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A reforma/evolução Em 3 de Setembro, Joaquín Almunia, membro da Comissão Europeia responsável pelos assuntos económicos e monetários, apresentou formalmente a comunicação da Comissão denominada “Reforçando a “governance” económica e clarificando o Pacto de Estabilidade e Crescimento”, com a qual pretendeu “marcar os limites” de um debate que deseja aberto e transparente. O documento assenta em duas ideias essenciais: maior coordenação económica e das reformas estruturais, desenvolvendo esforços para implementar a Agenda de Lisboa e, por outro lado, desenvolver a coordenação orçamental. Esta parece constituir o centro das preocupações. A proposta da Comissão assenta em quatro objectivos: • Aumentar a ênfase na estabilidade das finanças públicas; • Ter mais atenção aos desenvolvimentos económicos; • Fortalecer a aplicação do PEC; • Melhorar a interligação dos instrumentos de coordenação da União Europeia. Com este propósito, a Comissão sugere que o debate se limite a quatro questões: • A necessidade de acentuar a ênfase na dívida e na sustentabilidade; • Tomar melhor em linha de conta as situações diferenciadas, embora subordinadas sempre à regra dos 3% do PIB; • A necessidade de assegurar acções mais precoces para corrigir inadequados desenvolvimentos orçamentais durante os períodos favoráveis do ciclo económico; • No caso de infracção, é necessário ter em conta as circunstâncias económicas e os seus desenvolvimentos. Esta tímida tentativa da Comissão em salvar o Pacto contou, desde logo, com a oposição dos “falcões” do PEC, com o banco central alemão à cabeça. Este, apenas quatro dias após a apresentação da proposta da Comissão, veio a público afirmar que as alterações recomendadas iriam enfraquecer o Pacto, relembrando que o objectivo do PEC é “conseguir e assegurar finanças públicas sólidas”. Na verdade, dificilmente poderiam ser mais explícitos... Segundo a Comissão, desta evolução pode esperar-se um reforço da racionalidade económica do PEC e da sua aplicação. Tal não é a nossa opinião.
A flexibilização O caminho apontado pela Comissão, que muitos interpretam como aumento da flexibilização, não nos parece ser o melhor. A reputação do Pacto está definitivamente abalada, porque não assegurou, antes dificultou, a estabilidade e crescimento da área do euro. O PEC fracassou, tal como a Agenda de Lisboa está em vias de fracassar e tal como a nova proposta evolutiva do Pacto provavelmente não irá resistir à próxima recessão na economia da área do euro. Se a “ênfase na dívida” nos parece apropriada e a “acção mais precoce” por parte da Comissão se revela útil, as restantes orientações relacionadas com a tomada em conta das “situações diferenciadas” e das “circunstâncias económicas na implementação” não deixarão de produzir resultados contraditórios geradores de instabilidade, a menos que venham a ser integradas numa metodologia geral. A pior solução seria a flexibilização “à lacarte” no período que se avizinha, em que a retoma se anuncia, permitindo uma política orçamental mais folgada, quando se desenvolvem condições económicas que justificariam e possibilitariam um maior esforço em termos da consolidação das finanças públicas. Uma tal opção criaria condições para a persistência e perpetuação de políticas orçamentais pró-cíclicas, e portanto erradas. Nesta sua nova imagem, o PEC continua a não se apresentar à luz de fundamento teóricos e políticos claros, introduz a ambiguidade no tratamento das situações especiais, não combate a ausência de esforço de consolidação orçamental nas épocas de crescimento elevado, não é audaz no que diz respeito à consideração explícita das situações económicas diferenciadas e não salvaguarda o espaço para uma política fiscal anti-cíclica. Isto significa que é necessário romper claramente com os processos seguidos anteriormente, desenhando um novo pacote, na base de uma nova metodologia para a consolidação orçamental que não subestime a importância dos ciclos económicos e o necessário funcionamento dos mecanismos de ajustamento automáticos anticíclicos e da política discricionária.
O défice sustentável A primeira questão que deve ser explicitamente considerada relaciona-se com o nível do défice sustentável. Dada a diversidade de situações em matéria económica e de finanças públicas na área do euro, o critério do défice estrutural nulo parece demasiado restritivo. Assumindo a nova orientação da Comissão nesta matéria, de privilegiar o critério da dívida, e mantendo o significado prático da sustentabilidade dado pelo tratado de Maastricht (60% do PIB), o défice que lhe corresponderia para a área do euro aproximar-se-ia dos 2,4% do PIB. A sustentabilidade estaria assegurada desde que o crescimento nominal da economia não se situasse a um nível inferior a 4% (decorre de d=by, onde d é o défice em % do PIB, b é o rácio da dívida igualmente em % do PIB e y a taxa de crescimento nominal da economia), em princípio atingido normalmente pelo crescimento real tendencial de 2% e uma inflação que se deve aproximar, como sustenta o BCE, igualmente dos 2%. Este valor poderia ainda elevar-se um pouco por via de melhores políticas incentivadoras do crescimento e com uma taxa de inflação ligeiramente superior, para melhor permitir os ajustamentos microeconómicos e intersectoriais. Deste ponto de vista, dado que a taxa anual de crescimento do produto que assegura a estabilidade do desemprego a níveis, digamos, socialmente suportáveis ou próximos da taxa natural deve rondar os 2,5%, deveríamos associar a restrição orçamental sustentável no tempo a este valor. Admitindo os desejáveis 2,5% para a inflação, teríamos um valor para o défice sustentável a aproximar-se dos 3% para o mesmo critério da dívida pública. É claro que nada impediria que um novo objectivo para a dívida viesse a justificar-se (por exemplo, os 40% do Reino Unido) ou que se definissem etapas sucessivas de convergência para esta variável, embora tal comportasse uma quebra do valor do défice de referência. Dadas as circunstâncias muito diferenciadas dos países que integram a área do euro, uma vez estabelecido o princípio geral, cada país poderia fixar o seu próprio défice sustentável em função das suas próprias variáveis. Para os países em que o rácio da dívida ultrapasse os 60%, deveria admitir-se um limite mais restrito, que permitisse fazertender aquele rácio para o objectivo definido,ainda que lentamente.
A estabilização Trata-se aqui de estabelecer as condições que permitam o funcionamento dos multiplicadores automáticos e a criação de um espaço para a política discricionária, seguindo o princípio de uma gestão do equilíbrio orçamental ao longo do ciclo. Isto significa levar a economia a produzir excedentes na fase alta do ciclo, o que permitiria acomodar défices significativos, que pudessem ultrapassar os 3% do PIB, mesmo numa recessão não excepcional. Da análise anterior resulta que quando a economia cresce ao nível da sua tendência de longo prazo, o défice não pode ultrapassar o que foi definido como défice sustentável. Cada economia deveria antecipadamente estabelecer uma regra para a evolução do défice, por cada ponto percentual de crescimento acima daquele valor de referência. A amplitude da variação do défice efectivo em torno do défice sustentável seria determinada ex-ante por cada país, não apenas para que os mecanismos de ajustamento automático pudessem funcionar livremente, mas igualmente para que pudessem, se assim o entendessem, acomodar uma política orçamental discricionária. É preciso notar que a consolidação orçamental é muito mais fácil de levar a cabo nas fases ascendentes, não só porque os mecanismos automáticos tendem nesse sentido, mas também porque um maior esforço na qualificação da despesa pública, limitando as despesas menos eficientes e dispensáveis, é melhor compreendido pela população e os seus eventuais efeitos, designadamente sobre o emprego, poderão ser absorvidos pela maior dinâmica do sector privado. As exigências em matéria de consolidação orçamental devem ser portanto claramente assimétricas, afirmando-se um maior esforço nas fases ascendentes do ciclo, contribuindo ainda para a estabilização da economia. Neste sentido, a regra fundamental a estabelecer seria na fase ascendente do ciclo uma elasticidade mínima em relação ao rendimento real de, por exemplo, 0,6 por unidade para o conjunto de países cuja dívida se situasse abaixo dos 60% do PIB e 0,7 por unidade de rendimento real para os países situado acima daquele nível.
Um (novo?) PEC Um pacto de estabilidade e crescimento deve reconhecer a necessidade de observar uma orientação geral para a política orçamental e indicar uma metodologia a ser observada e respeitada por todos. Esta deve contribuir para a estabilidade económica, permitindo o funcionamento pleno dos estabilizadores automáticos e deixando ainda lugar para uma política discricionária em caso de necessidade. Para tal, indica uma linha de rumo, deixando para os países a definição, nos seus programas de estabilidade, das suas metas no quadro da metodologia acordada e tendo em conta a realidade concreta de cada um. Cada país determinará nos seus programas o nível de défice sustentável em função da sua realidade (mas tendo em conta a metodologia indicada acima) e definirá o saldo orçamental efectivo para o ano ou período seguinte, sem prejuízo da observância da regra assimétrica de máximo esforço no período ascendente do ciclo. A Comissão velará para que o programa de cada país seja desenhado segundo a metodologia proposta, procurará uniformizar os critérios contabilistas de modo a impedir a contabilidade criativa por parte dos Estados-membros e observará o cumprimento das metas propostas nos seus próprios programas. A contabilidade criativa, tanto em relação ao orçamento como à divida, não pode ter o aval da Comissão, devendo dar lugar, tal como o incumprimento persistente das metas propostas, a sanções igualmente acordadas previamente, em moldes que podem aliás ser semelhantes aos acordados no PEC em vigor.
Um exemplo: Portugal Com ou sem um novo Pacto, a política orçamental portuguesa deve, do nosso ponto de vista, seguir os princípios que acabámos de enunciar. Tomando a taxa média de crescimento dos últimos 15 anos, podemos calcular uma taxa de crescimento de referência que não andará longe de 2,3%, em termos reais, o que, admitindo uma taxa de inflação de 2% (referência do BCE e a primeira previsão das GOP para o próximo ano), nos levaria a estimar para o próximo ano um défice sustentável de cerca de 2,6% do PIB. A figura apresenta as rectas do crescimento tendencial e o défice sustentável, bem como a evolução da taxa de crescimento da economia e o saldo orçamental efectivo. É visível o esforço de Portugal, durante quase toda a década de 90 e nos anos mais recentes, para reduzir o défice orçamental, com excepção da recaída de 2001, mas são igualmente claros os custos para o produto que o prosseguimento desta política em ambiente recessivo tem gerado. Com efeito, se uma tal política era de todo justificada na fase de elevado crescimento anterior a 2001, ela tornou-se inaceitável posteriormente. Seria todavia, muito mais condenável que, chegados onde estamos e com os custos conhecidos, fosse desperdiçada a oportunidade de, a afirmar-se proximamente a retoma económica, manter o rumo do controle orçamental. Para o próximo ano, dado que a taxa de crescimento real esperada para a economia portuguesa é de 2,4%, seria desejável que o défice se situasse abaixo dos 2,6%. Todavia, dado que a inflação esperada em Portugal é de 2,2%, ligeiramente superior portanto ao objectivo do BCE, não seria desadequado um valor para o défice em torno de 2,8% do PIB. E, considerando a fase de início de retoma que se sucede a uma situação económica muito difícil e o pântano que constitui hoje a política macroeconómica europeia, consideraríamos aceitável o valor previsto pela OCDE de 3,2%. Como referimos, por cada acréscimo do ritmo de crescimento do produto real acima do nível de referência, 2,3% no caso português, deve o saldo orçamental melhorar num nível não inferior a 0,6 de modo a criar uma almofada a ser utilizada quando a situação económica o exigir. Será, portanto, nesta fase ascendente do ciclo que parece avizinhar-se, talvez já em 2006, que o esforço fundamental em termos de consolidação orçamental deverá ser feito, exista ou não um novo Pacto para a área do euro. Uma tal estratégia permitiria afirmar os princípios claros de uma política orçamental de estabilização e crescimento efectivamente sustentável. Finalmente, não queríamos deixar de sublinhar, no caso português, a importância do equilíbrio orçamental estrutural. Para a implementação de uma maior justiça social, do alargamento da base tributária e da requalificação da despesa pública, que torne mais eficaz a afectação dos recursos nacionais.
Conclusão O que deve estar em causa na discussão do PEC é a concepção e implementação de um conjunto de princípios orientadores da política orçamental que contribuam para alcançar os grandes objectivos de crescimento e estabilização das economias europeias. O PEC não pode portanto ser uma mera fixação de regras rígidas, que não têm em conta situações conjunturais difíceis de prever e evoluções económicas diferenciadas entre os países que integram a área do euro. A implementação de uma política orçamental sustentável implica a integração de princípios comuns – talvez melhor, de uma metodologia comum –, com regras nacionais específicas. Através daquela coordenam-se ex-ante as políticas de estabilização dos diversos Estados; através das segundas implementam-se na prática as medidas que permitem cumprir os grandes objectivos comunitários. Crescimento económico e saldo orçamental em Portugal
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