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EUA e UE – estratégias diferentes na “guerra contra o terrorismo”

Luís Tomé *

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A partir dos atentados do 11 de Setembro, os governos dos EUA e União Europeia, as Nações Unidas e outras organizações internacionais e Estados declararam a “guerra contra o terror” com a adopção de novas estratégias, a implementação de novos instrumentos jurídicos e financeiros e novas doutrinas militares. Todos referem a necessidade de prevenir e “antecipar” os ataques e controlar o tráfico de materiais susceptíveis de produzir armas nucleares, químicas e biobacteriológicas. Serviços de intelligence, vigilância, controle, prevenção, cooperação internacional e acção colectiva são, por isso, vitais. Todos reconhecem também que a “guerra contra o terror” implica uma vasta gama de actividades: diplomacia, pressão política, medidas económico-financeiras, auxílio ao desenvolvimento, sendo as acções militares e secretas uma opção.

Todavia, se a maior parte daquelas “respostas” não geram grande controvérsia internacional (a dificuldade reside, essencialmente, em implementá-las eficazmente), há, no entanto, outras componentes essenciais da estratégia dos EUA na “guerra contra o terror” que são bastantes polémicas, levantando mesmo a oposição de parte dos seus aliados europeus. Como, aliás, reconheceu o responsável europeu, Gjis de Vries, numa intervenção em Washington, a 13 de Maio de 2004: “As estratégias da União Europeia e dos EUA para combater o terrorismo têm muito em comum (...) Richard Armitage indicou recentemente cinco frentes para os EUA: diplomática, militar, económica, intelligence e imposição da lei (“law enforcement”). A nossa estratégia é similar. Nós estamos juntos, mas isso não significa que a nossa resposta seja ou tenha que ser exactamente igual ” (1).

Esses vectores polémicos da estratégia norte-americana – que se encontram particularmente descritos em documentos como o National Security Strategy (NSS), de Setembro de 2002, e o National SecurityStrategy for Combating Terrorism, publicado em Fevereiro de 2003 – consistem na pressão coerciva sobre os “Estados Párias”; a eventual alienação dos mecanismos multilaterais formais; a doutrina das “coligações flutuantes” ou “coligações de vontade”; e um novo entendimento sobre as acções preventivas e preemptivas. A estes junta-se o voluntarismo na implementação de um sistema de defesa antimíssil, que levou os EUA a abandonarem unilateralmente o Tratado ABM em 2002, três décadas depois da sua assinatura, algo que muitos europeus contestam por significar o desmantelamento dum dos pilares da dissuasão – o Tratado ABM e a inerente vulnerabilidade estratégica – e por poder relançar uma nova “corrida aos armamentos”. A resposta “não exactamente igual” da União Europeia encontra-se em documentos como a Estratégia Europeiade Segurança – Uma Europa Segura numMundo Melhor e a Estratégia da UniãoEuropeia contra a Proliferação das Armas de Destruição Massiva [ADM], ambos de Dezembro de 2003, que constituem uma espécie de síntese das diferentes sensibilidades europeias nestas matérias.

 

Pressão coerciva sobre os “Estados Párias”

Uma das divergências entre europeus e norte-americanos incide sobre o reconhecimento como ameaça dos denominados “Estados Párias”. Nos seus documentos e discursos, os EUA incluem nas suas referências s ameaças, os Estados e regimes suspeitos de pactuarem com o terrorismo ou de estarem envolvidos em actividades proliferantes de ADM, admitindo agir contra eles, se necessário, para obrigar a uma alteração do seu comportamento. A referência a um “eixo do mal” constituído pelo Iraque, Irão e Coreia do Norte, onde ainda podemos incluir a Síria, é disso um bom exemplo.

A Estratégia Europeia de Segurança, ao descriminar as principais ameaças, também cita explicitamente o terrorismo e a proliferação de armas de destruição massiva assumindo, tal como os EUA, que o cenário mais ameaçador é aquele em que grupos terroristas tenham na sua posse armas de destruição massiva. Contudo, a lista das ameaças-chave não refere os “Estados Párias”, incluindo antes, além do terrorismo e da proliferação de ADM, os conflitos regionais, os “Estados falhados” e o crime organizado. Os mesmos europeus que outrora encararam como “ameaças” os “párias” Iraque de Saddam, Sérvia de Milosevic ou Afeganistão dos Taliban, assumem agora como ameaças, em termos de actores estatais, apenas os “Estados falhados”. Além disso, os europeus mostram-se sempre muito mais cépticos em relação necessidade do uso da força, em particular contra um Estado.

 

Uni-Multilateralismo e “coligações de vontade”

A estratégia dos EUA assume que nenhum país pode construir um mundo melhor e mais seguro sozinho, e em demonstrar o seu empenho em actuar no âmbito do multilateralismo e das organizações internacionais. No entanto, considerando que os mecanismos e procedimentos multilaterais formais têm limitações, os EUA admitem, por um lado, a “acção independente”, isto é, a opção unilateral, e, por outro, a doutrina das “coligações flutuantes” e “coligações de vontade”, em que a missão determina a coligação. Ou seja, os EUA, preferindo agir no âmbito do multilateralismo, podem, se necessário, actuar fora dos mecanismos multilaterais formais. Os europeus opõem-se frontalmente a esta postura por considerarem que é uma clara expressão do unilateralismo americano e por significar a possível marginalização dos aliados tradicionais e das organizações internacionais. Com efeito, a União Europeia mostra-se cada vez mais uma feroz defensora dos mecanismos multilaterais formais, em particular as Nações Unidas.

 

Acções preventivas e preemptivas

No discurso estratégico, a noção de “prevenção” faz referência gestão de crises e conflitos ou ao pré-posicionamento de forças perante uma eventual ameaça. Assim, a “acção preventiva” será desencadeada para evitar que se confirme uma agressão ou uma escalada da ameaça que, posteriormente, obrigaria ao uso da força maior. Por seu lado, a noção de “preempção” tem sido utilizada no quadro da “legítima defesa” para designar um acto militar antecipatório perante uma ameaça directa e iminente, em que se ataca o agressor imediatamente antes de este consumar a agressão. Aparentemente, continua a ser este o entendimento da maioria dos países europeus – a acção preemptiva depende da constatação e reconhecimento de uma evidente ameaça directa e iminente. Porém, na nova doutrina estratégica dos EUA, assumindo uma adaptação do conceito de “ameaça directa e iminente” em virtude da nova tipologia de riscos associada ao terrorismo e proliferação de ADM, prevê-se a possibilidade de desencadear uma acção preemptiva, empregando a força letal, no âmbito da “prevenção”, isto é, antes da ameaça ser iminente, de facto. Ou seja, em vez da acção preemptiva ser exclusivamente desencadeada como mecanismo de legítima defesa face a uma ameaça directa e iminente, os EUA passaram a ponderar recorrer ao uso da força antecipada e ofensivamente no campo da prevenção.

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O conceito de “ameaça iminente” e o recurso preempção para fazer face s novas ameaças (por inerência difusas, “invisíveis” e imprevisíveis) são profundamente subjectivos, residindo aí muitas das divergências. Mas a questão complica-se ainda mais se a pretensa ameaça for proveniente de um Estado, desde logo, porque isso implica um juízo sobre o bom ou mau governo e sobre a urgência de recorrer força preemptivamente. Ora, esse juízo raramente é coincidente entre as grandes potências, como se constatou no Iraque. De qualquer modo, depois de muita polémica sobre este elemento da estratégia americana e após a intervenção no Iraque, o secretário de Estado dos EUA, Colin Powell, esclareceu que «o âmbito da preempção aplica-se apenas contra ameaças indetectáveis que venham de actores não estatais, como os grupos terroristas. Nunca significou substituir a dissuasão, apenas complementá-la (...) A Estratégia de Segurança Nacional dos EUA prevê o uso da preempção sob certas condições limitadas (2).

 

Informação Complementar

PASSAGENS SELECCIONADAS DE DOCUMENTOS ESTRATÉGICOS AMERICANOS E EUROPEUS

EUA – National Security Strategy, Set. 2002

“(...) Nenhuma Nação pode construir um mundo melhor e mais seguro sozinha (...). Temos de estar preparados para parar os Estados Párias (“rogue states”) e os seus clientes terroristas antes que eles estejam em condições de ameaçar ou usar armas de destruição massiva (...). Não podemos deixar que os nossos inimigos ataquem primeiro. Temos de adaptar o conceito de ameaça iminente s capacidades e objectivos dos nossos adversários actuais (...). Os EUA mantiveram sempre a opção de acções preemptivas para contrariar uma ameaça suficiente nossa segurança nacional. Quanto maior a ameaça, maior o risco de inacção – e mais se justifica tomar a acção antecipatória para nos defendermos, ainda que a incerteza subsista tanto sobre o tempo como sobre o local do ataque inimigo. Para eliminar ou prevenir tais actos hostis dos nossos adversários, os EUA actuarão, se necessário, preemptivamente (...). Procederemos sempre deliberadamente, assumindo as consequências das nossas acções. (...). Os EUA não usarão a força em todos os casos para prevenir ameaças emergentes, nem as nações devem usar a preempção como pretexto para a agressão (...) As razões das nossas acções serão claras, a força ajustada e a causa justa” .

 

França – Lei de Programação Militar 2003-2008, Set. 2002

“(...) No exterior das nossas fronteiras, no quadro da prevenção e da projecção-acção, devemos estar em condições de identificar e de prevenir as ameaças o mais cedo possível. Neste quadro, a possibilidade de uma acção preemptiva pode ser considerada desde que uma situação de ameaça explícita e imediata seja reconhecida (...). A prevenção constitui a primeira etapa da implementação da nossa estratégia de defesa, cujas opções são reforçadas pelo aparecimento de ameaças assimétricas”.

 

EUA – National Security Strategy for Combating Terrorism, Fev. 2003

“(...) Não temos uma única e inflexível visão sobre como lidar com os Estados reconhecidamente apoiantes do terrorismo. Cada caso é um caso (...) quando os Estados demonstrarem ser relutantes ou incapazes de assumir as suas obrigações internacionais no sentido de negarem apoio ou santuário aos terroristas, os EUA, em cooperação com amigos e aliados ou, se for necessário, actuando independentemente, tomarão as medidas apropriadas para convencê-los a mudar as suas políticas (...) Particular importância assume a tarefa de prevenir que os terroristas possam adquirir a capacidade de usar armas químicas, biológicas, radioactivas ou nucleares, ou explosivos de grande intensidade. (...) Os EUA não têm o propósito de enfrentar este difícil desafio sozinhos. Os EUA não têm nem os recursos nem a competência para serem omnipresentes no mundo”.

 

UE – Estratégia Europeia de Segurança – Uma Europa Segura num Mundo Melhor, Dez. 2003

“(...) O final da Guerra Fria deixou os EUA numa posição dominante enquanto actor militar. Contudo, nenhum país isolado é capaz de resolver os complexos problemas actuais por si só (...). Uma agressão em larga escala contra qualquer Estado Membro (da UE) é agora improvável. Em vez disso, a Europa enfrenta agora ameaças que são mais diversas, menos visíveis e menos previsíveis (...) Ameaças-Chave Terrorismo (...) a Europa é simultaneamente um alvo e uma base para esse terrorismo: os países europeus são alvos e têm sido atacados. (...) Proliferação de Armas de Destruição Massiva, a maior ameaça potencial nossa segurança (...) o cenário mais ameaçador é aquele em que grupos terroristas tenham na sua posse armas de destruição massiva (...) Conflitos Regionais (...) Estados Falhados (...) Criminalidade organizada (...) a nossa segurança e prosperidade dependem cada vez mais de um sistema multilateral efectivo (...) O enquadramento fundamental para as relações internacionais é a Carta das Nações Unidas. O Conselho de Segurança das Nações Unidas tem a responsabilidade primária na manutenção da paz e da segurança internacional. Fortalecer as Nações Unidas, equipando-as para cumprir as suas responsabilidades e actuar efectivamente, é uma prioridade europeia.”

 

UE – Estratégia da UE contra a Proliferação das Armas de Destruição Massiva, Dez. 2003

“(...) As medidas políticas e diplomáticas preventivas (tratados multilaterais e regimes de controlo das exportações) e o fortalecimento das organizações internacionais competentes formam a primeira linha de defesa contra a proliferação. Quando estas medidas (incluindo o diálogo político e a pressão diplomática) falharem, as medidas coercivas sob o Capítulo VII da Carta das Nações Unidas e o Direito Internacional (sanções, selectivas ou globais, intercepções de navios e, quando apropriado, o uso da força) poderão ser consideradas. O Conselho de Segurança das Nações Unidas deve ter um papel central”.

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1 VRIES, Gjis de – “European Strategy in the fight against terrorism and the co-operation with the United States”, discurso no CSIS European Dialogue Lunch, Washington, 13 de Maio de 2004, p. 3.
2 POWELL, Colin L. – “A Strategy of Partnerships”. Foreign Affairs, Vol. 83, Nº 1, Janeiro/Fevereiro 2004, p. 25.

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* Luís Tomé

Licenciado em Relações Internacionais pela UAL. Mestre em Estratégia pelo ISCSP. Doutorando em Relações Internacionais na Universidade de Coimbra. Docente na UAL. Membro do Conselho Directivo do Observatório de Relações Exteriores da UAL.

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