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Onde estou: | Janus 2005 > Índice de artigos > Dinâmicas culturais na Europa > [Uma política europeia para o cinema e o audiovisual] | |||
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O efeito co-produção O Amor Acontece é interpretado por um elenco predominantemente britânico, composto por actores bem conhecidos nos dois lados do Atlântico (Emma Thompson, Liam Neeson, Hugh Grant, entre outros), apenas uma americana (Laura Linney) e ainda um conjunto de actores de outras nacionalidades onde se incluem por exemplo o brasileiro Rodrigo Santoro e a portuguesa Lúcia Moniz. A acção desenrola-se maioritariamente em Londres, e a equipa técnica é essencialmente britânica. O filme, que foi visto por cerca de doze milhões de espectadores na União Europeia e que gerou mais de nove milhões e meio de entradas nos EUA (números da base de dados Lumière [Observatório Europeu para o Audiovisual]), resulta do esforço de três produtoras, as britânicas Working Title e DNA Films e a americana Universal Pictures. Se pedirmos à distribuidora uma lista de filmes europeus distribuídos em Portugal no ano passado, O Amor Acontece provavelmente nem aparecerá, já que se trata de uma co-produção euro-americana, e esta lista só compreenderá os filmes que foram comprados pela distribuidora directamente a um produtor europeu. Este, muitas vezes, quando sente que tem um produto comercial, prefere vender os direitos a uma multinacional (provavelmente de origem americana) passando o filme a ser classificado de outra forma. Sendo assim, quase só os filmes independentes são considerados como europeus (ou 100% europeus) e só esses contam para a estatística oficial. Só assim se explica que uma empresa líder de mercado como a Lusomundo tenha distribuído tão poucos filmes europeus em 2003 e que desses, só um, o francês Taxi 3, produzido por Luc Besson, tenha tido resultados positivos.
O papel do Observatório Europeu do Audiovisual A estatística é aliás um dos maiores problemas quando se trata de analisar a carreira económica de um filme na União Europeia. Para o comprovarmos basta olhar para o que diz na secção Metodologia a base de dados do Observatório Europeu para o Audiovisual (1): “O observatório europeu do Audiovisual não tem nem a função nem os recursos para recolher directamente de cada país os números referentes a entradas em sala dos filmes distribuídos em cada um dos Estados membros. O seu papel é meramente ordenar, processar, publicar e produzir a análise estatística dos dados fornecidos pelos vários corpos responsáveis pela sua recolha a nível nacional”. E acrescenta: “Em alguns países (por exemplo a Hungria ou Portugal) não há maneira de confirmar os dados, já que as autoridades ligadas ao Ministério da Cultura têm que se fiar nos números publicados pelos distribuidores”. Se é verdade que, visto por este prisma, o grau de eficácia da análise de dados, essencial a uma política europeia para o audiovisual, não é animador, também não é menos verdade que o volume de dados fornecidos ao Observatório tem vindo a aumentar significativamente, e que tem também havido uma preocupação no sentido de analisar a relação entre filmes produzidos e distribuídos na União Europeia e o número de filmes americanos produzidos e distribuídos pelo menos num Estado da União Europeia. Uma das vertentes menos estudadas e que será urgente analisar diz respeito à situação europeia no que se refere ao género de espectadores que frequentam as nossas salas, e quais as suas preferências. Esta análise torna-se ainda mais importante quando dados recentes revelam que existe um crescimento no número geral de entradas, tanto a nível europeu como a nível americano.
Cinema: cultura e/ou entretenimento? Em 1996, na maioria dos países da União Europeia a quota de ecrã do filme americano era superior a 80%, e chegava mesmo a ser superior a 90% em países como a Grécia e a Irlanda (2), onde as distribuidoras americanas possuem a mesma quota de mercado a nível da distribuição e um número proporcional de salas de cinema. Estes valores têm baixado um pouco mas a quota de ecrã americana continua a dominar em todos os países da União Europeia. Até há pouco tempo era comum referir-se como causa a vertente comercial do cinema americano, mas se recuarmos até aos anos 70, período em que a indústria americana de Hollywood enfrentava uma das suas piores crises, verificamos que quase todos os países europeus, e a França em particular, mostrava sinais de uma cinematografia forte em termos comerciais, isto porque diversificada em termos de estilo e dotada de um sistema que procurava satisfazer vários tipos de público. O segredo deste sucesso parece residir no facto de que em França mais do que em qualquer outro país da União Europeia, existe uma indústria cinematográfica que, embora estando longe da eficácia da máquina de sonhos americana, conseguiu criar um sistema de promoção que dá relevo às diversas vertentes da sua cinematografia. Por outro lado, também foram criadas condições para a formação de uma indústria integrada verticalmente que pudesse fazer frente, tanto quanto possível, às distribuidoras americanas. No plano da distribuição internacional há ainda que referir o papel interventivo da Unifrance em diversos territórios estrangeiros. A promoção dos produtos cinematográficos franceses passou a ser feita não só com obras de arte para consumo cinéfilo, mas, sobretudo, com filmes que, por acalentarem estilos e linguagens diferentes, poderiam ser expandidos para todos os tipos de público. Michel Barat questionava-se sobre o futuro do cinema francês dizendo: “A tradição do cinema francês é de se querer arte, depois de ter sido artesanato, ao ponto de ter dado origem a salas de arte e ensaio. Mas é necessário que ele se torne numa verdadeira indústria internacionalmente competitiva. Como fazê-lo sem perder a alma?” (3) A alma perder-se-á devido à profusão de estilos? Será que novos nomes, tão diferentes em linguagem como Luc Besson, Jean-Pierre Jeunet ou Mathieu Kassovitz não poderão coabitar com valores consagrados, como Eric Rohmer, Jacques Rivette ou Alain Resnais? No passado, Philippe de Broca, Claude Miller e Claude Zidi coexistiram com François Truffaut ou Jean- Luc Godard. O número (de espectadores) demonstra que a diversidade é essencial, profícua no passado ou no presente, mas há outros problemas. Há vinte e cinco anos o cinema norte-americano tinha uma quota de cerca de 35% nos ecrãs europeus. Hoje tem ainda cerca de 70%. Em contrapartida, a quota de exportação de filmes europeus para os EUA chegou a ser de 15% e hoje é cerca de 1%, e maioritariamente produtos anglófonos, sendo a França um caso à parte. Nos países que não têm uma cinematografia forte, a tendência é para que os EUA tomem uma quota de mercado enorme, quase total.
A questão da distribuição Há vinte e cinco anos atrás a oferta de cinema europeu em Portugal era muitíssimo variada. Viam-se filmes italianos, belgas, suecos, espanhóis, etc., e em cada um desses países havia também uma enorme oferta de títulos feitos na Europa. Ou seja, o cinema europeu circulava. Agora, simplesmente deixou de o fazer. Os americanos têm uma distribuição planetária. Os europeus não. Uma aposta na criação de uma rede de distribuição europeia seria um excelente instrumento de combate à hegemonia americana. Há sete majors americanas e mil e cem distribuidoras europeias. Cada país tem a sua distribuidora local, em certos casos regional. O Estado não pode substituir-se ao mercado. Os franceses sabem-no e por isso, mesmo timidamente, investem cada vez mais nos canais de distribuição. Uma primeira medida tem sido a de tentar devolver a popularidade ao cinema francês. A ideia que neste momento os franceses mais combatem é a de que o cinema francês é uma coisa para uma elite cultural. O cinema francês tende a fabricar blockbusters, a criar o seu próprio star-system para competir em termos de público com o cinema americano. Não é por isso de estranhar que mais de metade dos grandes êxitos de bilheteira do cinema francês saiam das produções da Europa Coorp, a produtora de Nikita, Vertigem Azul, Taxi e O 5º Elemento são alguns dos exemplos.
A lei da oferta e da procura Nos anos 60 e 70 saíam relativamente poucos filmes para as salas, mas cada um deles obtinha um enorme número de entradas. Hoje em dia os distribuidores parecem estar de acordo em que, para que um filme europeu seja rentável necessita de dezasseis mil entradas, um número bem mais baixo do que necessitariam para rentabilizar um filme americano. O pequeno número de cópias deve-se à timidez de investimento dos exibidores, que não estão prontos a arriscar na compra de um produto menos conhecido e garantido… Uma cópia custa cerca de seis mil euros, sete mil se incluirmos a legendagem e os direitos. No caso de A Residência Espanhola, este custo, para exploração em sala, na televisão e no mercado Vídeo/DVD foi de quinze mil euros, com o filme a registar cinquenta mil espectadores. Outros custaram ainda menos. O Gosto dos Outros custou cerca de sete mil e quinhentos euros, e com uma só cópia venderam cerca de quarenta mil entradas, um óptimo negócio para o distribuidor. O preço dos direitos de um blockbuster americano é normalmente cerca de quatro vezes maior, mas os distribuidores optam pelo contrato proporcional, isto é, o pagamento pelos exibidores a partir de um certo número de espectadores, de uma percentagem sobre a facturação. Os exibidores raramente apostam num produto que lhes poderá trazer alguns riscos quando têm um valor seguro com o cinema americano. Para os distribuidores europeus, para além dos apoios à exibição de cinema Europeu que vão surgindo por parte da UE, tem que haver uma outra razão que não a rentabilização imediata. Ou um amor particular pelo cinema ou uma concepção um pouco à antiga do próprio negócio, isto é, apostar em nichos de mercado de espectadores que ainda compram o jornal, escolhem o filme criteriosamente com base em outros trabalhos do mesmo realizador e esperam pela hora da sessão.
Um “star-system” europeu? Se olharmos para um cartaz de um filme europeu, vemos em grandes letras o nome do realizador. Num cartaz de um filme americano, o nome do realizador está em letras minúsculas ao lado dos outros principais directores técnicos e artísticos. O que sobressai nos cartazes são os nomes das estrelas. Uma das coisas mais importantes é termos noção de que o espectador tem uma relação afectiva com o cinema e em particular com os seus actores. O que se passa é que se perguntarmos a um jovem português o nome de um actor e de uma actriz franceses eles responderão Catherine Deneuve e Jean-Paul Belmondo, ou seja os nomes que eles ouviram os seus pais falar em casa, mas são incapazes de falar dos jovens actores de hoje, como Audrey Tatou, Ludivine Sagnier ou Virginie Ledoyen. Isso não acontece obviamente em relação a actores como Brad Pitt, Jennifer Lopez ou Leonardo Di Caprio. Os Estados Unidos foram pioneiros num rácio de investimento em comunicação antes nunca visto. Hoje em dia, quando se pensa no orçamento de um filme, investe-se 50% na produção e outros 50% na comunicação e publicidade no mundo inteiro. O que também parece sobejamente demonstrado mas nunca é demais referir é que quem dominar a distribuição/ exibição dominará o mercado. Os americanos sabem-no desde sempre e praticam a conquista de quotas de ecrã com mestria, no passado com a venda em pacotes de títulos aos exibidores independentes, e mais recentemente na aquisição maciça de salas nos diversos territórios europeus. A tudo isto, a União Europeia em geral tem respondido com diversos incentivos comunitários que visam apoiar os proprietários das salas de cinema que se dediquem maioritariamente ou em exclusivo à exibição de filmes europeus. Os resultados são animadores, mas sem o trabalho de divulgação dos filmes de cada um dos Estados membros, não haverá nunca títulos suficientes para manter uma razoável quota de cinema europeu nos ecrãs. Muitas têm sido as vozes que defendem a necessidade de conceber uma política sustentada para o cinema europeu e não usar do proteccionismo como instrumento interno. O cinema europeu pode voltar a ser competitivo, e isso passa por uma tentativa de conquistar, a nível europeu, um pouco do mercado americano. Sendo o cinema uma arte popular, os grandes autores da história do cinema sempre foram autores populares, pelo que não se podem fazer na Europa filmes de excepção que ninguém vê. Afinal, o autor da frase: “Se eu fizer dois ou três filmes que representem um desaire financeiro o produtor considerará, e com razão, que será melhor não apostar mais nos meus talentos” não foi Spielberg mas sim Bergman Expressão europeia do cinema americano Cinema europeu na União Europeia
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