeias. Diferentemente dos tratados internacionais tradicionais, os Tratados Comunitários criaram, na sua qualidade de “carta constitucional de uma Comunidade de Direito”, uma nova ordem jurídica própria”, com fontes de direito autónomas e constituída por normas jurídicas que se dirigem não só aos Estados membros, mas também às pessoas que se encontram sob sua jurisdição (1). Como o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias afirmou, no célebre acórdão Costa/Enel, de 15 de Julho de 1964, o tratado que criou a Comunidade Europeia “institui uma ordem jurídica própria que é integrada no sistema jurídico dos Estados membros a partir da entrada em vigor do Tratado e que se impõe aos seus órgãos jurisdicionais nacionais. Efectivamente, ao instituírem uma Comunidade de duração ilimitada, dotada de instituições próprias, de personalidade, de capacidade jurídica, de capacidade de representação internacional e, mais especialmente, de poderes reais resultantes de uma limitação de competências ou de uma transferência de atribuições dos Estados para a Comunidade, estes limitaram, ainda que em domínios restritos, os seus direitos soberanos e criaram, assim, um corpo de normas aplicável aos seus nacionais e a si próprios” (2). O direito comunitário é igualmente integrado pelo conjunto de normas adoptadas pelas instituições comunitárias – Comissão, Conselho e Parlamento Europeu – no exercício das competências normativas que lhes são atribuídas pelos tratados e de acordo com os procedimentos de tomada de decisão neles definidos. O direito comunitário não é direito internacional, nem direito nacional. Além de obedecer, relativamente à sua formação e efeitos jurídicos, às normas de produção legislativa fixadas nos Tratados, integra-se e aplica-se nos ordenamentos jurídicos nacionais sem perder a sua natureza de direito comunitário. Por força da autonomia deste ordenamento jurídico, a integração das normas de direito comunitário nas ordens jurídicas dos Estados membros não está subordinada à sua recepção ou transformação em direito nacional, regendo-se, antes, por princípios próprios do ordenamento comunitário (3). Estes princípios, que reflectem a complexidade das relações entre o direito comunitário e o direito nacional, são: o primado, a aplicabilidade directa e o efeito directo das normas de direito comunitário.
O primado do direito comunitário De acordo com o princípio do primado, criado e desenvolvido pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, as normas de direito comunitário (tratados, actos normativos de direito derivado, etc.) prevalecem sobre qualquer norma de direito português, anterior ou posterior, de natureza legal ou constitucional (4). Só o primado do direito comunitário garante a sua aplicação uniforme em todo o espaço comunitário, sem a qual os objectivos de integração estariam comprometidos. Como o Tribunal de Justiça afirma no referido acórdão Costa/Enel, “as obrigações assumidas no Tratado que institui a Comunidade não seriam absolutas mas apenas eventuais, se pudessem ser postas em causa por posteriores actos legislativos dos signatários.” O primado do direito comunitário sobre qualquer norma contrária ao direito nacional é, assim, uma condição necessária para a salvaguarda da própria existência da ordem jurídica comunitária. Se o direito comunitário não tivesse primazia sobre o direito nacional, não poderia existir como um direito que vigora e é aplicável uniformemente em todos os Estados membros. Relativamente ao alcance do primado, são elucidativas as palavras do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, no muito citado acórdão Simmenthal: “... por força do primado do direito comunitário, as disposições do Tratado e os actos das instituições directamente aplicáveis têm por efeito, nas suas relações com o direito interno dos Estados membros, não apenas tornar inaplicável de pleno direito, desde o momento da sua entrada em vigor, qualquer norma de direito interno que lhe seja contrária, mas também – e dado que tais disposições e actos integram, com posição de precedência, a ordem jurídica aplicável no território de cada um dos Estados membros – impedir a formação válida de novos actos legislativos nacionais, na medida em que seriam incompatíveis com normas do direito comunitário. Com efeito, o reconhecimento de uma qualquer forma de eficácia jurídica atribuída a actos legislativos nacionais que invadem o domínio no qual se exerce o poder legislativo da Comunidade, ou que por qualquer forma se mostrem incompatíveis com disposições do direito comunitário, implicaria a negação do carácter efectivo dos compromissos assumidos pelos Estados membros, por força do Tratado, de modo incondicional e irrevogável, contribuindo assim para pôr em causa os próprios fundamentos da Comunidade” (5). Porque o direito comunitário tem primazia sobre o direito nacional, as entidades aplicadoras do direito (tribunais, autoridades administrativas) estão vinculadas à não aplicação de direito nacional incompatível com aquele e a fazerem uma interpretação do direito nacional em conformidade com a letra e a finalidade das normas comunitárias, anteriores ou posteriores, com ou sem efeito directo. É esta característica das normas comunitárias que igualmente fundamenta a obrigação dos Estados membros de eliminarem do seu ordenamento jurídico as normas internas incompatíveis com aquele ou a indemnizarem os danos causados aos particulares pela violação do direito comunitário (6).
A aplicabilidade directa das normas de direito comunitário O princípio da aplicabilidade directa impõe a vigência directa das normas de direito comunitário no ordenamento jurídico dos Estados membros sem necessidade de qualquer mediação do legislador nacional. Embora esteja expressamente consagrado apenas em relação aos Regulamentos, este princípio vale também para o Direito Comunitário Originário, ou seja, para os tratados, cujas disposições devem ser aplicadas como tais pelas autoridades administrativas e jurisdicionais dos Estados membros, e para todos os outros actos de Direito Comunitário Derivado, inclusive para as Directivas (7). Estas, que consubstanciam um processo de legislação indirecta ou em duas etapas – uma comunitária e outra nacional – necessitam de ser executadas pelos Estados Membros para alcançarem a plenitude dos seus efeitos jurídicos. Mas a intervenção legislativa nacional não é assimilável a uma operação de recepção ou transformação das normas da Directiva em direito nacional. Além do mais, as normas contidas nas Directivas que gozem de efeito directo são susceptíveis de produzir efeitos jurídicos na ordem jurídica dos Estados membros, mesmo quando não foram objecto de qualquer medida nacional de execução.
O efeito directo das normas de direito comumitário Por fim, as normas de direito comunitário têm uma aptidão para produzir efeitos jurídicos na esfera jurídica dos cidadãos, criando-lhes direitos ou impondo-lhes obrigações. Por isso, todas aquelas normas de direito comunitário (originário ou derivado) que, de forma clara, precisa e incondicional, criam direitos para os particulares ou deveres para os Estados membros têm efeito directo, na medida em que são susceptíveis de serem invocadas por estes, perante os tribunais, as autoridades administrativas e outros particulares. Este efeito directo sofre algumas restrições relativamente a algumas normas de direito comunitário. Assim, as normas das Directivas não executadas, que de forma clara e incondicional confiram direitos aos particulares, apenas têm um efeito directo limitado, pois só são oponíveis às entidades públicas. Isto porque uma Directiva, tendo como destinatários os Estados membros, não pode criar directamente obrigações para os particulares a que correspondam direitos de outros particulares (8). É através das medidas de execução da Directiva adoptadas pelos Estados Membros que elas criam direitos para os particulares e que este acto normativo de direito comunitário alcança a plenitude dos seus efeitos jurídicos.
Informação Complementar Fontes do Direito da União no âmbito da Cooperação Policial e Judiciária em matéria penal (Artigo 34º do Tratado da UE) Posição comum – Acto adoptado pelo Conselho que define a abordagem da União Europeia relativamente a uma questão específica no domínio da cooperação policial e judiciária em matéria penal (Terceiro Pilar). Decisão-quadro – Acto normativo da União Europeia que se destina a harmonizar a legislação dos Estados membros, em especial as disposições de direito penal (elementos constitutivos das infracções penais e respectivas sanções) aplicáveis nos domínios da criminalidade organizada, do terrorismo e do tráfico de droga. Este acto de direito derivado da União inspira-se na directiva comunitária e constitui um meio de legislação indirecta ou em duas etapas – uma ao nível da União e outra ao nível nacional. Tal como a directiva comunitária, a decisão-quadro apenas vincula os Estados membros quanto ao resultado a alcançar, deixando-lhes a competência quanto à forma e aos meios de transposição das normas da decisão-quadro para o ordenamento jurídico nacional. Ao contrário da directiva comunitária, a decisão-quadro não tem a virtualidade de produzir efeito directo, pelo que só com o acto nacional de execução ou transposição poderá alcançar a plenitude dos seus efeitos jurídicos. Decisão – Acto legislativo destinado à prossecução de qualquer objectivo da União Europeia no âmbito da Cooperação Policial e Judiciária em matéria penal, com excepção da harmonização das legislações dos Estados membros. Tal como a decisão-quadro, este acto de direito derivado da União Europeia tem efeito jurídico vinculativo para os Estados membros e é insusceptível de ter efeito directo, não podendo, pois, ser invocado pelos particulares perante os tribunais e demais entidades aplicadoras do direito. Convenção “Terceiro Pilar” – Embora relevem do Direito Internacional, as convenções concluídas pelos Estados membros no âmbito do Terceiro Pilar constituem uma fonte de Direito complementar da União Europeia. A Convenção é elaborada pelo Conselho e submetida à ratificação pelos Estados membros de acordo com as respectivas normas constitucionais.
Actos normativos da comunidade europeia (Artigo 249º do Tratado que institui a Comunidade Europeia) Regulamento – Acto legislativo de carácter geral, obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável em todos os Estados membros. É uma espécie de lei europeia que vigora e é aplicável em todo o espaço comunitário. Directiva – Acto normativo que vincula o Estado membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando-lhe a competência quanto à forma e aos meios. Impõe ao Estado membro a obrigação de adoptar medidas internas de execução dos objectivos fixados pelo legislador comunitário. É uma espécie de lei-quadro da Comunidade, que necessita de ser regulamentada para alcançar a plenitude dos seus efeitos jurídicos. Decisão – Acto normativo que é obrigatório em todos os seus elementos para os destinatários que designa (Estados membros, pessoas singulares e colectivas). LOUIS, Jean-Victor, A ordem jurídica comunitária, 2.ª edição, Bruxelas, 1983. MARTÍN, Araceli Mangas/NOGUERAS, Diego J. Liñán, Instituciones y Derecho de la Unión Europea, 2.ª edição, Mc GrawHill, Madrid, 1999. MARTINS, Ana Maria Guerra, Introdução ao Estudo do Direito Comunitário, Lex, Lisboa, 1995. MOTA DE CAMPOS , Direito Comunitário, II Volume, 4.ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1994. OPPERMANN, Thomas, Europarecht, 2.ª edição, Verlag C. H. Beck, Munique, 1999. SIMON, Denys, Le système juridique communautaire, 3.ª edição, PUF, 2001. Percentagem de directivas transpostas para a ordem jurídica dos estados membros
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