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O plano global de segurança O planeamento de segurança para um evento desta dimensão, independentemente dos meios existentes ou que venham a estar disponíveis, passa em primeiro lugar por uma análise criteriosa das potenciais ameaças ao normal desenrolar do torneio. No caso vertente foram consideradas a ameaça do terrorismo, a ameaça resultante da violência associada ao desporto (vulgarmente conhecida como hooliganismo) e ainda a ameaça resultante do aumento da pequena criminalidade, sempre presente em ocasiões de grande aglomeração de pessoas. Em consequência, foi desenvolvido um plano global de segurança destinado a definir a actuação e a articulação de todas as Forças e Serviços de Segurança, Protecção Civil e Emergência Médica que iriam participar na segurança da competição. Este plano resultou das linhas de orientação estratégicas definidas em Dezembro de 2002 e que, sumariamente, se resumiram na definição de um modelo de actuação das Forças e Serviços de Segurança que deveria, em primeira instância, ter em conta a visibilidade como vector dissuasivo, sem se tornar intimidatório, sendo que os tempos de intervenção em caso de alteração da ordem pública deveriam ser reduzidos.
Medidas complementares Simultaneamente, com a elaboração do Plano Global de Segurança, foi acompanhada a elaboração dos planos de segurança internos e externos dos estádios executados pelos proprietários e pela Protecção Civil. Procedeu-se à aquisição de material e equipamento para as Forças e Serviços de Segurança e concluiu-se toda a formação e treino adequado à forma de actuação pretendida. Em cada estádio do Euro 2004 foram realizados, no mínimo, dois jogos de preparação que serviram de treino específico para todas as entidades envolvidas na segurança. Por fim foram criados mecanismos legais que, entre outros aspectos, asseguravam que o tempo decorrido entre a infracção e o julgamento do infractor deveria ser o mais reduzido possível de forma a não permitir a criação de um sentimento de impunidade, sendo este um dos instrumentos mais eficazes de dissuasão de comportamentos desviantes em cadeia.
A experiência inglesa e a introdução de um novo conceito de segurança nos recintos desportivos – a segurança civilista Na sequência de graves incidentes que ocorreram em estádios de futebol nas décadas de oitenta e noventa do século passado (maxime em Bruxelas no Estádio de Heysel, onde dezenas de adeptos perderam a vida), autoridades de vários países desenvolveram um conjunto de estudos e experiências de forma a combater este tipo de violência. No Reino Unido, foi desde logo aprovada legislação que proibia a existência de redes a separar os adeptos do campo, de forma a evitar a probabilidade de qualquer “esmagamento” daqueles que se encontravam nos lugares junto ao relvado pelos que se encontravam nos lugares cimeiros e até fora do estádio e que não tinham o respectivo bilhete, como ocorreu numa meia-final da Taça de Inglaterra. Mas, se com esta medida este risco ficaria minimizado, outro surgiu – como evitar então que dezenas de adeptos enfurecidos por qualquer decisão arbitral ou por uma exibição menos conseguida por parte da sua equipa invadissem o campo? Numa primeira fase, esta tarefa ficou a cargo das Forças de Segurança que rodeavam todo o perímetro do relvado tentando evitar que tal sucedesse. Também esta experiência não foi totalmente conseguida. Os desordeiros, vulgo hooligans, passaram a ver nas Forças de Segurança um inimigo comum e a simples presença era entendida como um desafio à desordem. Assim, para além de desacatos entre estes grupos organizados, também passaram a existir desacatos entre estes e as Forças de Segurança. Estava o futebol inglês mergulhado numa crise profunda, as suas principais equipas afastadas das competições europeias, os clubes financeiramente falidos e os estádios vazios pelo afastamento dos verdadeiros adeptos de futebol, que tinham receio de levar a família aos estádios. Foi então criado um departamento na Polícia Inglesa com a atribuição específica de estudar este problema. O resultado foi um novo modelo de policiamento que, por uma questão de simplificação, passou a ser denominado de civilista. Este novo modelo inspirou-se num conceito muito simples, mas de difícil execução – trazer o futebol à sua essência, transformando-o numa festa. Não na guerra tribal efectiva em que se transformara (para utilizar o conceito desenvolvido pelo sociólogo Desmond Morris no livro “A Tribo do Futebol”) mas sim um espaço de convívio. Para tal seria necessário que as próprias autoridades policiais participassem na criação desse ambiente. Na verdade, estava demonstrado que a simples presença de elementos das Forças de Segurança dentro dos estádios, fortemente armados e com uma atitude repressiva, era em si mesmo um factor gerador de violência, porquanto, era encarada pelos adeptos como uma provocação. Seria assim necessário apostar sobretudo na prevenção. Primeiro, deveriam ser identificados os habituais desordeiros, que eram os motores de toda a violência, e impedi-los de ter acesso aos estádios de futebol por decisão judicial (as banning orders) e, posteriormente, realizar este controlo no próprio dia do jogo nas imediações dos estádios, através da criação de anéis de segurança à volta dos mesmos, permitindo que dentro dos estádios se encontrasse o menor número possível de polícias. As Forças de reserva permaneciam nas imediações para qualquer intervenção que fosse necessária. Visava-se assim demonstrar inequivocamente que o futebol não era mais do que um divertimento. Ainda assim, era imprescindível que dentro dos estádios se encontrassem pessoas especialmente formadas para o acompanhamento dos adeptos e, ao mesmo tempo, identificar e prevenir comportamentos que poderiam potenciar actos violentos, colaborando com a policia. É desta forma que surgem os stewards, ou, numa tradução livre para português, Assistentes de Recinto Desportivo (ARD), e que são a face mais visível deste modelo que em meados dos anos noventa passou a ser implementado nos estádios ingleses e com resultados muito positivos, pelo menos no território britânico. É isto que é o conceito básico da segurança dita civilista, cujos óptimos resultados levaram a que outros países e a UEFA o adoptassem nos seus jogos. Foi assim necessário alterar, em Portugal, a legislação de segurança privada vigente, passando a incluir esta nova actividade como uma especialidade da vigilância, conferindo o poder legal de executar revistas pessoais de prevenção e segurança com carácter permanente nos estádios e simultaneamente preparar uma nova legislação que prevenisse a violência no desporto e onde é prevista, pela primeira vez, a possibilidade de interdição de entrada em recintos desportivos, para assegurar que durante o Euro 2004 seria adoptado este modelo.
Cooperação internacional Em matéria de segurança, a cooperação internacional é decisiva. Desde 2000 a União Europeia e o Conselhoda Europa têm vindo a aprovar diversasresoluções com vista a reduzir a violênciaassociada ao desporto, sendo de salientara resolução que impõe aos Estados-membrosa criação de Centros de InformaçãoPolicial para o futebol, o que, entre outrosaspectos, permite a troca de listagens coma indicação de desordeiros habituais noseventos desportivos supranacionais.Esta troca é essencial, porquanto,conjuntamente com a reposição fronteiriça,permite o duplo controlo destesindivíduos, primeiro nos seus própriospaíses e depois à entrada em territórionacional. Por outro lado, Portugal, pela primeira vez na sua história, accionou a cláusula segunda do artigo dois do Tratado de Schengen restabelecendo o controlo das suas fronteiras entre os dias vinte e seis de Maio e quatro de Julho. Foi assim possível a intercepção de centenas de pessoas que procuravam entrar irregularmente em território nacional – algumas referenciadas nos seus países de origem como sendo causadoras habituais de distúrbios em recintos desportivos – ainda que originárias de países da União Europeia.
A importância dos contactos bilaterais A este nível importa analisar a especificidade de cada caso e é neste contexto que a celebração de acordos bilaterais é fundamental. A cada Ministério do Interior dos países participantes foi enviada pelo Governo Português uma carta onde se dava conta do interesse de Portugal não só de cooperar ao nível da troca de informação, como também ao nível operacional, com a participação de elementos das Forças de Segurança desses países. Mas alguns casos concretos mereceram uma especial atenção, ainda que por motivos diversos. A Espanha (proximidade geográfica – a única fronteira terrestre portuguesa), o Reino Unido e a Alemanha (pelo nível de violência ligado ao desporto verificado nestes países). Foi assim necessário desenvolver uma série de contactos pessoais com estes Governos de forma a aprofundar ainda mais a troca de informações e a realização de actuações comuns. No primeiro caso – a Espanha – a cooperação foi centrada sobretudo no reforço do controlo fronteiriço terrestre, aéreo (aeroportos de Madrid e Barcelona em particular) e marítimo (especialmente o porto de Santander, onde se previa que muitos adeptos britânicos entrariam para assistir aos jogos). No caso inglês, foi mesmo assinado um protocolo entre os dois Governos, em Fevereiro de 2004, no qual as autoridades inglesas se comprometeram a impedir a saída do seu território dos indivíduos condenados pela prática de actos violentos associados ao desporto, através da retirada dos respectivos passaportes e da obrigação de apresentação em esquadras de polícia, no Reino Unido, no dia dos jogos. Foram ainda desenvolvidos contactos com o Governo alemão e com funcionários superiores da Chancelaria Federal, bem como troca de informações com o Ministério do Interior federal. Estes casos de cooperação específica revelaram-se essenciais para a segurança e permitiram criar e testar um novo modelo de interligação que certamente irá ser utilizado no futuro.
A cooperação no terreno Todo este conjunto de contactos permitiu uma permanente cooperação entre as Forças de Segurança Portuguesas e internacionais. Ao nível central, no Centro Coordenador de Informação Policial (CCIP) encontrava-se representada cada uma das polícias dos países participantes que, para além da ligação com as autoridades portuguesas, dirigiam a actuação dos oficiais de polícia do seu respectivo país que, em conjunto com os elementos das Forças e Serviços de Segurança portuguesas, se encontravam no terreno para auxiliar e controlar os adeptos. A título de exemplo da importância desta cooperação, refira-se que, nos incidentes ocorridos em Albufeira, polícias ingleses encontravam-se no terreno em conjunto com a GNR e identificaram alguns desordeiros. Em cada cidade onde se realizaram jogos do Euro 2004 existiam em permanente funcionamento células locais de informação policial (CLIP’s) em que estavam representadas todas as Forças e Serviços de Segurança e de Emergência Médica de nível distrital e que davam o apoio necessário às equipas mistas que se encontravam na sua área. Por outro lado, e fora do âmbito da cooperação internacional, importa salientar o papel essencial desempenhado pelo referido CCIP e CLIP’s na cooperação e coordenação da actuação de todas as Forças e Serviços de Segurança e Socorro no âmbito nacional. Em suma, esta experiência revelou-se extremamente positiva para Portugal e permitiu deixar duas heranças fundamentais – intensificar uma maior interligação entre as Forças e Serviços de Segurança nacionais e dar ao mundo uma imagem de um país que sabe organizar um acontecimento desta dimensão aprendendo com os modelos utilizados por outros e adaptando-o à sua própria realidade. Os organizadores dos próximos eventos desta natureza – Alemanha em 2006, Áustria e Suíça em 2008 e África do Sul em 2010 – contactaram as autoridades portuguesas para conhecer em pormenor o “modelo português”, procurando colaboração nas responsabilidades que agora lhes cabem, o que prova quanto Portugal inovou na utilização da cooperação internacional na organização da segurança de grandes eventos desportivos. Estrutura de segurança para o EURO 2004
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