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Janus 2005



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Prevenção de conflitos: as políticas do BM, da UE e da OSCE

Madalena Moita *

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Depois de analisarmos os mecanismos vários de prevenção de conflitos das Nações Unidas, debrucemo-nos agora sobre outras organizações intergovernamentais também elas relevantes para a inibição da conflitualidade violenta no mundo.

 

Banco Mundial

Tendo na sua génese a função de reduzir a pobreza e ajudar os países menos favorecidos no desafio do desenvolvimento económico sustentável, o Banco Mundial, fazendo parte do sistema das Nações Unidas, mas com elevada autonomia, trata também as raízes profundas dos conflitos violentos. Em 1997 aparecem os primeiros quadros teóricos que sustentam o investimento do BM na prevenção de conflitos. Um desses documentos, “World Development Report– The State in a Changing World”, alerta para a profunda associação entre a dimensão económica e a eclosão de conflitos violentos e propõe a aposta em mecanismos de reconstrução pós-conflito e na busca de parceiros úteis, como a ONU ou a WWF (World Wildlife Fund). Desde Julho de 1997, está operacional a Unidade de Prevenção e Reconstrução Pós-conflito, do Banco Mundial, para articular os esforços da instituição na reconstrução económica e social de zonas afectadas por um conflito violento.

Um dos principais méritos desta Unidade foi desenvolver um quadro de análise de conflitos (CAF – Conflict Analysis Framework) que desenhou uma lista de indicadores básicos para evidenciar o risco de um conflito violento. Este quadro permite estudar factores como a instabilidade política, a evolução dos direitos humanos, o nível de militarização da sociedade, o nível das diferenças étnicas, os conflitos regionais activos ou o desempenho económico. Para responder a situações críticas, a Unidade de Reconstrução Pós-conflito dispõe de vários instrumentos como a concessão de créditos de emergência, a constituição de fundos sociais dirigidos às ONG’s ou às comunidades locais, ou programas de apoio técnico e de planeamento ajudando cada país a desenvolver a sua estratégia de crescimento económico.

 

A União Europeia

As políticas de prevenção de conflitos violentos da União Europeia inserem-se num objectivo, no quadro desta instituição, de reforço dos aspectos políticos e militares, de forma a equilibrar a já fecunda integração económica. O desenho de uma política externa, de segurança e defesa comum atribui à União Europeia um papel incontestável na cena internacional e sublinha o compromisso dos seus Estados-membros com a paz, assumido desde o momento da criação, com o propósito de juntar potências europeias desavindas no pós-II Guerra Mundial. É neste sentido que, nestes últimos anos, se têm multiplicado as iniciativas para a resolução pacífica de conflitos no seio da União Europeia, que aparecem claramente sistematizadas no Comunicado da Comissão Europeia sobre Prevenção de Conflitos, de Abril de 2001. A primeira prioridade que este documento aponta passa fundamentalmente pela identificação das raízes dos conflitos. A Comissão elaborou uma lista (Check-list of root causes of conflict) de indicadores que incluem fenómenos como a legitimidade do Estado, o grau de inclusão política, o nível de corrupção, a relação entre comunidades de origem distinta ou as desigualdades sociais, que facilite a análise da situação no terreno. Através da atenção permanente a estes dados, a Comissão pretende tornar possível a identificação de situações de risco a tempo de poder actuar para travar a violência. Para conduzir esta tarefa tinha sido já criada, em 1997, aConflictPrevention Network (transformada em Conflict Prevention Associates em 2002) que funciona como uma rede de investigação entre peritos académicos e actores com experiência no terreno, capaz de avaliar e dar a conhecer aos órgãos da União Europeia a situação que vive cada Estado instável. Esta rede ajudaria a perceber melhor os conflitos e a elaborar as políticas adequadas para melhor lhes responder.

É também neste sentido que, no ano 2000, é criada a Unidade de Prevenção de Conflitos e Gestão de Crises, dentro do âmbito da PESC, de que resultaram os Country ou Regional Strategy Papers, os quais definem a estratégia a seguir para a recuperação de cada país ou região fragilizada. Estes estudos sugerem as zonas e os sectores sociais mais sensíveis a tratar com prioridade pelos fundos de cooperação da União. Os mecanismos de ajuda ao desenvolvimento constituem assim importantíssimos instrumentos de acção preventiva a longo prazo. A União Europeia é o principal contribuinte mundial para a cooperação económica internacional e para a ajuda pública ao desenvolvimento, tendo como órgãos responsáveis neste âmbito a EuropeAid, que coordena os projectos de cooperação da Comissão Europeia, incluindo fundos como o do Programa PHARE para os países candidatos à adesão ou o Programa ALA para a América Latina, e o ECHO (Escritório Humanitário paraa Comunidade Europeia), que coordena a ajuda de emergência, a assistência a vítimas de desastres naturais ou de guerras for a do espaço da União Europeia, em parceria com agências das Nações Unidas e com ONG’S.

Para além da ajuda económica ao desenvolvimento, a União Europeia usa estes fundos na promoção da democracia e do respeito pelos Direitos Humanos através da formação de observadores eleitorais, organização de actividades parlamentares ou de iniciativas para o reforço das instituições democráticas. Uma segunda prioridade definida pela Comissão é um maior cuidado no tratamento de assuntos transversais, também eles perturbadores da segurança e da paz mundial, como a droga e o crime organizado internacional, o tráfico de armamento ligeiro, a gestão de recursos naturais como o petróleo ou os diamantes, a propagação da SIDA ou os fluxos migratórios. Mas a União Europeia não pretende assegurar apenas a prevenção de conflitos violentos com medidas a longo prazo, sendo a terceira prioridade referida no comunicado da Comissão a criação de mecanismos de reacção rápida à emergência da violência.

Em Fevereiro de 2001 entrou em funcionamento o ERRM – Mecanismo Europeude Reacção Rápida, que prevê o estabelecimento de missões de curta duração para responder a necessidades imediatas de reconstrução nacional. Este mecanismo prevê também a utilização atempada de instrumentos políticos tradicionais para a gestão de crises – como a diplomacia, o diálogo político, a nomeação de representantes especiais –, meios estes que exigirão à União uma linha política forte e coerente. O ERRM actuou já, por exemplo, no Afeganistão, onde desenvolveu um programa de apoio à administração interina, bem como na República Democrática do Congo, onde ajudou a desmobilizar e integrar crianças-soldado. No quadro da segurança, foi também criada uma Força Europeia de Reacção Rápida, com o objectivo de aliviar a NATO de certas intervenções, actuando em situações de crise antes de estas se tornarem guerras acesas.

O objectivo é responder a pedidos de prevenção de conflitos da ONU ou da OSCE, com quem a União Europeia manterá estreita cooperação. Outro instrumento basilar na esfera securitária é o CIVICOM, o Comité Civil de Gestão de Crises, que assegura as respostas não militares, como as operações policiais, os programas de incentivo ao reforço das instituições estatais, os instrumentos de administração e protecção civil, ou os mecanismos de DDR (Desarmamento, Desmobilização e Reintegração de soldados). Em todo este panorama, e como foi sendo assinalado, um objectivo prioritário, o quarto assinalado no documento orientador da Comissão, é acentuar a cooperação com outros actores da cena internacional, como sejam a ONU, a OSCE, a OCDE, a NATO, o G8, o Conselho da Europa ou a Cruz Vermelha Internacional, mas também com ONG’S e com os centros académicos sobre questões internacionais.

 

A OSCE

Originalmente fundada com a designação de Conferência sobre a Segurança e aCooperação na Europa (CSCE), a actual OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa), ao perder, em 1991, o significado original de ponte entre as duas superpotências, assumiu como compromisso essencial apoiar as transições para a democracia e conter a reemergência de conflitos étnicos nos antigos países socialistas da Europa. Na OSCE existe, desde 1990, um Centropara a Prevenção de Conflitos que coordena o trabalho do presidente em exercício da Organização e do seu secretário-geral, no sentido de garantir no espaço europeu, com particular incidência nas antigas Repúblicas Soviéticas, mecanismos de alerta precoce, de gestão de crises e de reabilitação pós-bélica. Dos instrumentos que possui ao seu dispor podemos assinalar, como de suma importância, o papel do próprio presidente em exercício e dos representantes especiais, por ele nomeados, para a condução de práticas de cariz político, como a diplomacia preventiva ou o aconselhamento a instituições políticas de democracias recentes.

Em 1992, outro instrumento essencial foi criado, o Alto Comissariado para as MinoriasNacionais (ACMN), o qual goza de uma enorme liberdade de actuação, já que pode entrar em qualquer dos seus cinquenta e cinco Estados-membros sem autorização especial e ter, assim, acesso fácil aos vários protagonistas. O ACMN tem menor visibilidade internacional que outros cargos semelhantes de outras OIG’s, o que lhe confere discrição, uma característica crucial para poder envolver-se nestes processos. A experiência adquirida no terreno permite-lhe desenvolver e interiorizar capacidades de alerta precoce, nomeadamente, ao trabalhar com uma questão sensível que frequentemente provoca tensões sociais como é o problema das minorias étnicas. É de sublinhar que o Alto Comissariado tem conduzido este esforço indispensável – que inclui medidas como a promoção do equilíbrio étnico na administração pública de jovens democracias, ou a facilitação dos processos de requerimento de nacionalidade para as minorias – com uma equipa e um orçamento muito reduzido (cerca de 1 milhão de dólares anuais).

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Se é importante referir que a OSCE possui algumas limitações, não só porque o seu trabalho é circunscrito às suas fronteiras geográficas, como está, também, constrangido pela esfera em que actua – particularmente o desenvolvimento democrático e a defesa dos Direitos Humanos – é também crucial assinalar que consegue assegurar com grande eficácia missões de observação (fact-finding) e de alerta precoce que concilia com mecanismos de reconstrução pós-bélica nas suas missões de longa duração. Estas são estabelecidas por decisão do Conselho Permanente, envolvem pessoal civil, por vezes acompanhado por pessoal militar, e conduzem funções diversas no terreno – desde o controlo fronteiriço, passando pelo treino de forças de segurança, até ao supervisionamento de eleições e à promoção de uma sociedade civil e medias independentes – de que resulta a apresentação semanal de um relatório ao Conselho.

Para melhorar o tempo de reacção da Organização a situações de crise, a OSCE criou também o Programa REACT – RapidReaction Assistance and Co-operationTeams, que forma equipas de reacção rápida para enviar para o terreno num prazo máximo de duas a oito semanas. Todas as organizações que analisámos seguem, na sua diversidade, uma orientação comum: assumem que, para construir um mundo mais pacífico e equilibrado, é fundamental reforçar as instituições democráticas para onde possa ser canalizada a conflitualidade, assim como garantir um mínimo de bem-estar social e de desenvolvimento humano, uma vez que a exclusão é o maior gerador de conflitos e, por conseguinte, de violência.

A vontade de ampliar competências no quadro da prevenção de conflitos violentos é, com efeito, visível em todas as grandes linhas de orientação destas Organizações Intergovernamentais, sendo notória a multiplicação de instrumentos estruturais e imediatos de resolução de crises e de reconstrução pós-bélica. Resta analisar, com o tempo, se as apostas delineadas, que de uma forma geral apontam no mesmo sentido, estão a ser aplicadas no terreno e se são verdadeiramente eficazes. Importa também perceber se a vontade lógica de complementaridade destas instituições consegue suplantar a competição natural entre elas.

 

 

Informação Complementar

CHECK-LIST DAS CAUSAS PROFUNDAS DOS CONFLITOS VIOLENTOS – COMISSÃO EUROPEIA

Legitimidade do Estado

Existe equilíbrio de poderes no sistema político?

Quão inclusivo é o sistema político/administrativo?

Qual é o nível de respeito pelas autoridades do Estado?

Qual o nível da corrupção no sistema político?

 

Estado de Direito

O sistema judicial é forte?

Existe violência estatal ilegítima?

O poder civil controla as forças de segurança?

O crime organizado mina a estabilidade nacional?

 

Respeito pelos direitos fundamentais

As liberdades civis e políticas são respeitadas?

Os direitos culturais e religiosos são respeitados?

São respeitados outros direitos humanos básicos?

 

Sociedade Civil e media

A sociedade civil pode actuar livre e eficazmente?

Os media são independentes e profissionais?

 

Relações entre comunidades e mecanismos de resolução de disputas

As relações entre grupos identitários são saudáveis?

O Estado arbitra tensões e disputas entre comunidades?

Os fluxos de migração/refugiados são controlados?

 

Gestão económica

A economia é robusta?

O quadro político propicia a estabilidade macroeconómica?

A política ambiental do Estado é sustentável?

 

Desigualdades sociais e regionais

Que tipo de políticas sociais existem?

Como são combatidas as desigualdades sociais?

Como são combatidas as desigualdades regionais?

 

Situação geopolítica

A situação geopolítica regional é estável?

O Estado é afectado por ameaças externas?

O Estado afecta a estabilidade regional?

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* Madalena Moita

Licenciada em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Nova de Lisboa-FCSH. Pós-Graduada em Estudos da Paz e da Guerra pela UAL. Mestranda em Estudos da Paz e da Guerra na UAL. Assistente de Investigação na UAL.

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Bibliografia

Comunicação da Comissão Europeia sobre a Prevenção de Conflitos, Bruxelas, 11.04.2001 COM (2001) 211 final http://europa.eu.int/comm/external_relations/cfsp/  news/com2001_211_en.pdf

EU Crisis Response Capability: Institutions and Processes for Conflict Prevention and Management, Issues Report N°2, 26 June 2001 http://www.crisisweb.org/home/index.cfm?id=1830&l=1

BARNES, Helen (Novembro 2002) – “The EU: Who Does What in Conflict Prevention and Resolution” In Relatório do INCORE http://www.incore.ulst.ac.uk/policy/EU_Document.pdf

IZQUIERDO, Bernardo García (2002) – Una Nueva Oportunidad para la Prevención de Conflictos. Análisis comparativo de las políticas de Estados Unidos y de la Unión Europea sobre la Prevención de conflictos violentos. In Cuaderno Deusto de Derechos Humanos Núm. 20, Universidad de Deusto, Bilbao.

Conflict Analysis Framework (CAF), Conflict Prevention and Reconstruction (CPR), Social Development Department, World Bank, 26.08.2003 http://lnweb18.worldbank.org/ESSD/sdvext.nsf/67ByDocName/
TheConflictAnalysisFramework/$FILE/CAFAugust03.pdf

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