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O Centro para o Diálogo Humanitário e o conflito de Aceh

Bruno Tomaz *

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Anteriormente denominado Centro Henry Dunant para o Diálogo Humanitário, o actual Centro de Diálogo Humanitário (CDH) é uma organização internacional com o firme objectivo de intermediação entre actores humanitários, stakeholders e organizações não-governamentais, visando sensibilizar e maximizar a percepção de futuros problemas humanitários. Com quatro princípios orientadores: parceria, transformação, consenso e diálogo, o CDH alerta para a prevenção de conflitos, insistindo na promoção do diálogo entre as partes, como forma de reconciliação das suas diferenças. O enfoque de recentes esforços do CDH inclui o apoio ao processo de paz colombiano, a moratória sobre armas ligeiras na África Ocidental e a promoção de estratégias de estabilização para o Cáucaso. Mas o maior projecto do CDH é o da facilitação do diálogo entre representantes do governo indonésio e da liderança do Movimento de Libertação de Aceh, com o objectivo de redução da violência na província, um conflito com profundas raízes históricas, que convém identificar nas suas origens.

 

Aceh como potência regional

A província de Aceh, situada a noroeste da ilha de Sumatra na Indonésia, dista cerca de 1.850 quilómetros da capital federal, Jacarta. Apesar da distância do principal centro político indonésio, Aceh não é uma província esquecida, antes pelo contrário; a riqueza dos seus recursos naturais e um activo movimento separatista colocam-na bem no centro das atenções do poder político indonésio. Com um passado como potência regional e uma história própria, Aceh, outrora ponto de entrada do Islão no arquipélago, abriga actualmente uma população mais ortodoxa do que o resto do país. Foi no século XVII que Aceh viveu o seu período dourado, sob o governo do sultão Iskandar Muda (1581-1636), o qual impulsionou a expansão territorial e o envolvimento de Aceh no comércio regional de especiarias, produto vital na economia mundial de então. É neste período que emerge a feroz competição entre Aceh e os sultanados de Johore e Melaka e mais tarde, também, com as potências coloniais que viriam a dominar boa parte da região. Aceh expandiu-se, ocupando grande parte da ilha de Sumatra e a Malásia, tendo chegado a ocupar a parcela de território que hoje é Singapura. À morte de Iskandar Muda sucede-lhe seu filho Iskandar Thani, ao qual sucederam quatro sultanas, dando assim início a uma forte tradição de liderança feminina em Aceh.

 

A Guerra Holandesa

Aceh foi a última parcela territorial da ilha de Sumatra a ceder ao domínio colonial holandês. Em 1873, uma expedição holandesa que tentava conquistar o território foi repelida sofrendo baixas pesadas, no que constituiu um dos últimos actos de resistência de Aceh. A Guerra de Aceh ou Guerra Holandesa, durou até ao início do século XX, com a ocorrência frequente de ataques de guerrilha, mesmo depois de oficialmente terminado o conflito. Os holandeses permaneceram em Aceh até à Segunda Guerra Mundial, altura em que foram desalojados pelos japoneses, apenas voltando a ocupar e a administrar o território após o final do conflito. Com um papel extremamente activo durante a guerra de independência de 1945-1949, Aceh acalentaria o sonho da secessão que, não concretizado na separação da província do resto da Indonésia, alimentaria, desde então, um permanente sentimento de revolta. Quando na, década de cinquenta, a rebelião Darul Islam despontou em algumas partes da ilha de Java e em Aceh, a província alimentou, de novo, o sonho de uma independência, frustrado pelo facto de este movimento apenas reivindicar a islamização do Estado indonésio, e não preconizar a independência da província de Aceh, à qual foi, no entanto, concedido um estatuto especial. Depois da acalmia e relativa paz verificada nos anos sessenta, em 1976, Hasan di Tiro, apoiado por um pequeno grupo de militantes, declarou a independência de Aceh.

Descendente de uma família de clérigos muçulmanos e neto de um famoso líder guerrilheiro da Guerra Holandesa, Tiro era um bem sucedido homem de negócios na Suécia, onde até então tinha permanecido em exílio. Fundador do Movimento de Libertação Nacional Aceh/Sumatra, que mais tarde viria a tornar-se no Movimento de Libertação de Aceh (MLA), lançou-se inicialmente numa activa campanha de propaganda, até ter atraído as atenções do governo indonésio, que, em 1980, forçou o núcleo duro de combatentes do MLA ao exílio. Acolhidos na Líbia, os cerca de 250 militantes do MLA receberam instrução militar, de forma a poderem levar até às florestas da ilha de Sumatra uma guerra de guerrilha que ainda hoje perdura e que já ceifou milhares de vidas.

 

O Centro de Diálogo Humanitário

Iniciando, em 1999, um projecto de tentativa de avaliação do impacto do conflito sobre a população, acompanhado de iniciativas de redução da escalada dos combates, os responsáveis do CDH conseguiram que, no ano seguinte, se sentassem à mesa de negociações líderes das duas facções, logrando obter a assinatura de um acordo que estabeleceu uma pausa humanitária com a duração de três meses, a qual permitiu a chegada de algum alívio humanitário às populações, a criação de modalidades e formatos para projectos de ajuda futura, bem como a redução dos índices de violência e de tensão até então registados. Esta pausa humanitária nunca foi, no entanto, realmente implementada com sucesso, principalmente por carecer de real apoio por parte dos Estados Unidos e de outros parceiros internacionais.

Como pequena ONG que é, o CDH não possuía capacidade para assegurar o cumprimento do acordo, mas assegurou a criação e manutenção de um Joint Council, no ano 2001, constituído por membros das duas partes, cujo objectivo era a criação de mecanismos duradouros de atenuação do conflito, como por exemplo, uma moratória sobre violência, promoção de encontros regulares entre comandantes militares e a criação de uma estrutura de implementação de um processo de consulta democrática para a população de Aceh. Mas, apesar dos esforços de estabelecimento de Zonas de Paz, a violência aumentou por altura do segundo encontro do JointCouncil em Junho de 2001, num período particularmente instável a nível político, com uma grande dose de incerteza quanto ao futuro político do presidente Wahid. Foi neste período, em particular, em que a Indonésia balançava entre Wahid e Megawati Sukarnoputri, com alguns elementos do Centro ameaçados por forças policiais e declarações públicas de responsáveis indonésios ameaçando a ruptura do diálogo, que o Centro convidou, em Julho de 2001, em Genebra, um grupo de dignitários internacionais a actuarem como conselheiros no processo. Este grupo, denominado OsQuatro Sábios, foi crucial para a negociação de um cessar-fogo em 2002. Este acordo, que constituía um objectivo primário do Centro, veio demonstrar que, após o fracasso da implementação da pausa humanitária, tornava-se necessária a congregação de um leque de esforços internacionais, por forma a pressionar o governo indonésio e o MLA a respeitar os acordos de paz.

Com a subida de Megawati Sukarnoputri ao poder, a nomeação de membros do governo favoráveis à existência de um processo de diálogo confirmou o papel fulcral do Centro, que, imediatamente após a aceitação por parte do MLA da integração dos Quatro Sábios no processo de diálogo, conseguiu fazer aceitar às partes em conflito, em Fevereiro de 2002, uma nova ronda negocial a realizar na Suíça, no mês de Maio do mesmo ano. O resultado desta promissora nova etapa negocial traduziu-se numa declaração conjunta que claramente abria as portas a futuras negociações, tendo por base um estatuto de autonomia para o território e a cessação total de hostilidades.

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O Acordo de Cessação de Hostilidades e a primeira Zona de Paz

Finalmente, após meses de negociações bilaterais, o Centro de Diálogo Humanitário lograria intermediar a assinatura pelo governo indonésio e pelo MLA do Acordo de Cessação de Hostilidades, em Genebra, a 9 de Dezembro de 2002, numa cerimónia oficial que contou com a presença, ao mais alto nível, de delegações de ambas as partes, representantes de organizações não-governamentais, representantes diplomáticos de vários países e um número significativo de órgãos de comunicação social. Nos meses que se seguiram à assinatura do Acordo de Cessação de Hostilidades, que também estabelecia Zonas de Paz desmilitarizadas por toda a província, com vista à chegada de auxílio humanitário, auxílio de reabilitação e reconstrução das zonas mais afectadas do território de Aceh, deu-se também uma redução muito substancial do número de confrontos armados e do número de vítimas mortais.

A província de Aceh pôde testemunhar uma queda espectacular no número de mortes causadas pelos confrontos entre forças governamentais e guerrilheiros independentistas, de cerca de 230 vítimas por mês, no período que antecedeu a assinatura do acordo, para uma média de 15 mortes mensais para os meses que se seguiram à assinatura do acordo. A primeira Zona de Paz, supervisionada por um Comité Conjunto de Segurança, foi criada a 25 de Janeiro de 2003, no distrito de Indrapuri, e rondas negociais extraordinárias permitiram a criação de seis Zonas de Paz adicionais, onde soldados governamentais e guerrilheiros do MLA estão impedidos de transportar armas e de efectuar movimentação de forças. Até ao momento, o Centro de Diálogo Humanitário tem vindo a desempenhar um importantíssimo papel na questão de Aceh.

Sendo o único actor internacional que goza, simultaneamente, da confiança do governo indonésio e do MLA, o Centro, como responsável que é pela manutenção financeira, logística e administrativa do comité que supervisiona as Zonas de Paz, joga a sua credibilidade com as partes, no sucesso da implementação destas zonas, procurando por isso, actualmente, negociar com os Estados Unidos e com o Japão auxílio financeiro para o desenvolvimento dos seus esforços. O CHD reconhece a sua falta de capacidade e de recursos para se responsabilizar por uma autoridade interina do território, daí apelar a uma ajuda substancial por parte das Nações Unidas. Apesar de uma evolução democrática na Indonésia, a situação de Aceh não está definitivamente solucionada. Os abusos contra os direitos humanos de parte a parte persistem, com as forças de segurança a acusar facilmente qualquer indivíduo de pertencer às fileiras do MLA, e os guerrilheiros a não se fazerem rogados nas represálias sobre qualquer javanês. Apesar de dividido em inúmeras facções dissidentes, o MLA encontra-se agora mais forte do que nunca, apesar de apenas contar com cerca de 3.000 a 5.000 homens armados. A continuação dos abusos contra os direitos humanos na província pode constituir uma das explicações para o facto de inúmeros habitantes de Aceh continuarem a defender a independência em relação à Indonésia. Outra será, porventura, a difícil situação económica, pois, apesar de Aceh estar na origem de cerca de 30% das exportações de gás de todo o arquipélago, continua a ser uma das províncias mais pobres do país.

 

Informação Complementar

MOVIMENTO DE LIBERTAÇÃO DE ACEH

Apesar de já ter orquestrado ataques contra empresas americanas na Indonésia, este movimento não consta na lista de organizações terroristas dos Estados Unidos e da União Europeia, sendo, antes, considerado um movimento insurrecto e de secessão, que ameaça a integridade territorial de um Estado soberano, mas não uma organização terrorista, como por exemplo, o Abu Sayyaf. Criado em Dezembro de 1976, com o objectivo de forçar o governo indonésio a aceitar Aceh como um Estado islâmico, este movimento separatista consegue combinar o apelo religioso e nacionalista com o descontentamento social face à exploração económica dos recursos humanos e naturais da província.

Este é um apelo que tem eco junto de uma população que testemunha uma discriminação laboral diária, quer em termos de oportunidades de emprego, quer em regalias sociais, que tendem apenas a beneficiar a população de migrantes javaneses, em detrimento da população local. De acordo com o think tank International Crisis Group, uma das razões pela qual o MLA recolhe tanto apoio junto das populações está relacionada com o facto de o Movimento de Libertação de Aceh canalizar o ressentimento contra as injustiças sentidas pelo povo acehnense. Mas convém lembrar que as acusações de violações de direitos humanos não recaem apenas sobre os militares indonésios. O grupo é acusado de práticas de extorsão e intimidação, tendo mesmo sido reportados inúmeros casos de assassinatos de jovens que se recusam a integrar as fileiras militares do movimento.

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* Bruno Tomaz

Licenciado em Relações Internacionais pela Universidade Independente. Mestrando em História das Relações Internacionais no ISCTE. Inspector-Adjunto Estagiário do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

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