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Tradições religiosas europeias: Judaísmo, Cristianismo e Islamismo

Fernando Amorim *

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Num contexto de dificuldade em definir uma “identidade” cultural europeia, porquanto a Europa se construiu numa pluralidade de línguas, de culturas, de tradições e no quadro de eco-sistemas diferenciados e de distintos sentimentos de pertença, a herança religiosa e a tradição judaico-cristã e mesmo islâmica apresentam-se como elementos culturais agregadores e denominadores comuns de um espaço culturalmente diversificado (Moita, 2004).

Unidade espiritual e Cristandade polissémica

O Cristianismo forjou a face da Europa e marcou profundamente o património do Ocidente (Koenig, 1988). Dos séculos I ao IV, foi ganhando terreno num velho Império Romano que, unido pela força da “lex romana”, era intelectualmente e espiritualmente “corrompido” pelo helenismo: a filosofia, a literatura e arte gregas constituíam a atmosfera espiritual onde se banhava este mundo, a que já pertenciam os Judeus. Sob a forma de nestorianismo, o cristianismo expandiu-se nesta época da Pérsia, à Índia (Igreja de S. Tomé) e China, e com a Igreja Copta (Monofisita) ao Egipto, Sudão e Etiópia, para logo ser ameaçado pelos bárbaros pagãos e pelo rápido avanço do Islão, que, depois de 635, viria a submergir três dos cinco patriarcados cristãos (Alexandria, Jerusalém, Antioquia) e ameaçou um quarto (Constantinopla).

O patriarcado ocidental (Roma) foi igualmente afectado e o Norte de África e (mais tarde) a Península Ibérica perderam-se. Após as grandes invasões, os Celtas, Germanos e Eslavos foram abraçando progressivamente a religião cristã. São Bento (529), que redigiu a regra dos Beneditinos em Monte Cassino, um papel capital na formação do espírito cristão europeu ao conciliar “romanitas” com Evangelho, o sentido da universalidade e o direito e significado da Palavra de Deus para a pessoa humana. O cristianismo fundiu-se, com sucesso, com a consciência psicológica das diferentes línguas e culturas do espaço europeu graças à fusão de ensinamentos italianos, alemães e gregos nas igrejas, mosteiros e escolas fundadas a ocidente e no Norte e no Leste da Europa.

Grandes especialistas de gramática e retórica latinas, aproveitaram a liberdade de ensino para forjar, a leste como a oeste, a nova concepção cristã do Mundo e do Homem, construindo assim, através do latim, um património espiritual da Europa, enquanto o tempo ajudou ao nascimento da ideia dos direitos intangíveis do Homem, da liberdade e da responsabilidade individual. Contudo, a partir dos tempos de Leão IX (1048-54), a ruptura entre Roma e Constantinopla aprofundou-se num cisma (1054) permanente. A conversão da Lituânia (1387), tornou a Europa o primeiro continente cristianizado, embora dividido em duas comunidades monolíticas, a Igreja Católica Romana, a ocidente, e a Ortodoxa Grega, a oriente, com fronteiras que iam através da Polónia-Lituânia (dois quintos de ortodoxos) pelo sul da Hungria até chegar ao Adriático a sul de Ragusa (Dubrovnik).

 

Da Reforma às guerras de religião (1517-1648)

A ausência de rivais importantes, conduziu, a ocidente, a uma bancarrota espiritual numa época de forte consciência religiosa (séc. XVI) que constituiria o gérmen da Reforma e das guerras religiosas na Europa (1517-1648). No espaço de meio século, 40% da população da Europa adoptou uma teologia “reformada” cujos primeiros mentores surgiram na Alemanha e na zona suíça de língua alemã, sendo conduzidos por Lutero (1483-1546) e Zuínglio (1484-1531). O édito de submissão dos bispos a Henrique VIII de Inglaterra (1531) e o Acto de Supremacia do Parlamento (1534) confirmaram a independência da Igreja nacional inglesa (Anglicanismo), enquanto Calvino (1509-1564) conquistava para a sua doutrina inúmeras cidades e regiões europeias, bem como outras zonas sob o domínio otomano, enquanto emergiam ainda outros grupos minoritários como os Unitaristas, Irmãos Boémios e Anabaptistas. Apenas os Ortodoxos a leste ficaram indiferentes à mensagem reformista.

A Contra-Reforma católica (Trento, 1545-1563) levou ao decréscimo para 20% da influência protestante no continente europeu (1570-1640). Após a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) e a Paz de Vestfália-Munster (1648), as fronteiras religiosas da Europa permaneceram na generalidade inalteradas, excepto a oriente, onde o domínio turco nos Balcãs se traduziu na interpenetração das fronteiras islâmica e ortodoxa.

 

Secularização e novos influxos

A emergência da ciência e filosofia modernas, nos séculos XVII e XVIII, a indiferença, o anticlericalismo e crescente secularização da sociedade conduziram à redefinição da relação entre Igreja e ordem civil. A garantia de tolerância religiosa às minorias e a gradual separação entre Estado e Igreja (sécs. XIX-XX) constituiriam a mudança mais significativa a Ocidente, desde Constantino, na história da Cristandade, acompanhada, a partir do Concílio Vaticano II, de passos importantes na reconciliação da Igreja Católica com a Igreja Oriental, o Protestantismo e as outras duas “Religiões do Livro”. O influxo, nos últimos 30 a 40 anos, de religiões não cristãs, mudou a paisagem religiosa europeia.

Acomodada numa cultura mono-cristã, a Europa só recentemente se abriu ao reconhecimento da multi-religiosidade, parecendo cambalear perante um contexto novo em que mesquitas se construídas ao lado de igrejas, e em que, ao lado do Cristianismo, o Islão começa a fazer parte de programas das escolas. Sociedades cristãs homogéneas estão sendo substituídas por sociedades multi-religiosas, onde, para além do crescendo islâmico, se assiste a um aumento de influência de religiões asiáticas (Budismo, Taoismo) que desafiam o monopólio religioso de uma igreja cristã, cujas origens remontam, precisamente, a um contexto helenista multi-religioso e de disputa com outras religiões e filosofias, que marcou a sua identidade específica e a sua “memória colectiva” (Repp, 2002).

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Informação Complementar

JUDAÍSMO

Fruto da experiência histórica de um povo surgido da tribo de Abraão (cuja herança é também reivindicada por muçulmanos e cristãos), o judaísmo é a primeira experiência de fé num único Deus. Para os judeus, que esperam ainda a vinda de um Messias que os salvará, Deus é o criador, revelado sucessivamente pelos patriarcas Abraão, Isaac e Jacob, por Moisés (que libertou os judeus da escravatura do Egipto) e pelos profetas. O movimento de judeus da região principal de fixação judaica (Palestina, Ásia Menor, Babilónia, Egipto) para a Europa começou no último período helenístico, tendo sido estimulado pela incorporação da Judeia no Império Romano. Em meados do século I a.C., os judeus já viviam em Roma e constituíam cerca de 10% da população do império, tendo um papel importante na vida cultural e religiosa e, usufruindo de privilégios legais.

A recuperação do judaísmo, posterior a 70 d.C. deveu-se ao desenvolvimento do judaísmo rabínico e à codificação da lei judaica, tanto civil como religiosa (200 d.C.), o Mishná, que se tornou a base de estudos preservados no Talmude (“Doutrina”, “Ensino”, “Estudo” que fixa o ensino das grandes academias rabínicas dos séculos I-VI d.C.), que ainda hoje é a base do comportamento e da crença judaicos em conjunto com a Tora (“Ensinamento”, os cinco livros iniciais da Bíblia; por extensão, o conjunto da literatura rabínica). A adopção do cristianismo pelo Império Romano (séc. IV d.C.), a legislação restritiva e mais tarde persecutória, nos Estados seus sucessores, conduziu à proscrição do judaísmo que atinge a época de ouro na Península Ibérica com a conquista muçulmana (711 d.C.). Dispersos pela Europa cristã, onde formaram dois subgrupos principais – Sefardins e Askenazis – ser-lhes-ia concedido o direito de seguirem a sua tradição religiosa e de se governarem pelas suas próprias leis, embora forçados ao uso de distintivos (desde o 4.º Concílio de Latrão, 1215) e confinados a bairros específicos (ghetti, o bairro judeu de Veneza, 1516). Os judeus Sefardins (da palavra hebraica Sepharad, para Espanha) viveram na Península Ibérica, falando o Lladino que incorpora palavras espanholas, portuguesas e hebraicas.

Os judeus Askenazis (do termo hebraico Ashkenaz para terras germânicas) originariamente fixados na área do Reno (sécs. X-XI), floresceram principalmente na Polónia e Lituânia (sécs. XIII-XIV) onde se generalizou a utilização do seu dialecto alemão, Yiddish (Amorim, 2002b: 182-183). A xenofobia social, económica e religiosa para com um grupo estranho numa sociedade católica conduziu a numerosas expulsões de população judaica em Inglaterra (1290); França (1394); Espanha (1492); Portugal (1497, apesar da sua conversão coerciva em Cristãos-Novos) e numerosas cidades alemãs, pelo que, a partir do século XVI se concentram no Norte de Itália, na Polónia e Lituânia e algumas cidades da Alemanha, bem como no Império Otomano, onde Istambul e Salónica se tornaram as maiores comunidades sefarditas. Na esteira do Haskalah (Iluminismo hebraico, sécs. XVIII-XIX), o judaísmo europeu sofreu uma cisão em duas correntes: ortodoxo (professando um tradicionalismo de estrita obediência rabínica) e reformado (que modifica largamente a ortodoxia religiosa a fim de adaptá-la às exigências morais, intelectuais e práticas da modernidade) (Amorim, 2002a: 178-179).

 

ISLAMISMO

A terceira religião monoteísta, começou historicamente na Arábia, com as pregações do profeta Maomé em Meca (613) e depois em Medina (Hégira, 622), facto crucial que inaugura o calendário islâmico. Mais do que uma fé, caracteriza-se por uma maneira de viver ou “din”. “Não há outro deus senão Alá, e Maomé é o seu profeta”, sendo o Corão, que significa recitação, a Palavra de Deus. Esta a profissão de fé, ou “shahada”, que constitui o primeiro dos cinco pilares do islamismo, ou obrigações culturais do muçulmano. A segunda é a oração, “çalat”, que se faz cinco vezes ao dia, voltado para Meca; a terceira, a esmola, “zakat”; o jejum do mês do Ramadão, “çawm”, durante as horas diurnas, é o quarto; e o quinto, a “hajj”, a peregrinação a Meca, que todo o crente deve fazer pelo menos uma vez na vida (Netton, 1992). O enfraquecimento do Império Bizantino, a rivalidade e cisma entre as igrejas grega e latina, levaram o Islamismo, no espaço de cem anos seguintes ao início da Hégira, a uma expansão pelo Egipto, Norte de África, Cirenaica e Magrebe até à Península Ibérica (711) e Sul de França, sendo apenas travado em Poitiers (732).

Embora declinando como entidade teocrática e dando lugar a diversas entidades políticas, o Império Islâmico continuou a expandir-se como força cultural e religiosa. A oriente, recolheu a herança bizantina tornando-se numa civilização síntese dos valores árabes e imperiais bizantinos, adoptada pelos novos conquistadores otomanos turcos, que põem fim ao Império Bizantino (queda de Constantinopla, 1453), chegando a ameaçar o Sacro Império Romano-Germânico, mas sendo travados às portas de Viena d’Áustria (1683) e repelidos para jusante do Danúbio. A libertação de Viena e da Hungria iniciou um período de rápido declínio e posterior colapso do Império Otomano (1863-1920), embora os muçulmanos constituam o maior grupo não-cristão na Europa.

 

AS IGREJAS ORIENTAIS

Um dos actos de maior relevo de Constantino “o Grande” foi a mudança da capital do Império de Roma para Bizâncio (agora Istambul), que se tornou o centro cultural e religioso da cristandade oriental. Enquanto a ocidente a igreja se tornava cada vez mais centralizada, e o Papa o vértice dessa estrutura, a oriente, em Constantinopla, o imperador foi adquirindo um papel relevante na Igreja (Caesaropapismo) traduzido numa subordinação da Igreja ao Estado. A Igreja Oriental distinguia-se pela ausência de autoridade centralizada, por estreitos laços com o império, uma tradição mística e litúrgica, e a adopção da língua e cultura grega.

A crise do Iconoclasmo (séc. VIII) anunciou a cisão entre Roma e Bizâncio por ameaçar a Igreja Oriental no seu elemento vital: a liturgia. A rivalidade na evangelização dos Eslavos (Polacos, Morávios, Checos, Eslovacos, Croatas, Eslovenos, Ucranianos) conduziu à excomunhão mútua e ao Cisma entre Roma e Constantinopla (1054), acentuado com o saque dos Cruzados a Constantinopla (1204). A Igreja Oriental compreende seis ritos: Bizantino, Arménio, Sírio, Caldeu, Maronita e Copta. O primeiro, mais vulgarmente conhecido por Igreja Ortodoxa Grega, é na verdade caracterizado pela heterodoxia, ao rejeitar a Infalibilidade e Supremacia Papal, o dogma da Imaculada Conceição e o do Purgatório.

Divide-se em cinco subgrupos: o de rito grego, que integra os gregos sujeitos ao Patriarcado de Constantinopla (Turquia), Sínodo de Atenas e Arcebispado de Chipre; o de rito arábico, que inclui os cristãos dos Patriarcados de Antioquia, Jerusalém e Alexandria e o Arcebispado de Sinai; o de rito georgiano, que até ao início do século XIX incluía as igrejas da região do Cáucaso, hoje absorvidas pela igreja russa e sujeitas à liturgia eslava em substituição da georgiana; o de rito eslavo, que compreende as igrejas russa, sérvia, búlgara; o de rito romeno, seguido pelas igrejas romenas. Note-se ainda a existência da Igreja Uniata, que abrange todas as igrejas orientais de rito não latino, seja bizantino, arménio, sírio, caldeu, maronita ou copta, mas em comunhão com Roma: Gregos, Ítalo-Gregos da Sicília e Calábria, Georgianos, Melquitas (Síria e Egipto), Rutenos, Sérvios, Búlgaros e Romenos (Fortescue, 1907; Famin, 1853).

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* Fernando Amorim

Mestre em História Moderna pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Docente e Investigador do Observatório de Relações Exteriores da UAL. Editor do Janus.

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Bibliografia

MOITA, Luís
(2004) – A identidade europeia e a Constituição”. In Espaço Europeu de Informação eComunicação. Lisboa: Universidade Autónoma. 23 de Março de 2004.

KOENIG, Cardeal (1988) – “L’héritage chrétien, ferment d’unité dans l’Europe divisée”. In Europe Sans Rivage;De l’identité culturelle européenne. Paris: Éditions Albin Michel S.A. ISBN 2-226-03402-1.

AMORIM, Fernando (2002b) – “Israel: uma sociedade complexa”. In Janus 2003: anuário de relações exteriores. Lisboa: Público & Universidade Autónoma. ISBN 972-8179-47-2.

AMORIM, Fernando (2002a) – “A diáspora judaica, o anti-semitismo e o sionismo”. In Janus 2003: anuáriode relações exteriores. Lisboa: Público & Universidade Autónoma. ISBN 972-8179-47-2.

NETTON, Ian Richardson (1992) – A Popular Dictionary of Islam. Londres: Ed. Curzon Press.

FORTESCUE (1907) – The Orthodox Eastern Church. London, 1907.

AMIN (1853) – Histoire de la rivalité et du protectorat des églises chrétiennes en Orient. Paris, 1853.

REPP, Martin (2002) – “Religious Pluralism in Europe: Challenge for Church and Theology: An Ecumenical Perspective from Asia”. In World Council of Churches:Current dialogue. Dec. 2002. http://www.wcc-coe.org/wcc/what/interreligious/cd40-02.html

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