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A internacionalização dos serviços de “Intelligence”

Ana Elisa Cascão *

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Os primórdios do recurso a actividades de Intelligence como instrumento de obtenção de vantagens estratégicas em contexto de guerra remontam à II Guerra Mundial, quando os aliados utilizaram a cooperação neste domínio com vista a ganhar vantagens estratégicas sobre a Alemanha, recorrendo à ajuda de unidades de espionagem da polícia polaca e às técnicas de descodificação desenvolvidas então pelo Reino Unido. Contudo, o ataque a Pearl Harbor, em 1941, veio demonstrar a considerável falta de preparação da liderança política americana para lidar com as informações estratégicas que lhe eram fornecidas pelos seus serviços secretos.

 

Origens históricas dos Serviços de “Intelligence” (SI)

Com o final da II Guerra Mundial e o advento da Guerra Fria, os SI adquiriram maior relevo nas estratégias geopolíticas mundiais, principalmente por parte das novas potências dominantes – Estados Unidos e União Soviética – e os seus respectivos aliados, de que resultou o estabelecimento de parcerias secretas entre vários Estados. Nomeadamente dos Estados Unidos (CIA, principalmente) com países do mundo anglo-saxónico – a “relação privilegiada” com o Reino Unido (que se mantém até hoje), Canadá, Austrália e Nova Zelândia – extensíveis não só a trocas de informações estratégicas, mas à presença da logística americana nestes territórios. A partir dos anos 60, os serviços secretos de Israel (MOSSAD) passaram também à aliança com os SI norte-americanos. Pela URSS, o KGB foi estabelecendo parcerias com os SI dos países da Europa de Leste; em ambos os casos, mais fluentes em situações de crise, sobretudo nunca perdendo um carácter bilateral.

Na Europa Ocidental a colaboração em actividades conjuntas de Intelligence remonta ao Clube de Berna (1965) e ao Grupo TREVI (Terrorismo, Radicalismo, Extremismo, Violência e Internacionalismo – 1975) bem como ao âmbito da NATO, UEO ou OSCE ou, mais recentemente, à EUROPOL (1995), operacional desde 1998. O fim da Guerra-fria e a nova ordem política mundial no início dos anos 90 trouxeram alterações aos SI. Na Rússia, o KGB foi desmantelado e os serviços secretos foram alvo de reforma, dando origem ao FSB (Serviço Federal de Segurança), que é hoje uma estrutura forte e com ligações cooperativas formais às congéneres das antigas repúblicas soviéticas.

Na União Europeia persistiu a indefinição em relação a uma hipotética política comum de Intelligence. Nos EUA, o investimento em actividades de Intelligence técnica e humana continuou a ser gigantesco, garantindo, dessa forma, a liderança mundial, com a espionagem económica e industrial a atingir o seu auge em detrimento de outras recolhas de informação. Assistiu-se, também, a uma acentuada politização dos vários organismos (actualmente 14) da comunidade de Intelligence americana.

 

11 de Setembro – onde estavam os serviços de “Intelligence”?

Os efeitos do 11 de Setembro de 2001 em Nova Iorque e Washington repercutiram-se no questionar da acção e coordenação dos seus serviços de Intelligence, bem como, da fronteira entre os limites da segurança interna e externa dos Estados. O fenómeno do terrorismo internacional (“encarnado” na Al-Qaeda e suas unidades transnacionais) veio impulsionar a criação de uma verdadeira comunidade internacional de Intelligence, ainda que os contornos desta sejam difíceis de estabelecer. Logo após o 11 de Setembro, aos serviços de Intelligence americana foram disponibilizados pela União Europeia o reforço da EUROPOL, a criação de um mandado de busca europeu e de equipas comuns de inquérito e operações polícias. Por parte de Israel foi disponibilizada tecnologia avançada de segurança, informações sobre redes terroristas do Médio Oriente e partilha de Intelligence militar.

Pela Rússia foi disponibilizada cooperação em acções antiterrorismo (ainda que limitada). Receberam ainda a colaboração estreita dos serviços de Intelligence da França, da Alemanha, da Polónia, do Japão, da Turquia e da Índia, entre outros. Contudo, outras parcerias que os EUA gostariam de estabelecer não se revelaram eficazes; os países árabes foram renitentes em passar informações aos EUA, até porque a informação de que dispõem é sobretudo de ordem interna. A Arábia Saudita revelou uma relutância natural (top-down) em colaborar, a que não é estranho o facto de Bin Landen ser de origem saudita e inimigo da realeza no poder; o Paquistão, que sempre se recusou a colaborar com os EUA e que apoiava os Taliban no Afeganistão, após o 11 de Setembro acedeu a colaborar, mas deparou-se com uma resistência (down-top) dos seus próprios serviços secretos. Por outro lado, os EUA estabeleceram parcerias com países da Ásia Central (Uzbequistão, Turquemenistão , Casaquistão, Tajiquistão, Quirguistão), vizinhos do Afeganistão, mas que apresentavam SI muitos desarticulados ou com agendas internas muito vincadas (não sem que os EUA garantissem a presença logística nestes territórios estratégicos).

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União Europeia – Serviços de “Intelligence” comuns?

Também na União Europeia (UE) tiveram impacto imediato os acontecimentos de 11 de Setembro de 2001, particularmente pela tomada de consciência de que os limites entre a segurança interna e segurança externa se começavam a esbater, o que levou diversos Estados-membros a colocarem a agenda da Intelligence na ordem do dia. Recuperando um debate antigo sobre a possibilidade de criação de uma agência de serviços de Intelligence na UE, constatava-se a debilidade europeia a este nível nas guerras dos Balcãs e do Afeganistão, em que a UE não tivera autonomia relativamente à Intelligence dos Estados Unidos, mas também que, aparentemente, não existe vontade política imediata por parte dos Estados da União em constituir uma agência única de Intelligence.

Em jogo, a dimensão de poder que esta pode assumir e a perda de soberania associada à sua criação, para não falar das diferentes culturas de informação, com naturezas tendencialmente conservadoras, com metodologias de acção pouco uniformes que caracterizam os diversos SI na União Europeia, ou da “relação privilegiada” do Reino Unido com os Estados Unidos nesta matéria. Mas, sobretudo, a circunstância de uma União Europeia que se debate com a problemática da definição de uma política externa comum, que está na agenda principal desde o Tratado de Maastricht, de 1992. Curiosamente, quando foram estabelecidas as missões de Petersberg, em 1997, no Tratado de Amesterdão, não houve nenhuma menção especial à necessidade de se estabelecer uma maior cooperação em termos de serviços de Intelligence. Na Cimeira de Saint-Malo (1998), numa declaração conjunta, França e Reino Unido declararam ser necessário à UE ter ao seu dispor uma capacidade de avaliação, planificação e decisão autónoma, em termos de defesa, em caso de crise internacional, o que constituiu um ponto de viragem no discurso sobre a defesa europeia.

Na Cimeira de Helsínquia (1999) reforçou-se a ideia de desenvolver capacidades autónomas de recolha e análise de Intelligence. Já na Cimeira de Laeken (Dezembro de 2001) a União Europeia veio admitir as suas graves carências em termos de capacidades de Intelligence. E o debate continua a decorrer no seio da União Europeia, não apenas sobre a criação de uma agência europeia de SI, mas também sobre o seu estatuto relativamente às instituições europeias existentes (a par da sua operacionalidade e financiamento), o tipo de relação a estabelecer com a UEO e a NATO, ou a articulação com a comunidade de Intelligence dos EUA e de outros Estados.

Ainda, os problemas decorrentes de uma politização crescente da sua actividade, a ambivalência moral das actividades de Intelligence, a associação dos SI ocidentais a grandes grupos económicos multinacionais, o perigo de monopólio americano sem reciprocidade das suas congéneres europeias, e, finalmente, a necessidade imperativa de um escrutínio democrático dos diversos SI, por forma a assegurar a não-transgressão dos direitos públicos dos cidadãos e o respeito pelos princípios democráticos.

 

Informação Complementar

ECHELON

ECHELON é o nome de código do sistema global de intercepção de comunicações privadas e económicas liderado pelos Estados Unidos e que conta com a participação do Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia e que pode estar em funcionamento desde o fim da II Guerra Mundial. É um sistema de espionagem que permite recolher e analisar todas as chamadas telefónicas, faxes e e-mails, mas cuja informação não serve fins militares ou de Estado. O ECHELON é o único sistema de intercepção multinacional conhecido no mundo, ainda que os EUA continuem a negar os objectivos “latos” que lhe são atribuídos. Segundo uma Comissão de Inquérito do Parlamento Europeu de 2001, o ECHELON é um sistema de intercepção abusivo que tem por objectivo a espionagem económica, violando não só o conceito de mercado comum de livre concorrência, como os interesses económicos europeus e que constitui um enorme atentado à democracia e às liberdades fundamentais dos cidadãos europeus, nomeadamente o direito à privacidade. Em termos legais, é a existência de uma “zona cinzenta” que permite que a intercepção de telecomunicações seja praticada mas, no caso da espionagem económica e industrial, o direito comunitário pode estar a ser gravemente violado, nomeadamente pelo Reino Unido enquanto membro da União Europeia. Entretanto, o Parlamento Europeu aconselha vivamente a todos os indivíduos e empresas a fazer uso do software de encriptação de comunicações sensíveis, como forma de protecção face à rede de espionagem ECHELON.

 

ALGO DE ERRADO SE PASSA NO REINO DA “INTELLIGENCE” AMERICANA

Os ataques a Washington e Nova Iorque a 11 de Setembro de 2001 provocaram uma fractura na organização dos Serviços de Inteligência dos Estados Unidos, com muitos analistas a atribuírem erros cruciais a estes Serviços e a própria CIA a considerar que houve falhas, mas que a prevenção dos ataques era tarefa quase impossível. O Secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, assumiu a posição mais radical, considerando que uma melhor organização interna dos SI poderia ter evitado os acontecimentos de 11 de Setembro, entrando assim em rota de colisão com a CIA e, ainda em 2001, o Pentágono criou a sua própria unidade de recolha de inteligência. Já em 2004, veio a descobrir-se que este controverso gabinete poderá ter tido um papel crucial na forma como a administração americana estabeleceu ligações entre os acontecimentos de 11 de Setembro, a Al-Qaeda e o Iraque.

No entanto, é a CIA que é acusada de ter divulgado relatórios sobre o potencial de armas de destruição maciça do Iraque (um dos argumentos da administração americana para a guerra no Iraque), ainda que o próprio director da CIA tenha vindo a público mais tarde dizer que nunca afirmou que o Iraque fosse um perigo iminente e que os analistas da CIA nunca tiveram evidências de relações operacionais entre Saddam Hussein e a Al-Qaeda. Muitos analistas apontam para a existência de fortes pressões políticas (ou mesmo manipulação) sobre a CIA, que, por seu lado, critica a unidade especial de Inteligência do Pentágono por ter baseado os seus relatórios nas informações de uma fonte que sempre consideraram pouco fiável, Ahmad Chalabi – um dos líderes da oposição iraquiana, próximo de Washington. No início de Junho de 2004, o director da CIA, George Tenet, na instituição desde a era Clinton, resignou do cargo, invocando razões pessoais. Terá sido apenas o primeiro bode expiatório do desaire dos EUA no Iraque?

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* Ana Elisa Cascão

Licenciada em Económicas e Políticas pela Universidade do Minho. Mestre em Estudos Africanos pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE). Doutoranda em Geografia no King’s College – University of London. Investigadora no Centro de Estudos Africanos da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP).

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Dados adicionais
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