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A Reforma do Pacto de Estabilidade e Crescimento (I)

Manuel Farto e Henrique Morais *

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A reforma do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) está na ordem do dia. A própria Comissão admite a necessidade de se proceder a alterações, embora continue a preferir, numa linguagem soft, chamar-lhe evolução. Antes de equacionar o problema nos seus contornos actuais, importa revisitar o Pacto, procurando clarificar a sua natureza, compreender as vicissitudes da sua aplicação e avaliar os seus resultados em termos da sua contribuição para atenuar flutuações e favorecer o crescimento económico.

 

O nascimento

O Pacto de Estabilidade e Crescimento insere-se no contexto da 3ª fase da União Económica e Monetária, procurando, sobretudo por insistência da Alemanha, introduzir a disciplina fiscal como uma característica permanente deste espaço económico. O PEC é constituído por um pacote que consta de uma Resolução do Conselho Europeu (adoptada em Amesterdão em 17 de Junho de 1997) e dois Regulamentos aprovados em 7 de Julho de 1997: o Regulamento 1466/97, para a vigilância das situações orçamentais e da coordenação das políticas económicas, e o Regulamento 1467/97, para aplicação do procedimento relativo aos défices excessivos. Na Resolução, os Estados-membros comprometem-se a obter orçamentos equilibrados ou mesmo excedentários a médio prazo, estabelecendo-se a norma de 3% como limite máximo para os défices orçamentais, excepto em circunstâncias excepcionais.

O primeiro regulamento consagra a supervisão multilateral das situações orçamentais, obrigando-se os Estados-membros a apresentar os respectivos planos de estabilização com objectivos orçamentais nacionais, que podem incluir políticas de estabilização, sem que o limite dos 3% seja ultrapassado, admitindo-se que, em caso, de necessidade o Conselho faça recomendações ao Estado-membro em causa. Trata-se, portanto, de um regulamento com carácter preventivo. O segundo regulamento introduz o procedimento relativo aos déficesexcessivos a ser desencadeado quando o Estado-membro ultrapassa o défice de 3%.

O Conselho endereçará uma recomendação em caso de défice excessivo, dispondo o Estado-membro de 4 meses para adoptar as medidas necessárias para a sua correcção, o que constitui o primeiro passo do procedimento relativo aos défices excessivos. As sanções poderão aparecer 10 meses após a informação que deu origem à notificação, consistindo na obrigação de o Estado-membro efectuar um depósito sem juros, que poderá atingir 0,5% do PIB. Se a situação não for corrigida no período de dois anos, o depósito é transformado em multa. Os Estados-membros podem invocar o carácter excepcional do défice perante uma grave recessão económica, associada a uma redução anual do PIB real não inferior a 2%.

 

A natureza

Apesar de se denominar Pacto de Estabilidade e Crescimento, este não continha, a nosso ver, nem a estrutura nem os mecanismos que lhe permitissem contribuir positivamente para limitar situações de instabilidade e fomentar o crescimento. O PEC não é, por concepção, um pacto de estabilidade. Em primeiro lugar, porque uma regra orçamental geral e fixa, mesmo se ela pode ser incumprida a título excepcional, dificilmente pode constituir um princípio seguro para um mecanismo de estabilização de uma dinâmica económica sujeita a choques diversos. Em segundo lugar, a unicidade da regra aplicável de modo igual a todos os Estados-membros parece ser igualmente indesejável quando partimos de uma realidade económica significativamente diferenciada, tanto em termos de crescimento como em termos de práticas de gestão orçamental.

O Pacto também não é um pacto de crescimento. Não só porque não contém absolutamente nenhum elemento neste sentido, como não prevê qualquer ligação com outros instrumentos já existentes ou a desenvolver com esta preocupação. Qual é então a natureza deste Pacto? Simplesmente um acordo de controlo do défice orçamental sem nenhuma relação com políticas e processos de estabilização e crescimento. De resto, o acordo entre os Estados-membros para atingir um saldo nulo ou positivo em 2004 evidencia a natureza profunda das orientações seguidas, definindo objectivos ad hoc, subestimando completamente a diversidade de situações e as prováveis flutuações de conjuntura.

Trata-se, em síntese, de um acordo de exclusiva incidência orçamental, de uma espécie de acordo político que não teve em linha de conta as leis próprias de economias dinâmicas, onde os movimentos cíclicos e flutuantes são mais a regra do que a excepção. Não admira, assim, que não tenha produzido o que não podia produzir: estabilidade e crescimento nas economias europeias.

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A aplicação

O primeiro alerta rápido feito pelo Conselho em 12 de Fevereiro de 2001 relacionou-se com a política orçamental da Irlanda, que, segundo a Comissão, teria um carácter pró-cíclico, estimulando a procura e aumentando os riscos de sobreaquecimento e pressões inflacionistas. No entanto, como a própria Comissão admitiu, não existiam quaisquer restrições de carácter orçamental ou de ultrapassagem do rácio da dívida. Em 12 de Fevereiro de 2002, o Conselho convidou Portugal a redobrar esforços para se aproximar do objectivo zero para o saldo orçamental, não despoletando todavia o alerta rápido sugerido pela Comissão (quando já se tinha verificado de forma evidente a inversão do ciclo económico em Portugal). Em Outubro de 2002, a Comissão desencadeou o procedimento relativo aosdéfices excessivos contra Portugal (quandoum ambiente recessivo já claramente seinstalara no país). De facto, o défice de2001, devidamente corrigido, tinha atingido4,1%, em circunstâncias que não se podiamconsiderar de carácter excepcional, dada ataxa de crescimento do produto de 1,8%.

De notar, todavia, que nos encontrávamos em Outubro/Novembro de 2002, com a economia a afirmar de maneira clara o abrandamento do ano anterior, com uma queda do PIB no 2º semestre de 2002 de 0,6%, e um crescimento nesse ano de apenas 0,5%. O pior estava para vir em 2003 quando a economia portuguesa decresceu 1,2%, procurando o Estado português, através de contabilizações duvidosas e de receitas extraordinárias, atingir o défice dos 3% imposto pelo Pacto. As recomendações pró-cíclicas, em ambiente de forte abrandamento da actividade económica e mesmo recessivo, são a afirmação clara do papel desestabilizador do Pacto. Em 12 de Fevereiro de 2002, o Conselho também não seguiu a Comissão no desencadear do alerta rápido à Alemanha na sequência da tendência à derrapagem do défice alemão, que atingiu 3,8% do PIB (depois corrigido para 3,5%), com a ultrapassagem do rácio da dívida pública (61%). O Conselho desencadeou o procedimento relativo aos défices excessivos em 19 de Novembro de 2002, quando as tendências recessivas da economia alemã se tinham instalado há muito, com o crescimento a abrandar de 1% em 2001, para 0,2% em 2002, vindo a tornar-se negativo em 2003 (-0,1%).

Entretanto, as autoridades alemãs procuravam cumprir o Pacto a todo o custo... Uma vez mais o Pacto constituiu um factor claro de desestabilização. Em Novembro de 2002, a Comissão propõe o alerta rápido a França, o que foi aceite pelo Conselho, através da recomendação de 21 de Janeiro de 2003. Mais uma vez se contribuiu para a normal evolução do ciclo, intensificando-se o movimento descendente que a economia francesa vinha revelando.

No final de 2003, o Conselho de Ministros, representando os Estados-membros, suspendeu as medidas de aplicação do Pacto, gerando uma importante contradição entre a Comissão e o Conselho. A Comissão apelou à intervenção do Tribunal Europeu, que se pronunciou a seu favor, sem todavia impor ao Conselho a obrigação de punir os países incumpridores. O Tribunal, embora pragmático, juntava-se assim à Comissão e ao Conselho num comportamento desprestigiante para as instituições. É interessante notar que, para a Comissão, e mesmo para o Conselho, o perigo do sobreaquecimento e inflação esteve sempre mais presente que o problema da recessão e do desemprego, revelando-se numa atitude assimétrica em relação a estas duas situações.

A gestão pretensamente pró-cíclica do aumento da despesa, mesmo no caso em que a situação orçamental e de dívida o permitia, foi considerada inaceitável e justificou o alerta rápido à Irlanda. Todavia, tal não ocorreu na situação simétrica, acentuando-se as recomendações no sentido pró-cíclico, de redução da despesa e do défice, à medida que o crescimento abrandava e que o funcionamento dos estabilizadores automáticos tornava cada vez mais difícil a gestão macroeconómica dos diversos países. A desorientação da política macroeconómica na zona do euro tornou-se evidente e os seus efeitos destabilizadores manifestos. Mas, sublinhe-se uma vez mais, o problema não se resume à aplicação do Pacto, antes pelo contrário, as dificuldades e contradições da sua aplicação resultam de uma errada concepção da política económica e do próprio Pacto.

 

O fracasso

O PEC deve ser avaliado, não apenas pelas dificuldades da sua aplicação, mas sobretudo pelos seus efeitos e, nesse sentido, não encontramos melhor expressão para o caracterizar do que um “rotundo fracasso!”. O fracasso do Pacto mede-se, em primeiro lugar, pelo incumprimento dos diversos países relativamente ao tecto dos 3%, que acabou por ser ultrapassado em várias ocasiões e por diversos países, e pela impossibilidade de atingir a meta, ainda hoje não alterada, da convergência para um orçamento próximo do equilíbrio em 2004, conforme previsto, designadamente, nas Orientações Gerais da Política Económica da Primavera de 2002.

O fracasso mede-se também pela descredibilização das instituições, que apareceram divididas, e da política económica em geral. Como se referiu anteriormente, o próprio tribunal não ficou incólume. Mede-se ainda pelas evidentes efeitos desestabilizadores que provocou, e que anteriormente fizemos questão de sublinhar, designadamente quando se pressionou os Estados-membros em recessão a uma política pró-cíclica, com consequências sobre o crescimento e o emprego, revelando o seu carácter “stupid”, nas palavras do próprio presidente Romano Prodi.

Os factos falam por si: a economia europeia tem-se arrastado desde 2001 numa retoma permanentemente adiada, o que por si só é revelador da ausência de uma contribuição do referido Pacto para a desejável dinâmica de crescimento na Europa do euro. A discussão aberta sobre a sua revisão, a incapacidade de alguns Estados europeus de o respeitar e ainda a incapacidade de aplicar as sanções previstas são, afinal, a confissão clara da falência do Pacto. Se não produziu quaisquer resultados estabilizadores, nem poderia, a nosso ver, produzi-los, o Pacto também falhou no suporte ao crescimento, constatando-se facilmente pelas taxas de crescimento do produto que tenderam a decrescer desde que o Pacto foi implementado. Ele produziu o máximo que uma regra simples e cega de contenção orçamental pode produzir: instabilidade e desconfiança nas instituições e na política económica.

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* Manuel Farto

Licenciado em Economia pelo ISEG. Doutorado em Economia pela Universidade de Paris-X. Docente no ISEG. Docente visitante da Universidade de Orléans (França) e da Universidade Federal da Paraíba (Brasil). Subdirector do Observatório de Relações Exteriores da UAL.

* Henrique Morais

Licenciado em Economia pelo ISEG. Mestre em Economia Internacional pelo ISEG. Docente na UAL e na Universidade do Algarve. Assessor do Banco de Portugal. Membro do Conselho Directivo do Observatório de Relações Exteriores da UAL.

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