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- JANUS 2004 -

Janus 2004



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Instâncias europeias: Tribunal de Justiça e Tribunal de Contas

Rui Manuel Moura Ramos e Carlos Moreno *

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O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) foi criado com o objectivo de solucionar conflitos entre as instituições europeias e entre estas e os Estados, relativamente à interpretação e aplicação dos tratados, assim como do direito comunitário. É composto por um juiz indicado por cada Estado membro, com o comum acordo dos restantes. O TJCE aprecia o recurso das decisões do Tribunal de 1ª Instância e julga as acções interpostas pelos Estados e pela Comissão destinadas a verificar o incumprimento da legislação comunitária.

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O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) foi criado com o objectivo de solucionar conflitos entre as instituições europeias e entre estas e os Estados, relativamente à interpretação e aplicação dos tratados, assim como do direito comunitário. É composto por um juiz indicado por cada Estado membro, com o comum acordo dos restantes. O TJCE aprecia o recurso das decisões do Tribunal de 1ª Instância e julga as acções interpostas pelos Estados e pela Comissão destinadas a verificar o incumprimento da legislação comunitária.

A génese do actual Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias encontra-se no Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, instituído em 1951 como primeira organização europeia de integração regional e à qual se juntariam, em 1957, a Comunidade Económica Europeia (que em 1992, com o Tratado de Maastricht, será designada simplesmente Comunidade Europeia) e a Comunidade Europeia de Energia Atómica. A partir de 1958, o Tribunal de Justiça passa a ser uma das quatro instituições (viriam a ser cinco com o referido Tratado de Maastricht que lhes adicionaria o Tribunal de Contas) comuns às três Comunidades (as demais eram o Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão), desempenhando em relação a todas elas a mesma missão de garantir o respeito do direito na interpretação e aplicação dos Tratados (CECA, CEE e CEEA).

Mais tarde, com a criação da União Europeia pelo Tratado de Maastricht, o Tribunal de Justiça começaria igualmente a exercer as suas competências nalguns dos domínios (de forma que seria entretanto reforçada em 1997, com o Tratado de Amesterdão) cobertos pela cooperação no domínio da justiça e assuntos internos (a que sucederia, em 1997, no plano da União Europeia, a cooperação policial e judiciária em matéria penal), sem no entanto o fazer em relação à política externa e de segurança comum criada na mesma altura.

A criação do Tribunal aparece como justificada pela necessidade de dirimir os conflitos que se poderiam vir a suscitar entre as instituições e entre elas e os Estados, quer quanto à interpretação, quer quanto à aplicação dos tratados como do restante direito (direito derivado) criado em sua aplicação pelas outras Instituições. Mas espelha claramente a intenção de criar organizações em que o respeito pela regra de direito ocupa um lugar essencial, o que viria a ser mais tarde reconhecido pelo Tribunal ao declarar que os Tratados constituíam a “carta constitucional de base de comunidade de direito” (acórdão Les Verts,1986).

O Tribunal seria constituído à imagem dos tribunais internacionais, integrando um juiz indicado por cada Estado membro (o que se justificaria pela necessidade de ter nele representadas as diferentes sensibilidades jurídicas nacionais) e um corpo de advogados-gerais a quem cabe a missão de apresentar publicamente, com toda a imparcialidade e independência, conclusões fundamentadas sobre as causas a ele submetidas. Todos estes magistrados são nomeados, de comum acordo, pelos governos dos Estados membros, por um período de seis anos, renovável, devendo a sua escolha recair sobre pessoas que ofereçam todas as garantias de independência e reúnam as condições exigidas, nos respectivos países, para o exercício das mais altas funções jurisdicionais ou sejam jurisconsultos de reconhecido mérito.

De três em três anos ocorrerá uma substituição parcial, que incidirá em metade de cada um dos respectivos corpos. O Tribunal reúne em sessão plenária ou em secções, sendo as partes que perante ele se apresentam representadas pelos respectivos advogados, que, após um processo escrito que terá lugar numa das línguas comunitárias escolhida pelo autor da acção, se poderão fazer ouvir numa audiência oral que precederá a apresentação das conclusões do advogado-geral e a leitura da sentença.

O aumento do contencioso submetido à apreciação do Tribunal de Justiça justificou que o Acto Único Europeu, de 1987, previsse que a ele viesse a ser associada (o que aconteceria a partir de 1989) uma nova instância jurisdicional – o Tribunal de Primeira Instância – constituída de forma semelhante (com a ressalva de não dispor de um corpo de magistrados que desempenhasse em exclusivo a função de advogado-geral), para a qual foram sucessivamente transferidas competências em termos de, presentemente, este órgão jurisdicional ser competente para julgar em primeira instância (sem prejuízo de recurso para o Tribunal de Justiça, limitado embora às questões de direito) todos os recursos introduzidos directamente por particulares (pessoas físicas e jurídicas), cabendo ao Tribunal de Justiça, além das questões prejudiciais, decidir os processos introduzidos pelos Estados membros ou pelas instituições comunitárias.

Se o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância formam assim a jurisdição comunitária propriamente dita, esta não esgota no entanto o sistema jurisdicional comunitário, que inclui ainda uma outra componente, os tribunais nacionais, verdadeiros tribunais comuns da aplicação do direito comunitário, e a quem cabe a decisão de todas as questões suscitadas pela garantia da efectivação dos direitos reconhecidos pela ordem jurídica comunitária sempre que uma tal competência não tenha sido expressamente atribuída aos referidos tribunais comunitários.

 

Competências do Tribunal de Justiça

Presentemente, no domínio da competência contenciosa, cabe ao Tribunal de Justiça, e para além da apreciação em recurso das decisões do Tribunal de Primeira Instância) o julgamento das acções interpostas pela Comissão ou pelos Estados membros destinadas a verificar o incumprimento, por parte de qualquer dos Estados membros, das obrigações que lhe incumbem por força dos tratados acima referidos, aí incluída a possibilidade de os sancionar pecuniariamente, a solicitação da Comissão, quando eles não tomarem as medidas necessárias para a execução de um acórdão do Tribunal que declare verificado o não cumprimento de qualquer das obrigações resultantes dos tratados. Compete-lhe igualmente fiscalizar a legalidade dos actos adoptados pelas instituições quando estes sejam arguidos de incompetência, violação de formalidades essenciais, violação das regras dos tratados ou de qualquer norma relativa à sua aplicação e desvio de poder, declarar a violação dos tratados pelas instituições quando estas (em desconformidade com os tratados) se abstiverem de se pronunciar, conhecer dos litígios relativos à reparação dos danos causados pelas instituições das Comunidades ou pelos seus agentes no exercício das suas funções, decidir sobre os litígios entre as Comunidades e os seus agentes, e, quando exista respectivamente compromisso ou cláusula compromissória, sobre qualquer diferendo entre os Estados membros relacionado com o objecto dos tratados, ou sobre contratos de direito público ou de direito privado celebrados pelas Comunidades ou por sua conta.

Saliente-se que os recursos perante a jurisdição comunitária não têm efeito suspensivo, mas que ela pode ordenar a suspensão do acto impugnado bem como as demais medidas provisórias necessárias, e que os seus acórdãos têm força executiva.

Finalmente, o Tribunal de Justiça dispõe ainda de uma outra importante competência, agora no plano da cooperação com as jurisdições nacionais. Trata-se da possibilidade (reenvio prejudicial) de, a pedido destas, se pronunciar, a título prejudicial, sobre a interpretação de qualquer disposição dos tratados, bem como sobre a interpretação e a validade (e, quanto a esta última, a título exclusivo – acórdão FotoFrost, 1987) dos actos das instituições e do Banco Central Europeu e a interpretação dos estatutos dos organismos criados por actos do Conselho, desde que estes actos assim o prevejam.

Esse pedido, que visa propiciar uma interpretação e aplicação uniformes das regras de direito comunitário, pode ser formulado por qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados membros sempre que perante ele seja suscitada uma questão daquele tipo e que ele considere que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa; e deve sê-lo obrigatoriamente sempre que uma tal questão seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno.

Característica fundamental do desempenho do Tribunal de Justiça foi a interpretação finalista do sistema dos tratados que viria a fazer do direito comunitário uma “nova ordem jurídica de direito internacional a favor da qual os Estados limitaram, ainda que em domínios específicos, os seus direitos, e cujos sujeitos são não somente os Estados membros mas também os seus nacionais” (acórdão Van Gand & Loos, 1963) e que o erigiria no intérprete dos princípios gerais desta ordem jurídica. Visando garantir acima de tudo o efeito útil das disposições dos tratados, o Tribunal proclamaria assim o princípio do efeito directo das regras de direito comunitário, ao afirmar que, independentemente da legislação dos Estados membros, as normas dos tratados eram susceptíveis de gerar direitos que entram no património jurídico dos particulares quando impusessem obrigações bem definidas, claras e incondicionais, tanto aos particulares como aos Estados membros e às instituições comunitárias (acórdão Van Gand & Loos) e que também as regras de direito derivado que enunciem obrigações não sujeitas a qualquer reserva ou condição e que, pela sua natureza, não necessitem da intervenção de qualquer acto, quer das instituições comunitárias quer dos Estados membros, produzem em favor dos particulares direitos que eles podem fazer valer em justiça num Estado membro e que as jurisdições nacionais devem salvaguardar, ainda que elas hajam sido enunciadas em actos normativos desprovidos por natureza de efeito directo no seu conjunto (acórdão Van Duyn, 1974). E julgaria depois que “a integração no direito de cada Estado membro das disposições de fonte comunitária, e, mais geralmente, o espírito e os termos do Tratado têm como corolário a impossibilidade para os Estados de fazer prevalecer, contra uma ordem jurídica aceite por eles na base da reciprocidade, uma medida unilateral que não poderá assim ser oponível aos particulares” (acórdão Costa/ENEL, 1964 – princípio do primado).

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Prosseguindo na formulação dos princípios estruturantes da ordem comunitária, o Tribunal afirmaria ainda designadamente que, ao aplicar o direito nacional, nomeadamente as disposições de uma lei de transposição de uma directiva, as jurisdições nacionais estão obrigadas a interpretá-lo à luz do texto e da finalidade da directiva em questão (acórdão Van Colson, 1984 – princípio da aplicação conforme), que as violações caracterizadas do direito comunitário traduzidas no desrespeito, pelos Estados, de regras que permitam identificar direitos atribuídos aos particulares geram na esfera jurídica destes o direito a serem indemnizados pelos danos decorrentes dessa violação (acórdão Francovich, 1991 – princípio da responsabilidade dos Estados pela violação do direito comunitário) e que a coerência do sistema de protecção exige que o juiz nacional possa ordenar, quer a suspensão de um acto administrativo nacional fundado num regulamento comunitário cuja legalidade é contestada (acórdão Zuckerfabrik, 1991), quer outras medidas provisórias a propósito de um acto nacional fundado num regulamento comunitário objecto de um reenvio prejudicial de aplicação de validade (acórdão Atlanta, 1995).

 

O Tratado de Nice e o sistema jurisdicional comunitário

O Tratado de Nice, de 26 de Fevereiro de 2001 (e que entrou em vigor em 1 de Fevereiro de 2003) introduziu algumas alterações relevantes no sistema jurisdicional comunitário. Um dos aspectos essenciais da reforma então levada a cabo foi o reforço das competências do Tribunal de Primeira Instância, que passou a poder conhecer de questões prejudiciais em matérias específicas determinadas pelo Estatuto, e que, em sede de contencioso, viu ser-lhe reconhecida competência para decidir todos os recursos relativos ao controlo da legalidade dos actos das instituições, aos litígios relativos à função pública comunitária e aos resultantes de cláusulas compromissórias constantes de contratos de direito público ou de direito privado celebrados pela Comunidade ou por sua conta, salvo daqueles que o respectivo Estatuto reservar para o Tribunal de Justiça ou que venham a ser atribuídos a uma câmara jurisdicional.

O Tratado abriu ainda a possibilidade de o Conselho vir a criar câmaras jurisdicionais encarregadas de conhecer em primeira instância de certas categorias de recursos em matérias específicas. Ao Tribunal de Primeira Instância é reconhecida também competência para julgar os recursos das decisões das câmaras jurisdicionais, podendo as suas decisões ser reapreciadas a título excepcional pelo Tribunal de Justiça, nas condições e limites previstos nos Estatutos, caso exista risco grave de lesão da unidade ou da coerência do direito comunitário.

Nas mesmas circunstâncias podem ainda ser reapreciadas as decisões do Tribunal de Primeira Instância proferidas sobre questões prejudiciais. Para além disso, o Tratado flexibiliza o funcionamento do Tribunal de Justiça, privilegiando o seu funcionamento em secção ou em grande secção, deixa de limitar ao número de Estados membros o número de juízes do Tribunal de Primeira Instância, reconhece ao Parlamento Europeu o estatuto de requerente privilegiado (o que lhe permite, da mesma forma que aos Estados membros, ao Parlamento Europeu, ao Conselho e à Comissão, interpor recurso de anulação de qualquer acto das instituições) e flexibiliza os termos em que pode ter lugar a alteração do Estatuto do Tribunal de Justiça.

 

Informação Complementar

Tribunal de Contas Europeu

O Tribunal de Contas Europeu (TCE) é, desde 1975, uma das cinco instituições da União Europeia e situa-se, portanto, no mesmo plano institucional do Parlamento Europeu, do Conselho da União, da Comissão e do Tribunal de Justiça. Entrou em funcionamento em 1977 e teve a sua sede no Luxemburgo.

O Tratado da União Europeia, que entrou em vigor em 1 de Novembro de 1993, reforçou a autoridade e a independência do TCE. Posteriormente, o Tratado de Amesterdão, em vigor a partir de 1 de Maio de 1999, reforçou, ainda mais, o papel do Tribunal de Contas. Aquando da sua entrada em exercício de funções, foi vaticinado ao TCE que ele se viria a tornar na consciência financeira da Europa. Com efeito, actualmente o TCE tem por tarefa principal controlar a boa execução do Orçamento da União, na dupla perspectiva de melhorar os seus resultados e de prestar contas aos cidadãos europeus, sobre a utilização dos dinheiros públicos da Europa, por parte dos responsáveis pela gestão. Mais concretamente, o Tribunal examina as receitas e as despesas da União, bem como as de qualquer organismo por esta criado.

Para além disso, o TCE também examina as receitas e despesas suplementares que financiam o Orçamento comunitário, em resultado do acordo que instituiu o Espaço Económico Europeu (EEE) – celebrado entre os Estados membros da UE e seis países membros da EFTA (Islândia, Liechtenstein, Noruega, Áustria, Finlândia e Suécia, sendo os três últimos já membros da UE) do qual resulta a realização de várias actividades Comunitárias financiados pelo EEE.

Devem ser ainda acrescentadas as deduções para o Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED) que o TCE também fiscaliza. Note-se que, se o orçamento geral da União constitui a parte mais importante das receitas e despesas sujeitas ao controlo do TCE, este cobre também os fundos comunitários geridos pelos Estados membros ou por outros intermediários como, por exemplo, o Banco Europeu de Investimento. Por outro lado, não pode deixar de se salientar o acrescento às funções do TCE que o Tratado da União Europeia lhe cometeu, a partir de 1994, qual seja o de aquele órgão de controlo passar a emitir uma declaração sobre a fiabilidade das operações subjacentes – a DAS –, através da qual o TCE passa um certificado sobre as demonstrações financeiras anuais da União e formula uma opinião qualitativa sobre as operações e os sistemas de gestão comunitários.

No exercício deste bloco de competências, o TCE elabora vários produtos – em regra relatórios – dos quais, para além dos (chamados) relatórios especiais que vai aprovando ao longo do exercício económico, sobressaem o Relatório Anual e a Declaração de Fiabilidade, que constituem elementos-chave do importante procedimento de quitação da Comissão, por parte do Conselho e do Parlamento, que são a autoridade orçamental comunitária. Diga-se, finalmente, que, em termos de volume, as receitas e despesas sujeitas à auditoria do TCE correspondem a cerca de 4 a 5% do total dos orçamentos do conjunto dos Estados membros da União.

O TCE organiza-se e funciona como órgão colegial. O Tratado CE fixa em quinze o número de membros do Tribunal. Precisamente, um por cada Estado membro.

Os juízes do TCE são nomeados, por um período de seis anos, renovável, por deliberação unânime do Conselho, após consulta do Parlamento Europeu. (CarlosMoreno)

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* Rui Manuel Moura Ramos

Membro do Instituto de Direito Internacional. Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Vice-Presidente do Tribunal Constitucional. Antigo Juiz do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias.

* Carlos Moreno

Professor de Finanças Públicas na UAL. Juiz do Tribunal de Contas português. Primeiro Juiz português do Tribunal de Contas Europeu (1986-1994).

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