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A NATO no Afeganistão e no Iraque

Luís Tomé *

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No momento da sua criação, em Abril de 1949, a NATO foi concebida estritamente como uma organização de defesa colectiva destinada a assegurar a integridade dos seus Estados-membros perante a ameaça comunista e soviética. Depois da Guerra Fria, a NATO evoluiu para passar a ser uma organização de segurança e defesa na área euro-atlântica, desempenhando assim missões de imposição e de manutenção da paz nos Balcãs – Bósnia-Herzegovina, Kosovo e Macedónia. Entretanto, começou a equacionar-se um papel da Aliança para lá da área euro-atlântica. Em 2003, a NATO lançou a primeira missão out of area, no Afeganistão, e apoiou a Turquia e a Polónia na sequência dos acontecimentos em torno do Iraque.

Na Cimeira de Istambul, em finais de Junho de 2004, a Aliança Atlântica decidiu expandir a sua assistência à segurança no Afeganistão e, mais relevante ainda, decidiu assistir o Iraque através da formação das suas forças de segurança. Confirma-se, assim, a nova vocação da NATO para projectar segurança e estabilidade para lá do continente europeu.

 

A NATO no Afeganistão

A NATO assumiu o comando e a coordenação da International Security AssistanceForce (ISAF) no Afeganistão, em Agosto de 2003. Trata-se da primeira missão fora da área euro-atlântica na história da aliança, ajudando a estabelecer as condições para que o Afeganistão possa usufruir de um governo representativo que promova a reconstrução do país em paz, estabilidade e segurança. A ISAF foi criada de acordo com a Conferência de Bona, em Dezembro de 2001, após a deposição do regime Taliban, para auxiliar o Autoridade Transitória Afegã e a Missão de Assistência das Nações Unidas no Afeganistão (UNAMA), na região de Cabul, mantendo a segurança na sua área de operação.

A ISAF não é uma missão de manutenção de paz, mas sim de assistência à segurança. Também não é uma força das Nações Unidas, mas uma “coligação de vontades” implementada sob a autoridade do Conselho de Segurança das Nações Unidas (com quatro resoluções relativas à ISAF – 1386, 1413, 1444 e 1510). O Acordo Militar Técnico detalhado entre o Comando da ISAF e o governo do Afeganistão, assinado a 9 de Dezembro de 2003, constitui um guia adicional para as operações da ISAF. Inicialmente, certas nações isoladas ofereciam-se para liderar a missão ISAF por períodos de 6 meses – a primeira coube ao Reino Unido, a Turquia assumiu o comando da segunda missão, e a terceira, a partir de Fevereiro de 2003, foi liderada pela Alemanha e Holanda com apoio da NATO.

Desde 11 de Agosto de 2003, a ISAF passou a ser coordenada, comandada e planeada pela NATO, sendo financiada pelos países membros e também por não-membros contribuintes militares. O mandato da ISAF era antes limitado à promoção da segurança na zona de Cabul. Em 13 de Outubro de 2003, o Conselho de Segurança das Nações Unidas, através da Resolução 1510, abriu a via para estender a ISAF, em apoio à extensão da autoridade do governo do Afeganistão a todo o país. Em Dezembro de 2003, o Conselho do Atlântico Norte (NAC), o principal órgão de decisão da NATO, autorizou o Comandante Supremo Aliado, General James Jones, a iniciar a expansão da ISAF, assumindo o comando militar do Provincial ReconstructionTeam (PRT) em Kunduz (o que aconteceu a 31 de Dezembro de 2003), até aí liderado pela Alemanha, passando a ser um projecto piloto. Os PRT são pequenas equipas compostas por civis e militares que trabalham nas províncias do Afeganistão para ajudar na segurança e no trabalho de reconstrução, sendo fundamentais para suportar os três pilares dos Acordos de Bona: segurança, reconstrução e estabilidade política. Além do PRT de Kunduz, existem mais oito PRTs sob o comando da Operação Enduring Freedom, a operação militar liderada pelos EUA contra o terrorismo no Afeganistão.

Numa carta datada de 8 de Março de 2004, o Presidente Karzai pediu a assistência da ISAF, a fim de proporcionar um ambiente adequado para a realização de eleições livres e justas, planeadas para o Outono de 2004. A resposta da Aliança salienta que a primeira responsabilidade cabe às forças de segurança afegãs, mas mostrou-se disposta a aumentar o seu contributo para a segurança do país durante o processo eleitoral e a estender a presença da ISAF no Norte do Afeganistão. Em consequência, na Cimeira de Istambul, em 28 e 29 de Junho de 2004, a NATO anunciou a decisão de expandir a sua presença no Afeganistão, assumindo o controle de quatro novos PRTs (Mazar-e-Sharif, Meymana, Feyzabad e Baghlan) e disponibilizando tropas suplementares para apoiar a estabilização durante o processo e o período das eleições. Para o efeito, a NATO decidiu que cada PRT liderado pela ISAF seria reforçado temporariamente com uma companhia adicional de infantaria (cerca de 100 militares); disponibilizou uma força de reacção rápida com cerca de 1000 militares; e colocou ainda outras forças em elevado estado de prontidão para serem deslocadas para aquele teatro, se necessário.

Actualmente, a área de operações da International Security Assistance Force (ISAF) cobre cerca de 3.600 km2 na área de Cabul e 185.000 km2 no Norte do Afeganistão, contando com um total de pouco mais de 6.500 militares de 37 países – 26 aliados, nove parceiros e dois países não-NATO e não-EAPC (Euro-Atlantic Partnership Council), incluindo 81 afegãos – que colaboram com o governo do Afeganistão, o novo Exército e as novas forças de polícia do Afeganistão, a Missão de Assistência das Nações Unidas no Afeganistão e as forças da coligação Enduring Freedom. A Aliança Atlântica está ainda empenhada em expandir a ISAF para o Oeste do Afeganistão, quer por via da implementação de novos PRTs, quer pela incorporação de outros PRTs já existentes e sob comando da coligação.

 

NATO e Iraque – apoio à Turquia e à Polónia

A campanha militar contra o Iraque, de Março-Abril de 2003, foi conduzida por uma coligação de países, entre os quais alguns membros da NATO. Enquanto organização, a NATO não teve, de facto, nenhum papel nem ao nível da decisão sobre a intervenção nem na sua conduta. Porém, tal não impede que desde cedo exista uma relação entre a Aliança Atlântica e os acontecimentos no Iraque, por via da assistência defensiva à Turquia e do apoio à Polónia na liderança de um sector na força multinacional de estabilização no Iraque, em resposta aos apelos dos dois países.

Em Novembro de 2002, na Cimeira de Praga, os Chefes de Estado e de Governo da Aliança Atlântica afirmaram o seu total apoio aos esforços das Nações Unidas para assegurar o completo e imediato cumprimento pelo Iraque, sem condições nem restrições, da resolução 1441 do Conselho de Segurança da ONU – não discutiram, no entanto, qualquer envolvimento específico da NATO. Em Dezembro, os EUA propuseram seis medidas para a assistência da NATO na eventualidade de uma possível campanha militar contra o Iraque, se Bagdade falhasse no cumprimento integral da Resolução 1441. As medidas propostas iam desde a protecção do complexo militar americano na Europa contra possíveis ataques terroristas até à assistência defensiva da Turquia, para o caso de uma eventual retaliação iraquiana.

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Porém, as divergências entre os Aliados impediram o consenso e nenhuma decisão foi tomada sobre a assistência à Turquia. No início de Fevereiro de 2003, os Estados Unidos avançaram outra proposta no sentido de a NATO prestar assistência defensiva à Turquia. Uma vez mais, não se conseguiu obter o necessário consenso. Na manhã de 10 de Fevereiro, a Turquia invocou formalmente o Artigo 4.º do Tratado do Atlântico Norte, solicitando consultas entre os Estados-membros sobre a assistência defensiva a prestar pela NATO, em virtude da ameaça para a integridade da sua população e território que resultaria de um conflito armado no vizinho Iraque. Mas três dos então 19 aliados – França, Alemanha e Bélgica – opuseram-se a que fosse prestada essa assistência, alegando que isso poderia influenciar os esforços para encontrar uma solução pacífica para a questão iraquiana, pois equivaleria a assumir a guerra como praticamente inevitável.

A Aliança Atlântica entrou, assim, na mais grave crise da sua existência, pela gravidade das divergências e, sobretudo, por se pôr em causa princípios fundamentais como a coesão e a solidariedade entre aliados. A matéria passou então a ser discutida no âmbito do Defense Planning Committee, composto por todos os aliados, com excepção da França, que há décadas não participa na estrutura militar integrada da NATO. A 19 de Fevereiro, aquele Comité decidiu autorizar as autoridades militares a implementarem, urgentemente, as medidas defensivas necessárias para a assistência à Turquia, o que incluiu sistemas de defesa antimísseis, vigilância aérea e componentes de defesa contra materiais químicos e biológicos. Entre 20 de Fevereiro e 16 de Abril de 2003, a NATO levou a cabo a OperationDisplay Deterrence na Turquia.

A seguir à campanha militar contra o Iraque, a Polónia pediu o apoio da NATO no contexto da sua planeada liderança de um sector, no âmbito da força internacional de estabilização no Iraque. A 21 de Maio de 2003, o Conselho do Atlântico Norte (CAN) acordou aceder ao pedido polaco e, a 2 de Junho, decidiu auxiliar a Polónia através de uma série de mecanismos de apoio que incluem aconselhamento na geração de forças, intelligence, sistemas de comunicações seguras, planeamento, logística e coordenação de movimentos. Além do apoio NATO, o comando polaco da Divisão Multinacional no Centro Sul do Iraque da força internacional de estabilização tem sido feito, também, com o contributo individual de países aliados e parceiros. Entre estes, a Espanha tinha aí uma presença importante que seria retirada em Maio de 2004, em virtude da orientação do novo governo espanhol liderado pelo PSOE de Zapatero. A Ucrânia era, até então, o segundo maior contribuinte, entre outros aliados e parceiros, como a Bulgária, Dinamarca, Hungria, Letónia, Lituânia, Cazaquistão, Holanda, Noruega, Roménia, Eslováquia e Estados Unidos.

 

De Istambul para o Iraque

Numa carta enviada ao Secretário-Geral da NATO, em 22 de Junho de 2004 – naquele que seria o primeiro contacto formal entre a Aliança Atlântica e a Administração provisória iraquiana –, o primeiro-ministro interino iraquiano, Ilyad Allawi, pediu a assistência da Aliança através do treino e formação das forças de segurança iraquianas após a transferência de poder da coligação para o Iraque, prevista para o final desse mês de Junho, bem como através de outras formas de assistência técnica.

Em resposta a este pedido formal do Governo interino iraquiano, e de acordo com a Resolução 1546 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, aprovada a 8 de Junho de 2004, que apela às organizações regionais e internacionais para contribuírem para a estabilização do Iraque assistindo a força multinacional, os Chefes de Estado e de Governo da Aliança Atlântica, reunidos na Cimeira de Istambul em 28 e 29 de Junho de 2004, decidiram oferecer a assistência da NATO ao governo do Iraque, através do treino das suas forças de segurança e apoiando o desenvolvimento das suas instituições de segurança, ao mesmo tempo que encorajavam os países-membros a contribuírem para o treino das forças armadas iraquianas.

Assim, esta decisão foi duplamente simbólica: por um lado, confirmava o empenhamento da Aliança Atlântica em projectar estabilidade para lá do continente europeu com uma nova “missão” de assistência à segurança; por outro, tratando-se precisamente do Iraque, confirmava o empenho laborioso dos aliados em irem ultrapassando sérias divergências em torno da questão iraquiana.

É evidente que, apesar desta decisão, a NATO não passou a ter um papel directo na força de estabilização internacional no Iraque. Também é verdade que alguns aliados, como a França, a Alemanha e a Espanha, só se comprometeram a dar a tal formação às forças de segurança iraquianas fora do território iraquiano, numa postura que tem o seu lado bizarro mas que é bem reveladora das persistentes divergências entre aliados. De qualquer forma, foi um passo significativo o que se deu em Istambul, pois, como referiu o Secretário-Geral da NATO Jaap de Hoop Scheffer na conferência de imprensa, “treinando as força de segurança iraquianas e ajudando a desenvolver as suas instituições de segurança, estamos mais próximos do dia em que as forças estrangeiras já lá não serão necessárias. Esse é um objectivo que todos partilhamos”.

 

Projectando estabilidade – Por uma verdadeira missão NATO no Iraque

Para se manter política e militarmente efectiva, a NATO tem que se revelar apta e eficaz no combate às novas ameaças – em particular, terrorismo e proliferação de ADM – e capaz de dar um contributo decisivo na gestão de crises e conflitos, imposição e manutenção da paz, e assistência à segurança e à estabilização, o que pode, e tem de ser feito, também, para lá da área euro-atlântica. Ou seja, a NATO deve dispor da capacidade de projectar segurança e estabilidade, se necessário, para fora do Velho Continente.

Trata-se de utilizar os extraordinários meios e capacidades, estrutura de comando, logística e forças de uma organização multilateral, que une europeus e americanos, responsável por garantir a defesa dos seus membros e a segurança euro-atlântica, a fim de contribuir de modo mais decisivo para a paz e a segurança internacional. Ora, independentemente das divergências sobre a intervenção no Iraque, todos reconhecem que a situação iraquiana é, por um lado, bastante complexa e difícil e, por outro, uma ameaça para a segurança do povo iraquiano, da região e do mundo. Todos aceitam, igualmente, que num prazo razoável, muito dificilmente o Iraque conseguirá, por si só, alcançar e garantir condições de segurança que lhe permitam efectivar a estabilização política e a reconstrução, pelo que deverá contar com o apoio de países estrangeiros e das organizações internacionais.

Assim sendo, a NATO deveria projectar segurança e estabilidade para o Iraque com a implementação de uma verdadeira missão de assistência à segurança e à estabilização, com contornos que se poderiam assemelhar à missão que já vem desenvolvendo no Afeganistão, tendo um papel mais directo na força de estabilização internacional no Iraque e contando com o apoio de países não-membros, incluindo Estados árabes. O que pode contribuir para abreviar a chegada do dia em que os soldados estrangeiros já não sejam necessários no Iraque.

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* Luís Tomé

Licenciado em Relações Internacionais pela UAL. Mestre em Estratégia pelo ISCSP. Doutorando em Relações Internacionais na Universidade de Coimbra. Docente na UAL. Membro do Conselho Directivo do Observatório de Relações Exteriores da UAL.

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