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Onde estou: | Janus 2005 > Índice de artigos > Guerra e Paz nos nossos dias > As novas faces da guerra > [Intervenção humanitária e guerra preventiva: As novas guerras justas] | |||
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A ordem jurídica internacional vigente Não cabe nesta publicação fazer uma análise jurídica, nem comparada, destas duas situações e da sua legalidade ou ilegalidade. Cabe apenas constatar que estamos perante dois momentos marcantes que podem pôr em causa, ou mesmo vir a alterar, as excepções actualmente consagradas ao princípio da proibição do uso da força, pela eventual consagração de novas causas justas ou legítimas para a guerra. O direito internacional contemporâneo, cuja pedra basilar é a Carta das Nações Unidas, concluída em São Francisco em 26 de Junho de 1945, proíbe o uso ou a ameaça do uso da força nos seguintes termos: os membros da Organização deverão abster-se nas suas relações internacionais de recorrer à ameaça ou ao uso da força, quer seja contra a integridade territorial ou a independência política de um Estado, quer seja de qualquer outro modo incompatível com os objectivos das Nações Unidas. Apenas no caso de uma autorização colectiva por parte do Conselho de Segurança – este órgão das Nações Unidas detém o monopólio do uso da força na ordem jurídica internacional vigente – ao abrigo do Capítulo VII da Carta da Organização, podem ser tomadas medidas coercivas que envolvam o uso da força armada. Trata-se de um uso da força autorizado pela comunidade internacional, em seu nome e para o exercício da segurança colectiva. A única outra e verdadeira excepção à proibição do recurso à força a título individual (ou também colectivo) pelos Estados é hoje o direito de legítima defesa, também ele consagrado na Carta das Nações Unidas e reafirmado recentemente pela Comissão do Direito Internacional nos seguintes termos: um acto praticado por um Estado deixa de ser ilícito se esse acto constituir uma medida lícita de legítima defesa em conformidade com a Carta das Nações Unidas. O direito de legítima defesa é tradicionalmente entendido como um direito que surge no caso de um ataque armado de um Estado contra outro Estado, enquanto o Conselho de Segurança não reage, ou no caso de ausência de reacção por parte deste órgão. Para além disso, o recurso à força em legítima defesa deve ser exercido dentro de condições restritivas: impossibilidade de reagir por outros meios, uso proporcional da força, no respeito pelo direito humanitário e apenas para afastar o ataque armado e enquanto durar a agressão, ou até o Conselho de Segurança tomar as medidas necessárias.
Os novos dilemas Tanto a intervenção humanitária como a legítima defesa preventiva não parecem caber nos casos autorizados pela Carta das Nações Unidas de uso da força, na ausência de uma resolução do Conselho de Segurança. Mas a questão crucial que se coloca é precisamente essa: o que fazer no caso do Conselho de Segurança não agir quando, de acordo com a própria Carta, tem uma obrigação de reacção? Estaremos a caminhar, na ausência de actuação do Conselho de Segurança, para a legitimação de novas causas justas para fazer a guerra no caso da “intervenção humanitária” e da “legítima defesa preventiva”? A prática dos Estados e as reacções da comunidade internacional, factores determinantes para a eventual consagração de novas excepções ao princípio da proibição do uso da força, indiciam diferenças entre estas duas justificações para o uso da força. A actuação da NATO na crise do Kosovo, apesar de criticada, foi considerada como muito próxima da legalidade, mesmo por aqueles que a catalogaram de ilegal. E, apesar da a Jugoslávia ter tentado contestar a legalidade deste uso da força perante o Tribunal Internacional de Justiça, muito provavelmente o Tribunal irá declarar-se incompetente para decidir sobre o mérito da causa, embora por razões de carácter processual.
Um novo paradigma: a responsabilidade de proteger A protecção dos direitos humanos tem-se desenvolvido no sentido de ser hoje também um dos princípios fundamentais do direito internacional contemporâneo, a par da proibição do uso da força, da igualdade soberana, da não interferência nos assuntos internos ou do direito à autodeterminação, gerando, potencialmente, situações de conflito de princípios, todos eles com um estatuto de normas imperativas de direito internacional geral (jus cogens). Um interessante estudo elaborado em 2001 por iniciativa do governo do Canadá vem inverter o ónus, a propósito da intervenção humanitária, substituindo a ideia de um direito de intervenção pela responsabilidade de proteger, e fornecendo indicações importantes sobre quando e como deverá ceder o princípio da igualdade soberana dos Estados, bem como sobre a legitimidade de uma intervenção humanitária. Por seu turno, a ideia da guerra preventiva, parecer ter menor acolhimento na prática dos Estados, como demonstraram as reacções de uma parte significativa da comunidade internacional a esta justificação para a intervenção militar no Iraque em 2003. No entanto, a Estratégia Nacional de Segurança dos Estados Unidos da América (de 2002) consagra-a claramente, assumindo a prevenção contra ataques terroristas ou com armas de destruição maciça como ponto fundamental dessa estratégia. Só o tempo e as reacções da comunidade internacional e das suas instituições permitirão concluir com segurança se estamos, ou não, perante novas causas justas para fazer a guerra.
Informação Complementar UMA RESPONSABILIDADE DE PROTEGER? Na Assembleia Geral do Milénio em 2000, o primeiro-ministro do Canadá anunciou a criação de uma comissão internacional independente sobre a questão da intervenção e da soberania dos Estados, para responder ao desafio lançado pelo Secretário-Geral das Nações Unidas Kofi Annan à comunidade internacional para tentar construir um novo consenso que permita responder às violações maciças de direitos humanos e do direito internacional humanitário. Esta Comissão tinha por mandato promover um debate aprofundado sobre estas questões e propor um consenso global que permitisse lidar com a polémica ou, muitas vezes, apatia da comunidade internacional, designadamente das Nações Unidas, e que permitisse conciliar as noções aparentemente irreconciliáveis de soberania do Estado e intervenção. Composta por doze peritos independentes oriundos dos vários cantos do globo (Canadá, Alemanha, Austrália, Índia, Filipinas, Suíça, Argélia, Estados Unidos, Rússia, África do Sul e Guatemala), esta Comissão apresentou em 2001 o seu relatório, cujas principais propostas se encontram no quadro em anexo e apontam critérios objectivos que poderão servir de base a futuras intervenções humanitárias.
A ESTRATÉGIA NACIONAL DE SEGURANÇA DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA Cap. V – Impedir que os nossos inimigos nos ameacem ou ameacem os nossos aliados e amigos, com armas de destruição maciça “Os Estados Unidos sempre defenderam a opção de acções preemptivas para combater uma ameaça séria à nossa segurança nacional. Quanto maior for a ameaça, maior é o risco de inacção – e mais fortes as razões para adoptar medidas de antecipação para nos defendermos, mesmo se existir incerteza relativamente ao momento e local do ataque inimigo. Para impedir ou evitar tais actos hostis dos nossos adversários, os Estados Unidos agirão, se necessário, preemptivamente.” (...) “O objectivo das nossas acções será sempre o de eliminar uma ameaça específica contra os Estados Unidos, os nossos aliados ou amigos. As razões para a nossa actuação serão claras, a força bem medida e a causa justa.” Fonte: EUA, The White House – The National Security Strategy of the United States of America, 2002. www.withehouse.gov/nsc/nss.
A RESPONSABILIDADE DE PROTEGER: SINOPSE DO RELATÓRIO DA COMISSÃO INTERNACIONAL A responsabilidade de proteger: princípios fundamentais 1 – Princípios básicos A. A soberania acarreta responsabilidade e a responsabilidade primária de proteger a população compete ao próprio Estado. 2 – Fundamentos Os fundamentos da responsabilidade de proteger, com um princípio orientador para a comunidade internacional dos Estados, baseiam-se: 3 – Elementos A responsabilidade de proteger abarca três responsabilidades específicas: A. A responsabilidade de prevenir: lidar tanto com as causas remotas como directas dos conflitos internos e de outras crises causadas pelo homem que ponham as populações em risco. 4 – Prioridades A. A prevenção é a dimensão mais importante da responsabilidade de proteger. As possibilidades de prevenção devem ser sempre esgotadas antes de se contemplar recorrer a uma intervenção, devendo devotar-se a ela mais empenho e recursos.
A responsabilidade de proteger: Princípios a que deve estar sujeita uma intervenção militar 1 – Uma causa justa A intervenção militar destinada a proteger a pessoa humana é uma medida excepcional e extraordinária. Para se justificar, é necessário que se esteja a verificar ou que seja iminente um sofrimento sério e irreparável por parte de uma população, do seguinte tipo: 2 – Os princípios de precaução A. Motivação adequada: o principal objectivo da intervenção, independentemente de quaisquer outros motivos que possam mover os Estados participantes, deve ser o de parar ou evitar o sofrimento humano. As operações multilaterais, claramente apoiadas pela opinião pública regional e pelas vítimas em causa, asseguram melhor esta motivação. 3 – A autoridade adequada A. Não existe nenhum órgão melhor ou mais apropriado do que o Conselho de Segurança das Nações Unidas para autorizar uma intervenção militar com fins humanitários. Não se devem tentar encontrar alternativas ao Conselho de Segurança como fonte de autoridade, mas sim fazer com que este funcione melhor.
F. O Conselho de Segurança deveria ter em linha de conta em todas as suas deliberações que, se não cumprir a sua responsabilidade de proteger em situações que choquem a consciência da humanidade e que necessitam de uma actuação, os Estados em questão podem não se abster de encontrar outros meios para fazer face à gravidade e urgência dessa situação e que consequentemente a posição e credibilidade das Nações Unidas serão afectadas. 4 – Princípios operacionais A. Objectivos claros; mandato objectivo e não ambíguo; e recursos necessários. Fonte: International Commission on Intervention and State Sovereignty – The Responsibility to Protect, 2001. www.dfait-maeci.gc.ga/iciss-ciise/report.asp
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