Pesquisa Avançada | Regras de Pesquisa | ||||
Onde estou: | Janus 2005 > Índice de artigos > Dinâmicas culturais na Europa > [Multiculturalidade e Estados multinacionais na Europa] | |||
|
ESTE ARTIGO CONTÉM DADOS ADICIONAIS CLIQUE AQUI! Desde logo, porque a Europa é hoje, e foi desde sempre, um território de confluência intercultural – ou seja, de muitas e diversas culturas e protagonistas. Atesta-o o facto de o atlas linguístico europeu ser extremamente complexo e contemplar, segundo Emílio Gómez, mais de 450 línguas (entre línguas nacionais e dialectos), bem como a diversidade antropomórfica, a multitude de sensibilidades musicais, estéticas, gastronómicas, literárias, filosóficas. Depois, porque a diversidade populacional, económica e cultural europeia é uma realidade inegável que se manifesta não apenas quando transpomos as fronteiras dos Estados-Nação, mas frequentemente dentro destes, revelando micro, meso e macrogeografias linguísticas, de tradições, costumes e práticas, que identificam um mosaico de diversidade cultural (que decorre desse processo de convergência interétnica e da reafirmação identitária), incessantemente renovado e que se projecta no futuro. Embora o conceito de etnia não seja de aplicação recorrente quando nos referimos aos europeus, pode afirmar-se que existe um mosaico étnico de largo espectro no continente europeu, se nos socorrermos de critérios culturais, como a língua, a história, as crenças e os sentimentos de pertença a uma determinada comunidade. Daí que seja tão grosseiro pensar-se numa etnia europeia, como seria falar-se de uma nação europeia. Finalmente, porque os povos e as culturas europeias se espalharam pelo Mundo, influenciando e influenciando-se pelas culturas autóctones com as quais contactaram e se relacionam. Com efeito, a experiência interculturalista dos europeus além fronteiras ficou marcada pela dominação política e por um selectivo contacto interétnico. O expansionismo do Velho Continente impôs o segregacionismo, fazendo coexistir sistemas dualistas – os regimes jurídicos europeus e os regimes de indigenato, como foi o caso português –, e os centros dos impérios foram preservando a sua autoctonia. Porém esta integridade nacional e europeia sempre foi uma mistificação (que saiu cara às vítimas do nazismo).
Uma Europa de muitas e desvairadas gentes Pode dizer-se que a Europa germinou a partir de deslocações massivas de povos intra e extraeuropeus e cresceu demograficamente nas últimas décadas (ainda que muito ligeiramente) por via do saldo migratório. Os europeus têm vindo a perder a sua capacidade de renovação geracional, facto que, conjugadamente com o envelhecimento populacional, torna a imigração imperativa para a economia e desafiadora para a sociedade. As projecções demográficas para os próximos decénios sugerem a improbabilidade de qualquer alteração significativa destas tendências, sugerindo que, em 2050, a Europa se caracterizará por uma ainda maior amplitude geográfica de grande parte da sua população residente, cujos ancestrais poderão ser originais das aldeias do Magrebe, ou do Cáucaso, de qualquer ponto de África ou de uma pequena cidade paquistanesa. Afinal, uma ampliação do que já hoje acontece com as segundas e terceiras gerações de emigrantes portugueses em França, com avós ou bisavós transmontanos, minhotos ou beirões, ou com as segundas ou terceiras gerações de emigrantes italianos com antepassados napolitanos, sicilianos... Este melting pot reflecte o contínuo movimento e fixação de gentes observados desde sempre e muito acentuado nos últimos decénios. A média de residentes não nacionais nos países da União Europeia é, neste início de século, de aproximadamente 5%, mas nalguns países essa percentagem é francamente superior (no Luxemburgo atinge os 36%; na Áustria, Alemanha, Bélgica, Irlanda, Reino Unido os valores aproximam-se ou superam já os 10%). Por outro lado, em resultado de diferenças significativas entre os Estados-membros, sobretudo em fases anteriores do seu desenvolvimento, quase 2/3 dos cidadãos europeus que vivem na UE, mas fora do seu país de origem, residem na Alemanha, França ou no Reino Unido. Não menos importante é a proximidade geográfica das comunidades imigrantes: a comunidade finlandesa na Suécia; a irlandesa no Reino Unido; a espanhola em França. De fora para dentro da Europa, com idêntica proximidade, o exemplo mais relevante pode ser dado entre vizinhos ao longo da bacia mediterrânica (sobretudo de Marrocos, Argélia, Tunísia, para Espanha, França, Itália). Os países europeus são, assim, cada vez mais composições multinacionais, cujas ordens jurídicas reflectem ainda lógicas assimilacionistas – por oposição ao segregacionismo que não desapareceu totalmente – incapazes de uma gestão consensual da diversidade étnico-cultural. Convém ter presente que as dificuldades não surgiram apenas com a fixação e engrossamento das comunidades estrangeiras, como se demonstra pelo apego secular à unidade política e nacional de alguns Estados europeus, embora tais dificuldades tenham aumentado com o advento dessas comunidades estrangeiras, cujo risco de guetização foi já identificado. A recente crise na sociedade francesa, em torno da conhecida “lei do véu islâmico” – na verdade, a lei impõe a ostentação de símbolos religiosos nas escolas públicas, independentemente da religião em causa – pôs a descoberto que a submissão das minorias étnicas e religiosas aos valores constitucionais é um objectivo que esbarra nos fenómenos de reafirmação cultural que essas comunidades étnicas e/ou religiosas minoritárias protagonizam. O exemplo francês não é, todavia, único na Europa e parece correlativo da densificação étnica de certos territórios urbanos ou periurbanos de países ocidentais laicizados, os quais se vêem agora confrontados com a emergência destes fenómenos sociais, parcialmente desconhecidos num passado recente.
Os desafios do multiculturalismo A questão social e política na ordem do dia centra-se, por conseguinte, na aceitação vs. rejeição de um pluralismo multiculturalista (caracterizador de sociedades abertas e enriquecidas pelas pertenças múltiplas). Este modelo não é imune ao risco do fraccionamento das sociedades pluralistas em subgrupos de comunidades fechadas e homogéneas, e muito embora possa assentar numa ordem jurídica, moral e civilizacional onde prevalece o primado da igualdade e da liberdade, exige novas formas de contratualização social e grupal, ainda timidamente ensaiadas. A UNESCO contribuiu recentemente (2001) para a clarificação do que entende ser o valor patrimonial da diversidade cultural (ver texto em caixa), em benefício da coesão social, do desenvolvimento e da paz. O desafio contemporâneo não se refere apenas às relações intercivilizacionais ou interestaduais, mas coloca-se, em face das transformações ocorridas, no plano das relações sociais dentro de cada sociedade, nas cidades, nos bairros, entre vizinhos. À escala microssocial, as dinâmicas interétnicas não se regem, certamente, tanto pelo conteúdo das Declarações Universais ou dos textos constitucionais, mas sobretudo pelo impacto da diversidade na sociabilidade de rua e nas diferentes manifestações da vida colectiva. Os acontecimentos de 2001 em Inglaterra, que conduziram a incidentes graves e sem precedentes, protagonizados por elementos de grupos étnicos radicais nas cidades de Bradford e Burnley, em tudo semelhantes aos ocorridos em França entre 1996 e 2000 (nomeadamente em Lyon, Paris, Toulouse), ou aos que tiveram lugar na Alemanha em 2003 e já este ano, para referir apenas alguns exemplos, indiciam que os Estados de direito democrático não conseguem impedir a escalada de violência – veja-se o caso do anti-semitismo – que põe em causa a integridade do multiculturalismo. Importa, ainda, reconhecer que se trata de um domínio que é sensível ao mediatismo do discurso político, que tanto pode deificar a multiculturalidade, como (noutro quadrante) incendiar a coexistência da maioria com as minorias, alimentando ódios e xenofobias, e aproveitando-se destas. O projecto político em que se traduz a União Europeia, com o reconhecimento das diferenças e acentuação dos interesses comuns – que a proposta do texto constitucional reforça –, é uma realidade histórica sem precedentes para os povos que a integram. O passado testemunha, em diferentes períodos, um pluralismo divergente, quantas vezes incompreendido, levado a insensatas discriminações, ao absurdo dos conflitos e ao drama da expulsão e da aniquilação. A União Europeia não é a panaceia para resolver os problemas evidenciados numa Europa multicultural, mas os próximos anos serão decisivos para se avaliar da sua capacidade para afirmar os valores da multiculturalidade.
Informação Complementar DECLARAÇÃO UNIVERSAL DA UNESCO SOBRE A DIVERSIDADE CULTURAL Artigo 1.º – A diversidade cultural, património comum da Humanidade A cultura adquire formas diversas através do tempo e do espaço. Esta diversidade manifesta-se na originalidade e na pluralidade das identidades que caracterizam os grupos e as sociedades que compõem a Humanidade. Fonte de intercâmbios, de inovação e de criatividade, a diversidade cultural é tão necessária para o género humano como a diversidade biológica para os organismos vivos. Neste sentido, constitui o património comum da Humanidade e deve ser reconhecida e consolidada em benefício das gerações presentes e futuras. Artigo 2.º – Da diversidade cultural ao pluralismo cultural Nas nossas sociedades cada vez mais diversificadas, torna-se indispensável garantir uma interacção harmoniosa e uma vontade de conviver entre pessoas e grupos com identidades culturais ao mesmo tempo plurais, variadas e dinâmicas. As políticas que favorecem a integração e a participação de todos os cidadãos garantem a coesão social, a vitalidade da sociedade civil e a paz. Definido desta maneira, o pluralismo cultural constitui a resposta política à diversidade cultural. Inseparável de um contexto democrático, o pluralismo cultural é propício para os intercâmbios culturais e o desenvolvimento das capacidades criadoras que alimentam a vida pública. Artigo 3.º – A diversidade cultural, factor de desenvolvimento A diversidade cultural amplia as possibilidades de escolha de cada um; é uma das fontes do desenvolvimento, entendido não somente em termos de crescimento económico, mas também como meio de acesso a uma existência intelectual, afectiva, moral e espiritual satisfatória. (...) Retirado de UNESCO – Actas da Conferência Geral, 31ª Reunião, Paris, 15 de Outubro – 3 de Novembro de 2001 GOMEZ, E. (s/d) – Etnias y Lenguas de Europa, disponível em http://www.uv.es/garciae/Etnias/introduccion.htm LAGES, M. e POLICARPO, V. (2003) – Atitudes e Valores perante a Imigração. Lisboa: ACIME/Observatório da Imigração. MARQUES, R. (2003) – Políticas de gestão da diversidade étnico-cultural - Da assimilação ao multiculturalismo. Lisboa: ACIME/Observatório da Imigração. OCDE (2004), Tendances des migrations internationales, Paris, OCDE. SARTORI, G. (2002) – La sociedad multiétnica. Pluralismo, multiculturalismo y extranjeros. Madrid: Taurus. UNESCO (2001) – Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, in Actas da Conferência Geral, 31ª Reunião, Paris, 15 de Outubro – 3 de Novembro de 2001. COMMUNITY COHESION PANEL (2004) – The End of Parallel Lives? The Report of the Community Cohesion Panel, disponível em http://www.homeoffice.gov.uk/docs3/end_of_parallel_lives_final.pdf.Dados adicionais Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas (clique nos links disponíveis) Mudança demográfica na União Europeia - 25 Os estrangeiros da Europa dos 25
|
| |||||||
| |||||||||