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Os nossos tempos, porém, assistiram a uma convulsão de enorme envergadura no sistema internacional, sem que essa transição fosse acompanhada de guerra, pelo menos de guerra de dimensão equiparável às anteriores, ou seja, de uma “guerra global”. A derrocada do império soviético e a unificação da Alemanha introduziram alterações profundas no mapa político da Europa e do mundo, sem guerra. A Checoslováquia separou-se tranquilamente em dois países, sem guerra. É verdade que a desagregação da Jugoslávia se fez com grande violência e que a conflitualidade persiste em vastas regiões do Cáucaso, mas são guerras razoavelmente localizadas, bem diferentes das “guerras globais”. Verifica-se assim uma certa rarefacção do fenómeno guerra. Não quer dizer que o nosso mundo esteja menos devastado pela violência que no passado, mas tornaram-se comparativamente raras as guerras travadas entre Estados, as guerras convencionais que opunham uma nação a outra. O balanço que se pode fazer dos conflitos dos últimos vinte e cinco anos (ver caixa sobre os conflitos interestatais) mostra justamente como foram escassas as guerras entre países. Além disso, numerosos pontos de crise e zonas sensíveis, onde existiria probabilidade de conflito armado, como entre as duas Coreias, ou as duas Chinas, ou os antagonismos EUA-Cuba, Rússia-Japão, Índia-Paquistão, e mesmo Grécia-Turquia, não redundaram em guerras. Mais ainda: as poucas “guerras de conquista” que se verificaram não tiveram resultados positivos, no sentido em que nenhum Estado agressor, nenhum país que teve a iniciativa de desencadear operações militares com intuitos de conquista, alcançou os seus objectivos (com uma ou outra excepção, pouco significativa). Este último ponto é especialmente relevante. No passado, a maioria das guerras tinha motivações territoriais, fossem litígios fronteiriços, fossem reivindicações de territórios, fossem ambições expansionistas, e terminavam muitas vezes pela ocupação e submissão de uns povos a outros. Nos nossos tempos, a conquista territorial parece ter caído em desuso e, quem inicia uma guerra de conquista, perde-a. Isso ocorreu quando a Somália pretendeu conquistar o Ogaden à Etiópia, quando a Argentina tentou recuperar pela força as Malvinas, quando o Iraque atacou o Irão para anexar o Shatt-el-Arab e invadiu Kuwait para o conquistar, quando a Eritreia se lançou contra a Etiópia por uma faixa de território desértico. Em todos estes casos, as guerras fracassaram e os agressores não saíram compensados.
As guerras de baixa intensidade Mao Tse-Tung liderou a revolução camponesa na China e teorizou sobre a guerra popular prolongada, defendendo que o poder está na ponta da espingarda. Durante décadas, as forças de esquerda, em numerosos pontos do mundo mas especialmente nos continentes do Sul, conduziram ou sustentaram guerrilhas populares, na convicção de que elas eram uma forma superior de luta, tanto pelo potencial libertador que encerravam como pela capacidade transformadora que prometiam. A guerrilha era por excelência, no seu próprio radicalismo, luta emancipatória e metodologia revolucionária. Desde a China e o Vietname, até à Argélia e às colónias portuguesas, passando por Cuba e pela Nicarágua, as guerrilhas foram somando êxitos, nessa dupla vertente de lutas de libertação e de instauração de regimes revolucionários. Mas essa promessa deixou de se cumprir quando entrámos na década de 80. A revolução sandinista da Nicarágua poderá ter sido o último episódio de uma “luta popular prolongada” vitoriosa. A partir de 1980 mais nenhum movimento de guerrilha chega ao poder pela via armada, com excepção da Frente Popular de Libertação da Eritreia, a qual, mesmo assim, se submete a um referendo de legitimação. Por essa mesma ocasião desponta um fenómeno insuspeitado: a guerrilha passa a ser usada, não já pelas forças de esquerda como forma libertadora, mas pelas correntes ditas contra-revolucionárias, apoiadas pela própria administração norte-americana: os “fedahin” no Afeganistão, a UNITA em Angola, a RENAMO em Moçambique, os “Contra” na Nicarágua… E aparece a expressão “guerra de baixa intensidade”. O que é surpreendente é que o conjunto destes conflitos armados parece ter de comum a ausência de resultante militar. Dir-se-ia que eles não terminam graças a uma vitória (e a uma correspondente derrota), mas acabam ou por via de negociação pacífica, ou por desfecho político, ou simplesmente por inanição. O inventário – não exaustivo – exposto na caixa sobre as guerras de baixa intensidade documenta com grande evidência esta realidade que é a do arrastamento dos conflitos sem solução militar. O levantamento de várias dezenas de guerrilhas, espalhadas pelos diversos continentes nestes últimos vinte e cinco anos prova que a apregoada força das armas não tem encontrado eficácia para a obtenção de vitórias militares. Tal conclusão soma-se à verificação da relativa raridade das guerras interestatais e leva a pensar que estamos perante uma tendência relevante da conflitualidade nos nossos tempos: a tendência para o desgaste da violência armada como forma de resolução de conflitos. A importância do tema justifica que prolonguemos a reflexão no texto seguinte.
Informação Complementar 25 ANOS DE CONFLITOS INTERESTATAIS (UM INVENTÁRIO NÃO EXAUSTIVO) A. As guerras de “conquista” ou de anexação territorial parecem ter entrado definitivamente em desuso; as poucas que ocorreram, revelaram-se inconsequentes:
Uma possível excepção: a conquista pela Arménia, contra o Azerbaijão, do Nagorno Karabah e do corredor de Latchine, perfazendo cerca de 15% do território do Azerbaijão.
B. Importantes intervenções armadas, por parte de grandes potências militares, levaram a retiradas inglórias após conflitos mais ou menos intensos:
Algumas excepções: a intervenção do Vietname no Camboja entre 1979 e 1989, as intervenções norte-americanas em Grenada (1983) e no Panamá (1989) – que mais propriamente se identificam com “operações policiais”.
C. Relevantes contenciosos interestatais não desembocaram em guerras (para já não falar das frequentíssimas disputas de fronteiras, pois se estima que das 309 fronteiras terrestres existentes, 17% são contestadas, e 39 países estão implicados em querelas de jurisdição sobre arquipélagos ou ilhas); vejamos alguns exemplos significativos de diferendos de que não têm resultado guerras:
Uma excepção de relevo é a série de conflitos dos Grandes Lagos, envolvendo o Uganda, o Ruanda, o Burundi, o Congo-Zaire e as vastas coligações africanas empenhadas nesta guerra. Todavia, também ali se verifica o arrastamento dos conflitos sem solução militar no horizonte.
D. Importantes convulsões no mapa político de regiões sensíveis processaram--se sem guerras de envergadura:
Excepções também relevantes: a desagregação da ex-Jugoslávia e a conflitualidade no Cáucaso
25 ANOS DE CONFLITOS: GUERRAS DITAS DE BAIXA INTENSIDADE (UM INVENTÁRIO NÃO EXAUSTIVO) A. Lutas populares armadas vitoriosas: durante 30 anos, foram numerosos os casos de lutas populares, sob forma de guerrilha, que atingiram os seus objectivos militares, alcançando vitórias de pendor revolucionário e/ou anticolonial; aliás, as potências coloniais nunca venceram as lutas armadas desencadeadas nas suas colónias (com uma única excepção – provisória – dos ingleses na Malásia). Eis exemplos marcantes:
B. Entre 1980 e a actualidade, diversos casos de lutas populares armadas de libertação (situações residuais do colonialismo afro-asiático) vieram a resolver-se, sem desfecho propriamente militar, por formas legais, pacíficas e democráticas:
C. Ao longo dos anos 90, várias lutas armadas, sejam “revolucionárias” sejam “conservadoras”, foram cessando as suas intervenções sem resultante militar conclusiva:
D. Nas duas últimas décadas, têm prosseguido nos diversos continentes conflitos armados que se arrastam sem solução militar: Europa e Médio Oriente
África
Ásia
América Latina
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