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Onde estou: | Janus 2005 > Índice de artigos > Dinâmicas culturais na Europa > [Da “Pribaltika” à região do Báltico] | |||
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Será que podemos falar de uma cultura báltica? Desde estes acontecimentos, há já 15 anos atrás, tornou-se comum no Ocidente e na política ocidental a ideia de que as repúblicas do Báltico são uma região homogénea, com culturas e mentalidades bastante semelhantes. Mas não: as três nações bálticas não falam nem compreendem as línguas umas das outras e, mais, o conhecimento das línguas dos outros dois e da sua cultura é algo bastante raro em qualquer destes países. O estónio pertence ao grupo linguístico fino-ugriano e é muito semelhante ao finlandês, o letónico e o lituânico formam um grupo separado dentro do grupo das línguas indo-europeias (a que a língua portuguesa também pertence). Os povos letónico e lituano conseguem compreender um pouco da língua um do outro, pois as raízes das palavras e os sistemas gramaticais dos dois idiomas são semelhantes. Só neste conceito básico das línguas nacionais podemos antever uma identidade muito diferente nos lituanos, cujo reino remonta ao século XIII e ao Grande Ducado Lituano cujas fronteiras chegavam ao mar Negro, actualmente território pertencente à Ucrânia e à Rússia. Os povos da Estónia e da Letónia partilham uma história de domínio alemão, em servidão desde o século XIII até ao século XIX. A influência germano-báltica, que perdurou ao longo de séculos, é algo que une a Letónia e a Estónia.
A influência da Igreja O factor mais importante na formação destas diferenças de mentalidade entre os três países do Báltico é, no entanto, a influência da Igreja: o norte da Estónia é luterano, em consequência da Reforma sob domínio alemão; o sul da Estónia, assim como a Letónia, permaneceram católicos durante um longo período da sua história devido à dominação de outros povos. O facto de partilhar uma história comum com a vizinha Polónia teve uma grande influência na cultura e na mentalidade da Lituânia. Hoje, os conflitos territoriais e as lutas pelo poder com a Polónia, que perduraram até aos anos 30 do século passado, estão completamente esquecidos e parece que a Lituânia está de novo a construir uma mentalidade centro-europeia em conjunto com a Polónia, dentro da estrutura comum da UE. O catolicismo tornou a mentalidade da Lituânia mais expressiva, mesmo teatral, quando comparada com os seus vizinhos a norte, mais racionais, principalmente os habitantes da Estónia. As igrejas católica e ortodoxa tiveram também grande influência na Letónia, país que temos de tomar em consideração quando comparamos as duas nações bálticas do Norte.
A influência germânica, russa e soviética Quanto aos estónios, apreciamos a história dos 700 anos de servidão sob jugo alemão que tiveram, sem sombra de dúvida, influência na ideia que a população tem dela própria, na sua auto-estima e na sua identidade. Por sua vez, a existência de um Estado poderoso e de uma aristocracia nacional obviamente moldou a ideia de Estado, independência e identidade nacional da Lituânia. Ainda assim, as três nações tiveram um destino comum, desde a Rússia dos czares que dominou estes países em diferentes períodos desde o século XVIII até à Revolução de Outubro de 1917 e depois, durante a Segunda Guerra Mundial, quando ocupados pelos soviéticos em consequência do acordo entre Molotov e Ribbentrop em 1939. Integrados na URSS, os três Estados do Báltico formaram uma zona especial, o ocidente soviético ou Pribaltika. A Estónia, a Letónia e a Lituânia não eram países ricos antes da Segunda Guerra Mundial, mas os sistemas político, financeiro, económico e social funcionavam e as nações desenvolviam-se a bom ritmo. Embora existam universidades na Lituânia desde 1579, na Estónia desde 1632 e na Letónia desde 1862, o ensino era leccionado em línguas estrangeiras, principalmente em alemão, latim ou russo. Hoje em dia, é a sua língua que é usada na formação académica, o que pode ser encarado como uma das maiores conquistas destes Estados independentes antes da guerra. Como os países bálticos foram colonizados após a anexação e intensamente industrializados, milhares de novos habitantes instalaram-se, principalmente vindos das regiões fronteiriças ocidentais entre a Rússia e os Estados do Báltico. Um grande número de habitantes locais foi deportado para campos estalinistas na Sibéria e muitos foram sumariamente mortos por razões políticas, dentro do processo de reorganização estalinista da sociedade na década de 1940. Foram deportadas 18.000 pessoas da Lituânia, 20.000 da Letónia e mais de 10.000 da Estónia e colocadas em campos de detenção ou exiladas para a Sibéria ao longo destes anos. Durante o mesmo período, houve um fluxo de emigração de dezenas de milhares de pessoas dos três países do Báltico em direcção ao Ocidente, dando origem a comunidades fortes destas três nações no estrangeiro, principalmente nos EUA, na Suécia e no Canadá, e que tiveram um papel relevante no processo revolucionário dos anos 80 e na reconstrução destes Estados na década de 90. É de recordar que os presidentes da Letónia, Vaire Vike Freiberga, e da Lituânia, Valdas Adamkus, são de origem imigrante.
O relacionamento com os soviéticos As três nações tiveram as suas próprias estratégias para lidar com a União Soviética. Os estónios geralmente acreditam que a Estónia manteve a posição mais distante em relação ao regime e que os lituanos foram mais cooperantes, sendo que a filosofia subjacente a esse comportamento era utilizar as possibilidades que a União Soviética oferecia para proveito da Lituânia. Esta afirmação é apoiada pela quantidade de pessoas que aderiram ao partido comunista soviético, em maior número por parte de lituanos e letónios e em menor por parte de estónios. O facto é que a Lituânia nunca foi “russificada” como consequência do regime soviético, ao contrário da Letónia e Estónia, com efeitos visíveis ainda hoje, porquanto a Lituânia nunca sofreu de problemas demográficos enquanto na Letónia e na Estónia a taxa de nascimento se tem mantido negativa durante décadas. Podemos compreender como a grave situação demográfica da Letónia e Estónia é a razão principal para os desentendimentos com as maiorias étnicas russas, desentendimentos esses essencialmente visíveis na Letónia, onde as políticas linguística e educativa relativas às etnias russas têm sido mais radicais, num contexto em que os interesses políticos da Rússia ganham com a instabilidade étnica nos Estados bálticos.
O factor linguístico e a educação Um importante indicador do ajustamento ao regime é a fluência na língua russa, que foi sempre maior na Lituânia e Letónia do que na Estónia. A política educativa estónia foi sempre mais rígida em relação ao uso da língua russa nas escolas secundárias do seu país, com era comum na Letónia e na Lituânia. Até certo ponto, os letónios e lituanos tornaram-se bilingues, como os estónios nunca foram, e tiraram indubitavelmente benefícios desse conhecimento linguístico, participando na imensa cena cultural e política da União Soviética. A língua russa é mais fácil de aprender para os letónios e lituanos, pois há mais pontos de contacto entre estas línguas do ponto de vista da pronúncia e do sistema gramatical, mas a principal razão para uma maior fluência no russo era, sem dúvida, a política educativa que era mais tolerante à influência russa na Letónia e na Lituânia. Podemos argumentar que também existiam fortes tradições históricas para o uso da língua russa e outras línguas eslavas na Letónia e na Lituânia devido a razões territoriais (uma vez que vivem, em ambos os países, minorias bielorrussas e polacas).
As faces da sovietização Temos de admitir que os lituanos, os letónios e os estónios até desenvolveram, durante a época de domínio soviético, um certo sentido de superioridade em relação às diversas nações da União Soviética, que as consideravam mais ocidentais devidos aos melhores contactos com familiares no estrangeiro, que falavam russo com sotaque ou com dificuldades e eram mais “estrangeiras”, um termo mágico durante o regime soviético difícil de explicar àqueles que nunca viveram numa sociedade fechada como era a do período soviético. Os Estados bálticos tinham inclusivamente uma cultura de café, restaurante e cabaré que não existia na União Soviética e por isso eram adorados pelos turistas russos. As lojas de moda de Riga e Tallinn lançavam tendências para toda a União Soviética e a elite intelectual russa costumava passar as suas férias nas estâncias do mar Báltico, nas cidades costeiras de Parnu na Estónia, Jurmala perto de Riga e Nida na Lituânia. Isto permitia às nações do Báltico gozar uma certa posição dentro da União Soviética e poder-se-ia afirmar que desenvolveram uma certa identidade comum com base nessa posição. No entanto, não podemos dizer que o conhecimento entre estas culturas tenha sido alguma vez profundo. Podemos nomear apenas um número reduzido de pessoas na Estónia que verdadeiramente conhecem o letónio e o lituânio ou apenas algumas que conhecem a cultura destes povos, enquanto existem milhares de estónios que sabem falar finlandês e centenas que sabem sueco. A mesma falta de interesse é sentida do lado dos letónios e lituanos em relação à Estónia.
A implosão da URSS e a integração de mercados Na primeira metade nos anos 90 do século XX, o sentimento que prevalecia em relação aos outros países era de ciúme que, se não se poderia designar de hostil, pelo menos era de grande concorrência pela liderança nas mudanças revolucionárias: de liderança e de primazia na contribuição para a queda do regime soviético. É importante realçar que estas disputas não ocorriam directamente entre os três países mas eram apresentadas ao mundo ocidental na esperança de obter ajuda financeira e atenção política. Nenhuma das nações estava satisfeita com a ideia de uma região do Báltico que as englobasse às três. Rapidamente, os três mercados competiam entre si, tanto em termos de investimento como politicamente – cada um deles queria ser o centro das atenções do mundo ocidental, ser o aluno modelo do Ocidente, especialmente na economia de mercado. Desde esse momento, a Estónia, a Letónia e a Lituânia competiram por ser o mais inovador e aberto à mudança, liberal em termos económicos, progressista nos desenvolvimentos na área das tecnologias de informação. As regras da economia de mercado são seguidas de um modo muito liberal nos países bálticos, uma das consequências da ânsia de aprender o verdadeiro capitalismo. A Estónia, a Letónia e a Lituânia vêem-se como mercados diferentes e concorrentes, embora muitos investidores reclamem que estes pequenos mercados de alguns milhões de pessoas tenham interesse apenas em conjunto ou, melhor ainda, associadas também ao noroeste da Rússia. Apenas nos últimos anos é que os estónios foram forçados a admitir que grandes bancos escandinavos, que detêm bancos estónios, também detêm bancos letónios e estabeleceram as suas sedes em Riga, a capital de Letónia e não em Tallinn. A Letónia tem uma posição geográfica central e Riga também é uma cidade com mais vida, com uns toques de Europa central que não existe em Tallinn ou, então, esta cidade fica em desvantagem na crescente importância dos investimentos e influência finlandeses. Ainda existe uma grande rivalidade entre os três Estados bálticos e a concorrência de mercado só ajudou a piorar este clima. Os empresários estónios foram os primeiros a conseguir companhias na Letónia e na Lituânia mas agora os alimentos originários da Letónia e da Lituânia concorrem para dominar o mercado estónio. A companhia de combustíveis finlandesa Neste vende o combustível lituano ou o petróleo russo refinado na Lituânia nas bombas de gasolina da Estónia, usando a marca internacional Neste. A economia nos Estados bálticos está cada vez mais internacional, tendo os três sido forçados a colaborar sob a égide das marcas escandinavas.
A cultura e os caminhos do futuro Em relação às relações culturais, principalmente entre a Estónia e a Letónia, uma banda chamada Brainstorm actuou com grande sucesso no Festival da Eurovisão (muito importante tanto para os estónios como para os letónios) há alguns anos atrás e deu origem a um clube de fãs também na Estónia, conseguindo alterar a imagem desinteressante ou inexistente dos letónios entre os jovens estónios. É claro que o grupo Brainstorm canta em inglês e a sua música tem muito da música pop britânica, mas foram um primeiro sinal para os estónios de que a actual Letónia poderia ter algum interesse. Riga tem sido descoberta desde essa altura e tornou-se um popular pólo de atracção turística para os estónios. A deslocação é fácil e barata, principalmente em comparação com a Escandinávia. Houve algum aumento no interesse em relação à Lituânia, às suas praias douradas e ao baixo custo de vida mas ainda não houve uma expansão nesse interesse, quando comparado com a Letónia. Quais podem ser os desenvolvimentos – será que haverá uma identidade comum aos Estados bálticos tal como a que existe entre as nações da Escandinávia? Que a economia de mercado leva a uma maior colaboração, isso é certo. E se o resto do mundo ocidental prefere ver-nos como uma região unida em termos económicos, políticos e culturais, temos de admitir esta ideia por motivos práticos, apesar de as nossas línguas permanecerem muito diferentes e termos tendência para comunicarmos entre nós como nações estrangeiras. Uma vez que temos línguas muito diferentes, será difícil desenvolver uma identidade comum com os escandinavos que, exceptuando os finlandeses, falam “escandinavês” entre eles uma vez que as suas línguas maternas são bastante semelhantes. Também é importante que muitos estónios querem enfatizar o facto de pertencerem ao espaço cultural dos países nórdicos e não aos do Báltico, que os relembra da Pribaltika dos “velhos tempos” do domínio soviético e das suas conotações. Alguns políticos, sendo o mais famoso o anterior ministro dos Negócios Estrangeiros, o social-democrata de origem imigrante Toomas Hendrik Ilves, agora deputado, têm se oposto à ideia de uma cultura báltica e um cenário político unos e enfatizado que a Estónia pertence ao espaço cultural escandinavo. No entanto, parece que os países escandinavos encaram a Estónia como um mercado muito interessante. A Finlândia admitiu mesmo que considera a Estónia como uma parte do seu mercado interno mas, nas áreas da cultura e da sociedade em geral, a Estónia ainda é vista como um recém-chegado à UE, um país da Europa de leste, um país do Báltico com algumas características nórdicas. O sueco ou o norueguês médio podem achar estranho, senão insultuoso, chamar à Estónia um país escandinavo, uma vez que o sistema social e os valores são completamente diferentes. Politicamente, tornar-se um “aborrecido país nórdico” (uma expressão comum sobre o Estado providência nórdico) pode ser um objectivo, especialmente para os sociais--democratas que têm fortes contactos com os países nórdicos, mas a mudança cultural nessa direcção ainda levará muito tempo.Será mais vantajoso falar no futuro de identidade e cultura balto-escandinava, conceito desenvolvido nos anos 20, agora que os Estados bálticos procuram renovar a identidade no contexto da UE e os países nórdicos, relativamente pequenos, procuram parceiros? Provavelmente, a, os desenvolvimentos na UE responderão às perspectivas de renovação da Balto Escandinávia nos anos que se aproximam.
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