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Onde estou: | Janus 2005 > Índice de artigos > Guerra e Paz nos nossos dias > Construção da paz e casos de mediação > [A intervenção do Centro Carter no conflito entre a Etiópia e a Eritreia] | |||
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Para este estudo, o Centro Carter contou com a colaboração de experts na matéria; de analistas políticos; dos intervenientes na diplomacia governamental e das organizações humanitárias que actuam no terreno. Nesta fase inicial foi igualmente profícuo o encontro com os representantes da Frente Popular de Libertação da Eritreia (FPLE) nos EUA e com os membros do governo etíope expatriados. O primeiro contacto com os dirigentes das partes em conflito aconteceu, na Primavera de 1989, no âmbito de uma viagem do Centro Carter ao Corno de África, a propósito de uma acção de luta contra a fome, reforma agrícola e apoio aos direitos humanos. Assim, no Sudão, o Presidente Cárter encontrou-se com Isaías Afewerki e os líderes mais eminentes da FPLE e também com um dirigente da Frente Popular de Libertação do Tigré (FPLT), um movimento de resistência etíope. Em Adis Abeba conversou com Mengistu, então presidente da Etiópia. Foi transmitido a ambas as partes o empenho do Centro Carter na tentativa de se resolver o conflito de forma pacífica. Quer a Etiópia quer a Eritreia concordaram com a proposta de mediação, tendo demonstrado interesse em ser divulgado o seu envolvimento no processo de paz. Fizeram essencialmente três pedidos: que as negociações fossem públicas; fossem conduzidas por um mediador neutro e que não houvesse pré-condições da outra parte. A despeito desta manifestação de boa vontade, o primeiro grande alvo dos mediadores seria transformar as partes em conflito de “guerreiros” em “fazedores de paz” – tarefa bastante complicada.
As negociações em Atlanta (Setembro de 1989) A equipa do INN tentou criar um ambiente de negociações o mais neutro possível, isto é, as partes deveriam encontrar-se num espaço que propiciasse o entendimento. Ao contrário das anteriores iniciativas de mediação, o lugar escolhido para o encontro foi numa pequena sala de conferências no Centro Carter, decorada com plantas, uma escultura de pombas e uma pintura da assinatura dos Acordos de Camp David (aspectos simbólicos que ganham um relevo especial neste tipo de contexto). As delegações dos dois países tinham características claramente diferentes. Os etíopes estudaram na Europa, alguns eram representantes diplomáticos, e portanto, conhecedores dos conceitos e das dinâmicas dos processos de mediação. Por outro lado, os eritreus eram menos qualificados, com menos experiência a nível de encontros internacionais. Tais diferenças foram visíveis na postura ao longo das negociações, a qual variou de uma atitude inicial de confronto para uma maior abertura e disponibilidade negocial. No décimo terceiro dia de negociações chegou-se a um acordo sobre a maioria dos pontos da seguinte agenda, apenas ficando de fora os pontos 5, 6 e 7: 1. Publicidade Em relação à escolha da presidência das negociações, a Etiópia era favorável à existência de um presidente africano, para além de Jimmy Carter. A delegação apresentou dois nomes: Robert Mugabe e Julius Nyerere. A Eritreia só concordaria com esta proposta caso a co-presidência fosse um cargo rotativo ocupado por uma figura honorária. A escolha dos observadores revelou-se uma questão ainda mais difícil. Para a Etiópia o conflito era um assunto interno, por conseguinte, seriam necessários poucos observadores governamentais, em vez de membros de organizações internacionais. A Eritreia, pelo contrário, postulava a existência de muitos observadores – que também seriam os mediadores – provenientes de onze governos, para além da Liga Árabe e da Organização de Unidade Africana, com vista a internacionalizar o conflito. A proposta de Jimmy Carter consistia na presença de sete observadores iniciais, sendo os outros escolhidos posteriormente. Quanto à constituição do secretariado, as opiniões eram também divergentes. Para a Etiópia deveriam ser os co-presidentes a escolher os membros, os quais estariam em nome pessoal e não em representação institucional. Os eritreus consideravam que o secretariado deveria funcionar nos mesmos moldes que a equipa de observadores. As partes não chegaram a um acordo substancial, tendo sido necessária uma nova ronda negocial, desta feita na capital do Quénia, Nairobi. O encontro de Atlanta, assim como o seguinte, foi finalizado com uma conferência de imprensa, onde ficou sublinhada a vontade das duas partes de continuar as conversações.
As negociações em Nairobi (Novembro - Dezembro de 1989) Nos sessenta dias que separaram os dois encontros, as delegações ficaram incumbidas de fazer “trabalho de casa” em torno das questões ainda em aberto. Durante este período, o Centro Carter contactou os vários observadores, os anfitriões da reunião seguinte, o Banco Mundial e as agências de desenvolvimento. Em relação a estes últimos o que se pretendia era estudar um possível pacote de incentivos a conceder às partes em caso de evoluções positivas nas negociações. Mikhail Gorbachev (ex-presidente da ex-URSS) foi igualmente contactado, no sentido de poder usar o seu poder de influência junto do governo etíope, persuadindo-o a aceitar uma solução pacífica do conflito. Os mediadores levaram também a cabo um árduo processo de “brainstorming”, juntamente com alguns académicos e conselheiros. Em Nairobi as condições em que decorreram as negociações foram muito diferentes das que se verificaram em Atlanta. Raramente foi possível agregar, em simultâneo, as partes e a equipa da Rede Internacional de Negociação. Cada uma das delegações parecia inflexível e irredutível nas suas posições. Insistiam em manter as opiniões expressas nos EUA, apesar das negociações decorrerem num espaço (“peace house”), onde também os aspectos simbólicos não foram esquecidos. Portanto, o principal objectivo da mediação seria derrubar as barreiras que impediam a passagem da discussão formal e processual para as negociações substanciais. Acabaram por chegar a acordo sobre três pontos que tinham ficado em aberto em Atlanta: • A mediação seria encabeçada por Jimmy Carter e Julius Nyerere; • Escolheram sete observadores: dois sem qualquer restrição da outra parte (Etiópia optou pelo Zimbabwe e o Senegal, a Eritreia apontou a ONU e a OUA), três por consentimento mútuo (Sudão, Quénia e Tanzânia) e os outros dois seriam escolhidos mais tarde; • A escolha do secretariado caberia aos mediadores. O facto da ONU rejeitar o convite para ser observador (alegando o princípio da não ingerência e, também, porque tinha percebido que não era uma escolha consensual das duas partes) foi um dos factores que contribuíram para que a Eritreia quisesse abandonar as negociações. O presidente Carter foi por isso acusado de estar do lado da Etiópia, a despeito de toda a sua disponibilidade em tentar reverter a situação. Todavia, a ONU só mudaria de opinião quando também foi convidada pelo CentroCarter com a autorização da Etiópia (Junho de 1990), que via a sua capacidade militar francamente debilitada devido às investidas da Eritreia e da FPLT. Derrubada esta barreira, marcou-se para Julho de 1990 a primeira ronda de negociações concretas e substantivas, a qual não chegou a realizar-se dado que a Eritreia abandonou o processo de paz. Na opinião dos líderes da FPLE, a única forma de pôr termo às hostilidades seria através da realização de um referendo sob os auspícios da ONU, que veio a ter lugar em 1993, ano de independência da Eritreia.
O modelo de mediação do “Centro Carter” Foi tendo em conta a natureza do conflito, a sua complexidade, duração e baixa probabilidade de sucesso que o Centro Cárter desenhou uma estratégia de mediação multifaseada, utilizando vários “caminhos” para chegar ao objectivo pretendido: a resolução pacífica do conflito. Assim, no âmbito do que se designa “Multi-Track Diplomacy” (diplomacia informal e actividades não oficiais desenvolvidas por ONG’s), conduziu a mediação através de quatro modalidades: • “Track One” – Abordagem formal, negociações convencionais com as partes. • “Track Two” – Trabalho informal: contacto com os governos (URSS, EUA) e organizações internacionais que poderiam influenciar as partes. Uma estratégia importante para derrubar algumas barreiras que pudessem ter surgido no Track One. • “Track Three” – Contacto com as instituições financeiras (BM e FMI) e com as agências de desenvolvimento. Uma etapa importante para as decisões relativas aos procedimentos das negociações, acordo de cessar-fogo, alívio da fome, questões étnicas, acesso ao mar Vermelho, etc. Foi uma via pouco utilizada por causa do abandono do processo de paz. Caso as negociações tivessem chegado às questões substanciais esta teria sido uma abordagem muito utilizada. • “Track Four” – Consistiu na análise académica. Tem a ver com interesses de longo prazo com os meios para alcançá-los, incluindo modelos para a reforma constitucional e para a ajuda ao desenvolvimento. Podia-se avaliar os ganhos conjuntos para as partes, o que ajudaria muito nas negociações formais (Track One). Para além dessas modalidades consegue-se distinguir na abordagem do Centro cinco fases de actuação: Fase I – testar a viabilidade da actuação dos mediadores; Foram pelo menos três as estratégias adoptadas em cada uma das modalidades: • “Estratégia de barganha” – Discussões face a face; contacto com os líderes mundiais, conferências de imprensa periódicas (a exposição aos media foi utilizada, com mestria, como uma das formas de pressionar as partes. Nenhuma das delegações queria ser condenada publicamente por dificultar as negociações). Esta estratégia evidenciou a forma hábil como Cárter geriu cada nova situação, levando as partes a acordar sobre matérias aparentemente irresolúveis. • “Estratégia de negociação à volta de um único texto” – Consistiu na utilização de um texto proposto pelos mediadores, que era negociado e corrigido com as duas partes e no qual se podia, de alguma forma, avaliar a evolução das negociações. • “Estratégia conjunta Problema/solução” – Através desta estratégia o Centro tentou mostrar às delegações que se eram parte de um problema também podiam contribuir para a sua solução. Era preciso deixarem de ser inimigos e passarem a ser parceiros na busca pela paz. A este conjunto de factores acrescem ainda três mais-valias que constituem, por conseguinte, factores de sucesso das actividades do Centro, em geral e da mediação dos conflitos, em particular. São elas: a eminência do Presidente Carter, o acesso privilegiado e imediato aos líderes mundiais e às informações e ao apoio logístico facilitado. Se a abordagem de mediação e intervenção do Centro Carter no conflito entre a Etiópia e a Eritreia não foi formal, “oficial”, o balanço que se faz dela também não pode ser convencional. Por outras palavras, considera-se que foi um processo muito positivo, apesar de não ter conseguido pôr de imediato fim às hostilidades, uma vez que alcançou objectivos estruturantes e de longo prazo, tais como avanços na luta contra a fome e a promoção dos direitos humanos, e finalmente o referendo e a independência da Eritréia em 1993.
Informação Complementar OUTRAS INICIATIVAS DO “CENTRO CARTER A intervenção do Centro Carter na Etiópia e na Eritreia não se resume à mediação de conflitos, existindo uma longa história de interacção com os governos destes países, no âmbito da promoção dos direitos humanos, luta contra a fome e erradicação de doenças. • Promoção dos direitos humanos (Programa dos Direitos Humanos) A primeira intervenção nesta área data de Agosto de 1988 quando Jimmy Carter intercedeu junto do então Presidente da Etiópia, Mengistu Haile Mariam, a favor da libertação de prisioneiros (30 judeus etíopes e 220 somalis). No início da década de 90, o actual primeiro-ministro etíope, Meles Zenawi, convidou o Centro a apoiar o Estado na concepção e aplicação dos mecanismos de protecção dos direitos humanos. Neste sentido, implementou em vários ministérios um programa de treinamento cujo o objectivo principal era aumentar a importância do respeito pelos direitos humanos. O Centro tem também organizado (desde 1994) vários workshops com vista a introduzir a temática dos direitos humanos nos curricula escolares. • Luta contra a fome (Sasakawa – Global 2000) Nesta, que é a principal luta destes países, o Centro tem actuado em parceria com a Sasakawa Africa Association, através de um programa de ajuda ao aumento da produção agrícola, o qual tem tido resultados positivos em todo o continente africano. O programa consiste no ensino de novas técnicas aos agricultores e na atribuição de um crédito para sementes e fertilizantes, com o objectivo de duplicar ou triplicar a produção. Os agricultores são também apoiados na identificação de mercados para o escoamento dos excedentes, bem como nos métodos de armazenamento. • Erradicação de doenças (Programa Global 2000) Através deste programa o Centro almeja contribuir para a erradicação das seguintes doenças: “verme da Guiné”, “cegueira do rio”, tracoma. Para este efeito tem organizado campanhas de educação para a saúde, apoio à melhoria das condições da água, distribuição de medicamentos, treinamento de voluntários, etc. Este programa, tal como os demais, é implementado numa lógica de capacitação, de “empowerment” dos nacionais de cada país. GRESH, Alan [et al.] – “A África Subsariana, uma zona abandonada, Proliferação de conflitos perante a indiferença”. In Atlas da Globalização, S.I.: Le Monde Diplomatique, Campo da Comunicação LATA, Leenco – “The Ethiopia-Eritrea War”. In Review of African Political Economy: “The Horn of Conflict”, S.n.: Editor Jonh Markakis, Carfaz Publishing, N. 97, pp. 369-388 PRENDERGAST, John – “US Leadership in Resolving African Conflict: The Case of Ethiopia-Eritrea”. http://www.usip.org/pubs/specialreports PRENDERGAST, John – “Building for peace in the Horn Africa, Diplomacy and Beyond”. http://www.usip.org/pubs/specialreports SPENCER, Dayle E. e SPENCER, William J., “The International Negotiation Network: A New Method of Approaching Some Very Old Problems”. In The CarterCenter, November 1992 – www.cartercenter.org
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