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Um projecto para o “Grande Médio Oriente”

Alexandra Prado Coelho *

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Foi em Novembro de 2003 – cerca de dois anos depois da queda do regime dos taliban no Afeganistão, e oito meses depois do início da operação no Iraque – que o presidente norte-americano, George W. Bush, fez o primeiro discurso em que referiu o projecto da sua Administração para democratizar aquilo a que chamou o Grande Médio Oriente. Perante o National Endowment for Democracy, Bush afirmou: “Enquanto o Médio Oriente continuar a ser um local onde a democracia não floresce, será um local de estagnação, de ressentimento e de violência pronta a exportar”. Por isso, anunciou, “(...) os EUA adoptaram uma nova política, uma estratégia para fazer avançar a liberdade no Médio Oriente”.

 

Génese e características gerais do plano

O projecto, que deveria ser formalmente apresentado só na cimeira do G8, em Junho de 2004, foi referido no Fórum Económico Mundial de Davos pelo vice-presidente norte-americano Dick Cheney, mas os seus traços gerais só foram conhecidos de forma mais concreta através de uma fuga de informação que chegou ao jornal árabe de língua inglesa Al-Hayat, em Fevereiro. As primeiras reacções foram de cepticismo, ou mesmo hostilidade, sobretudo no mundo árabe, que se sentiu ofendido por não ter sido consultado. O modelo citado pelos americanos era o do Processo de Helsínquia, lançado em 1972, e que nos anos seguintes se tornou um importante instrumento com o qual os países ocidentais pressionaram os países do Pacto de Varsóvia a melhorar a situação dos direitos humanos e a iniciar reformas democráticas. A ideia de democratizar o Grande Médio Oriente não nasceu do zero. Já na anterior Administração, de Bill Clinton, tinha havido políticas que se destinavam a encorajar a implantação da democracia naquela região. Mas foram os atentados de 11 de Setembro de 2001, em Nova Iorque e Washington, que vieram mudar o tom dessa política. Quando Bush a apresentou, tudo indicava que não se tratava de mais um pacote de medidas de cooperação, mas de uma estratégia que poderia ser mais “ofensiva”, com forte pressão diplomática e, por exemplo, o apoio a grupos da oposição.

 

Afeganistão e Iraque e o efeito dominó

Os neoconservadores, grupo que, sobretudo depois do 11 de Setembro, ganhou uma enorme influência junto de Bush e de alguns sectores da Administração, nomeadamente o Departamento da Defesa, defendiam abertamente a necessidade de mudanças de regime no Médio Oriente. E era muito claro que os seus planos começavam pelo Iraque, que consideravam um ponto estratégico fundamental para aquilo que acreditavam que seria o “efeito de dominó”, com a democracia a propagar-se de uns países para os outros, pelo exemplo do que aconteceria no Iraque. A primeira resposta dos EUA aos atentados que provocaram três mil mortos foi um ataque ao Afeganistão, cujo regime taliban albergava campos de treino terroristas e o próprio líder da Al-Qaeda, Osama bin Laden. Mas muito pouco tempo depois, a Administração Bush começou a falar do Iraque, usando uma série de argumentos, que iam da alegada posse de armas de destruição maciça pelo regime de Saddam Hussein à ideia de que derrubar uma ditadura era, por si só, uma acção importante e que isso teria a referida influência nos países vizinhos. Antes do início da guerra, e na fase militar em que tudo estava a correr bem para os EUA, falava-se já abertamente em Washington de eventuais mudanças de regime noutros países. No topo da lista apareciam o Irão e a Síria. Algumas vozes, mas não todas, falavam da Arábia Saudita. Mas, passado o entusiasmo inicial, e perante as dificuldades no terreno no Iraque, essas vozes foram-se tornando cada vez mais discretas.

 

Prioridades e oposição ao plano

No entanto, o projecto de democratização continuou na agenda. E a Administração deixou claro que este abrangia não apenas o mundo árabe, mas países como o Afeganistão, o Irão, o Paquistão e a Turquia. Baseando-se num documento das Nações Unidas, o Arab Human DevelopmentReport, de 2002 e 2003, que identificava vários problemas estruturais do mundo árabe, a iniciativa estabeleceu três prioridades: a promoção da democracia e do bom governo, a construção de uma sociedade de conhecimento e o alargamento das oportunidades económicas.

Através de programas de ajuda económica, pretender-se-ia promover os direitos das mulheres, lutar contra a corrupção, apoiar a sociedade civil, ajudar na reforma de sectores como a educação ou as finanças. Colocada nestes termos, a Iniciativa para o Grande Médio Oriente foi alvo de críticas de diferentes lados. Os países árabes – com o Egipto a assumir a liderança da oposição – não gostaram daquilo que viram como uma tentativa de ingerência nos seus assuntos internos e de imposição dos valores ocidentais. E os que, nos EUA, defendiam mudanças políticas no Médio Oriente consideraram que a iniciativa ficava muito aquém do quetinham esperado. Na realidade, os pacotesde ajuda e as iniciativas de cooperação e deapoio a determinados sectores da sociedadejá existiam com a anterior Administração,e existem, pelo lado europeu, desde 1995,ano em que foi lançado o Processo deBarcelona, de cooperação entre as duasmargens do Mediterrâneo.

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A experiência do Processo de Barcelona

Esta cooperação euro-mediterrânica tem tido resultados muito limitados, até pela diferença de expectativas dos dois lados: os países do Sul estão interessados sobretudo no vector económico, que deverá conduzir a uma zona de comércio livre em 2010, mas os do Norte não querem abdicar das suas políticas proteccionistas em matéria comercial, e não têm exercido suficiente pressão sobre os seus parceiros para que avancem com reformas políticas e sociais. Quanto ao projecto americano, sofreu ainda uma série de alterações após as discussões com os outros países membros do G8, e o que saiu no final foi um documento de compromisso, bastante aligeirado relativamente às intenções iniciais de Washington – e com o novo nome de Parceria para oProgresso e um Futuro Comum com a regiãodo Médio Oriente Alargado e o Nortede África, isto é, o “Great Middle East” foi substituído pelo “Broader Middle East”. Mas é preciso recordar que, quando a cimeira do G8 se realizou, em Junho, já a Administração Bush enfrentava uma situação difícil no Iraque, e o cenário de um eventual conflito com outro país era inaceitável, até por razões de limitação militar.

 

Uma questão incontornável

O que os parceiros do G8 fizeram questão de introduzir no documento foi a referência à necessidade de tentar encontrar uma solução para o conflito israelo-palestiniano, acabando assim por obrigar os americanos a estabelecer uma ligação que estes queriam evitar entre este conflito e o problema mais geral do Médio Oriente. Ou seja, os EUA foram forçados a aceitar a ideia de que, sem uma solução para Israel e a Palestina, não será possível a transformação política da região, que é precisamente o ponto de vista defendido pelos árabes, que querem ver exercidas também pressões sobre o Estado judaico. Além disso, o documento inclui outros pontos significativos, ao estabelecer que “o sucesso das reformas depende dos países da região, e as mudanças não podem nem devem ser impostas do exterior”; que “cada país é único e a sua diversidade deve ser respeitada”; que “os conflitos regionais não podem ser um obstáculo às reformas”; e, finalmente, que este projecto de mudança é de “longo prazo”. O risco que a Casa Branca corre com a iniciativa, tal como ela saiu da reunião do G8, na opinião de alguns analistas, é o de ter provocado a irritação dos países muçulmanos visados e, ao mesmo tempo, ter nas mãos um projecto incapaz de conduzir à tão falada mudança.

 

Os resultados visíveis

Apesar de todos estes obstáculos, a retórica americana nos primeiros tempos da guerra no Iraque, e as pressões muito concretas sobre a Síria, o Irão e, de forma diferente, sobre os seus aliados sauditas, produziram resultados. E, mesmo nos outros países, a questão da reforma – seja ela mais ou menos cosmética – entrou definitivamente nas agendas. Por seu lado, os neoconservadores não abandonaram a sua visão do mundo. Se se consultarem os sítios dos institutos que estão ligados a eles, como o AmericanEnterprise Institute ou o Project for a NewAmerican Century, continua-se a encontrar textos que defendem a necessidade de mudanças de regimes. O principal alvo é ainda o Irão. A grande questão é saber até que ponto este grupo continua a ser influente junto da Administração. Muitas das principais figuras a ele ligadas mantêm-se em cargos importantes, mas é difícil dizer se, face à degradação da situação no Iraque, optaram por manter um perfil discreto temporariamente, ou se, de facto, já não têm junto de Bush o poder que tiveram no passado.

 

Dilemas delicados

E embora os neoconservadores se insurjam contra o imobilismo da política americana em relação a regimes ditatoriais e violadores dos direitos humanos, os realistas em Washington continuam a considerar que é preferível manter boas relações com alguns regimes, mesmo com todos os seus defeitos, do que derrubá-los e tentar impor uma democracia, com consequências imprevisíveis. O grande receio, muitas vezes não declarado, é o de que os actuais governantes venham a ser substituídos por regimes islamistas radicais, anti-americanos – como quase chegou a acontecer no início dos anos 90 na Argélia. Neste momento, a Arábia Saudita e o Paquistão, dois dos principais aliados dos EUA na região, são bons exemplos desse dilema que a Administração Bush enfrenta. Ambos estão a ajudar na luta contra o terrorismo – até porque os respectivos governantes tornaram-se também alvos – mas enquanto prendem membros da Al-Qaeda e os entregam aos EUA, evitam fazer nos seus países reformas políticas mais profundas, que seriam importantes para acabar com a implantação do grupo de Osama bin Laden nos respectivos territórios. Até agora a iniciativa para o Grande Médio Oriente ainda não teve tempo para dar provas, mas, tal como está, parece não agradar a quase ninguém. Os problemas no Iraque afastaram, para já, a ideia de novas mudanças de regime pela força. Mas a estratégia de simples cooperação também não deverá produzir as tão faladas mudanças. As alternativas parecem ser usar instrumentos de pressão mais eficazes para acompanhar estas iniciativas de cooperação; encontrar uma nova estratégia para tentar resolver o conflito israelo-palestiniano; e apoiar de forma inequívoca os ainda tímidos, mas importantes, sinais de mudança que começam a surgir em vários países do Grande Médio Oriente, garantindo que não são apenas mudanças cosméticas.

 

Informação Complementar

SINAIS DE MUDANÇAS NO MUNDO ÁRABE

O Presidente egípcio, Hosni Mubarak, no poder há 23 anos, foi o dirigente árabe que liderou nos últimos meses as críticas ao projecto para democratizar o Grande Médio Oriente, rejeitando as “receitas já feitas” impostas do exterior. A mesma posição foi depois assumida pela Liga Árabe, que criticou igualmente o facto de a proposta ignorar o conflito israelo-palestiniano. Mas muitos analistas sublinham que desde que a iniciativa foi anunciada, no início do ano, a discussão sobre a necessidade de reformas impôs-se no mundo árabe e muçulmano. As oposições internas ganharam um novo fôlego, e os próprios dirigentes parecem, em muitos casos, ter optado por avançar com mudanças graduais, em vez de ficar à espera que estas lhes sejam impostas. A Arábia Saudita, por exemplo, já anunciou pequenas reformas, nomeadamente a realização das primeiras eleições municipais da sua história. No Egipto de Mubarak, a pressão da oposição tem vindo a aumentar, e a questão da sucessão do Presidente é discutida de forma cada vez mais aberta, tendo surgido uma “nova guarda” ligada ao seu filho Gamal. Em Marrocos, o rei Mohammed VI, que há cinco anos sucedeu ao seu pai, tem também avançado com mudanças importantes, entre as quais a aprovação de um novo Código de Família que dá mais direitos às mulheres.

Na Líbia houve uma clara mudança de estratégia, com a decisão do coronel Kadhafi de abdicar do seu programa de armas de destruição maciça e de se reintegrar na comunidade internacional. Em vários outros países houve sinais de mudanças – algumas a nível interno (sempre cautelosas), outras a nível externo, que geralmente passam por uma maior cooperação com os EUA na luta contra o terrorismo (como a Síria, por exemplo), ou por um diálogo com a comunidade internacional (como o Irão, em relação ao seu programa nuclear). Na maior parte dos casos, estas mudanças enquadram-se no espírito de “fazer com que tudo mude para que tudo fique na mesma”, mas é possível que venham a desencadear processos irreversíveis nas sociedades árabes e muçulmanas.

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* Alexandra Prado Coelho

Licenciada em Comunicação Social pela Universidade Nova de Lisboa. Jornalista da secção Mundo do PÚBLICO desde 1990.

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