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- JANUS 2005 -

Janus 2005



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Portugal em Timor-Leste: da UNTAET à UNMISET

Elisabete Cortes Palma *

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Os objectivos e o tipo de acções desenvolvidas pelos agentes policiais portugueses em Timor-Leste, assim como noutras missões, dependeram da história do conflito e da organização responsável pela missão, e foram executadas de acordo com um mandato específico, no caso concreto as resoluções do Conselho de Segurança1272 (1999), 1338 (2001) e 1392 (2002). Por decisão das Nações Unidas, coube a Portugal o envio para Timor-Leste de duas forças policiais distintas, uma polícia civil e uma força policial “musculada”, para manutenção e reposição da ordem pública, uma vez que, decorrente dos laços históricos existentes e da partilha da mesma língua, seria, provavelmente, a força melhor aceite pelo povo timorense.

 

A GNR na UNTAET

Observando rigorosos critérios de selecção e formação (nas áreas dos direitos humanos, história do conflito, missões de paz, ONU, língua inglesa, técnicas de condução especial, detecção de explosivos, transmissões, topografia, cartografia, tiro, orientação e sobrevivência, negociação e mediação), por despacho do Comandante Geral da Guarda Nacional Republicana (GNR), foi criada, no Batalhão Operacional do Regimento de Infantaria, a 3ª Companhia de Ordem Pública, composta por cento e vinte militares voluntários (um major, Comandante da Companhia; um capitão, Adjunto do Comandante; quatro oficiais subalternos – dois Comandantes de Pelotão, um Oficial de Ligação e um Oficial médico–; dois sargentos-chefes; dois sargentos-ajudantes; doze primeiros/segundos- sargentos e noventa e oito praças). Logo destacada para Timor Leste sob a forma de Formed Team ou Unidade Constituída de Polícia, transpôs para o quadro desta organização o enquadramento vigente na NATO, com a designação inicial de Força de Intervenção Rápida, mais tarde Special Police Unit (SPU).

De acordo com os regulamentos das Nações Unidas, as SPU eram Companhias integradas no canal de logística e reabastecimento da ONU, mas auto-sustentáveis, executando todas as tarefas necessárias de comando, instrução, operacionais e logísticas, à semelhança dos contingentes militares, na área da sua responsabilidade. Não diluído entre as diferentes forças policiais no terreno e independente das esquadras, o contingente da GNR estava directamente sob comando do Police Commissioner. Na ausência deste, apenas o Joint Operation Center ou Centro de Operações Conjunto podia dar ordens directas a esta SPU. O contingente português teve, inicialmente, sob a sua responsabilidade todo o território de Timor, à excepção de Ouécussi. Mais tarde, com a chegada da Unidade Jordana, o território seria dividido, ficando sob a alçada da GNR os distritos de Aileu, Ainaro, Díli, Ermera, Liquiça, Maliana, Same e Suai.

As suas funções, enquanto componente de forças de reserva da CIVPOL, correspondiam ao trabalho que a força desenvolve em Portugal: a execução de missões específicas de polícia na área da manutenção e restabelecimento da ordem pública. No dia-a-dia, as principais acções da GNR traduziam-se no policiamento dos locais, com patrulhamento intensivo e segurança de itinerários; buscas e salvamentos; controlo de multidões e motins; controlo das milícias; controlo de pessoas, veículos e habitações; detecção de armas e explosivos; segurança pessoal de visitantes (altas entidades); guardas de honra; e anti-terrorismo. Os elementos da GNR colaboraram ainda no apoio humanitário e desenvolveram actividades culturais, como o ensino da língua portuguesa, a organização de eventos culturais, de provas desportivas, de concertos ou a distribuição de livros em língua portuguesa. Já com o terceiro contingente em Timor (as comissões eram de seis meses), os recém-formados agentes policiais timorenses passaram a estagiar junto da GNR, acompanhando os militares portugueses nas patrulhas.

 

A PSP na UNTAET

Igualmente integrada na CIVPOL, e na sequência do contingente definido pelas Nações Unidas, a Polícia de Segurança Pública (PSP) iniciou a sua participação na UNTAET com um efectivo de quarenta e cinco agentes (cinco oficiais, dezasseis subchefes e vinte e quatro agentes), incluindo o primeiro Police Commissioner (Comandante da CIVPOL) em Timor-Leste. Os agentes da PSP, equipados com o armamento adequado às necessidades de autodefesa, foram enquadrados na CIVPOL de forma distinta aos militares da GNR. Em missões individuais, com apoio sanitário e transportes garantidos pela cadeia da ONU, mas encarregues da respectiva alimentação e alojamento, foram colocados em postos espalhados pelos treze distritos de Timor (pelo menos dois por distrito), estando alguns ligados a unidades especiais e à Academia de Polícia (cujo cargo de Director foi ocupado, aquando do primeiro curso de formação de novos agentes, por um Comissário português).

No quadro do seu mandato, coube aos agentes da PSP providenciar pela segurança, mantendo a lei e a ordem; estabelecer uma Administração eficaz; auxiliar no desenvolvimento dos serviços civis e sociais; garantir a coordenação e entrega de ajuda humanitária; auxiliar na criação da capacidade para autogoverno; e auxiliar na criação de condições de desenvolvimento. A missão passou, igualmente, pela criação e funcionamento da Polícia de Timor, num contexto de prática inexistência de infra-estruturas e em que o universo de potenciais candidatos praticamente não falava português. Paralelamente à escolha e reabilitação do local, preparação de viaturas, uniformes e armamento, foi necessário elaborar um plano de formação, decidir quais os conteúdos a ministrar, elaborar documentação e material didáctico em quatro línguas (português, bahasa, tétum e inglês), divulgar a abertura de vagas por todo o território e seleccionar formadores e formandos (testes físicos e escritos).

Apesar das dificuldades inerentes ao processo e de esta formação ser ministrada sempre com recurso a tradutores, a Academia de Polícia seria a primeira instituição a entrar em funcionamento no território (27 de Março). À semelhança das restantes forças nacionais, também os agentes da PSP, nos seus tempos livres, ajudaram, de forma voluntária, nas mais variadas tarefas as populações, chegando, inclusivamente, a ministrar aulas de português e de matérias do ensino básico, actividade apoiada directamente por Portugal, através do envio de material para esse fim.

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O comando português da CIVPOL

O contributo português para a UNTAET passou ainda, como foi já referido, pela nomeação de um oficial para o cargo de Police Commissioner. Para além da responsabilidade pela coordenação da CIVPOL, durante os primeiros seis meses houve uma preocupação especial no sentido de criar uma relação de cordialidade e de colaboração mútua com a população, desenvolvendo, para tanto, o Police Commissioner, o contacto directo com as populações, com o objectivo de as informar sobre o papel da polícia num regime democrático – os motivos da actuação ou da sua não actuação – e dar a conhecer a UNTAET, assim como esclarecer dúvidas e responder às questões levantadas pelos timorenses.

A nomeação de um Comandante da CIVPOL de nacionalidade portuguesa acabaria, aliás, por se revelar um dos factores significativos para a concretização das missões das forças portuguesas envolvidas, uma vez que a cadeia de comando estabelecida logo no início da UNTAET – Representante do Secretário Geral da ONU, Comandante da CIVPOL, Comandante da SPU e Comandante de Sector Central – tinha em comum o português como língua materna. Acresce que a polícia, força de intervenção e forças militares eram chefiadas por oficiais portugueses, daí resultando não só um canal de comunicação sem interferências linguísticas mas, e sobretudo, a partilha de um modus operandi comum.

Seria igualmente essa a grande vantagem inicial do contingente da GNR: tratava-se de uma unidade constituída cujos elementos trabalhavam juntos já há algum tempo. Para o sucesso das forças policiais portuguesas contribuiu igualmente, no caso da GNR, a preocupação, aquando do processo de selecção, de se incluir no contingente um elemento que falava tetum e cerca de quarenta dialectos locais, e de, no caso dos efectivos da PSP, o envio para Timor de agentes com experiência não apenas em missões de paz da ONU mas, igualmente, da realidade africana. Por outro lado, a ausência de lei, de normas codificadas e dos sistemas judicial e prisional em funcionamento, a par da existência de milícias no território e de uma realidade em que, na mesma força policial, estavam enquadrados homens de quarenta e uma nacionalidades, constituiu a grande dificuldade inicial para a CIVPOL. Iniciando a sua missão em Janeiro, o primeiro julgamento realizou-se apenas em Maio. Durante este intervalo temporal, o bom senso, a observância das regras democráticas e o diálogo com a população foram as ferramentas de que se socorreu para manter a ordem. Posteriormente, seria adoptado o Código Penal Indonésio, depois de expurgado dos artigos lesivos dos Direitos Humanos, sendo ultrapassadas as dificuldades iniciais com a construção de dois estabelecimentos prisionais.

 

A UNMISET

Em 20 de Maio de 2002, Timor-Leste tornou-se um país independente e a UNTAET terminou a sua missão de administração transitória. Foi substituída, a partir de então, pela UNMISET, Missão de Apoio das Nações Unidas em Timor Leste (Resolução n.º 1410 do Conselho de Segurança, de 17 de Maio de 2002), encarregue de providenciar assistência às estruturas administrativas centrais críticas para a viabilidade e estabilidade política de Timor Leste; providenciar o cumprimento interino da lei e da segurança pública; prestar assistência no desenvolvimento dos Serviços de Polícia de Timor-Leste e contribuir para a manutenção da segurança interna e externa do novo país. O contingente militar nacional, já reduzido em Abril, e na sequência do fim da missão do PORAVN a 31 de Julho de 2002, passou a ser composto por cinco militares no Quartel-General da Força, quatro militares no Quartel-General do Sector, um Batalhão de Infantaria, estacionado em Díli, composto por quatrocentos e oitenta e sete militares e uma Companhia de Fuzileiros com cento e cinquenta e cinco efectivos. Em meados de Janeiro de 2004, partiu para Timor-Leste uma unidade com a designação de “Agrupamento HOTEL”, composta de quinhentos e cinco militares que integram o último contingente nacional significativo, sob mandato da ONU, ali presente.

Embora o final da actividade operacional da UNMISET esteja oficialmente marcado para 20 de Maio de 2004 (Resolução 1480, de 19 de Maio de 2003), a missão deverá manter-se no terreno até 2005. E uma vez que Portugal é favorável à manutenção das Nações Unidas em Timor, com a sua componente militar, o nosso país continua disposto para contribuir no formato que vier a ser definido, não obstante prever-se uma redução substancial do contingente multinacional (Kofi Annan propõe um efectivo de 310 capacetes azuis, 157 polícias civis, 42 militares oficiais de ligação e 58 assessores civis) e, previsivelmente, do português. Na UNMISET-PKF, sob comando da Malásia, para além do contingente referido, as Forças Armadas portuguesas mantêm em Timor-Leste dezasseis oficiais, sargentos e praças no Comando e Estado-Maior da PKF, bem como a chefia dos observadores militares da ONU naquele país.

Com a independência do território, passaram os próprios timorenses a assumir as funções desempenhadas pela GNR e pela PSP. As forças de segurança nacionais actualmente na CIVPOL, dezasseis agentes da PSP e em número idêntico da GNR, agora na qualidade de monitores de polícia, estão sob comando australiano, cabendo-lhes funções de supervisão e acompanhamento. Fora do quadro das Nações Unidas, em funções de cooperação técnico-militar, há ainda treze oficiais e sargentos portugueses que apoiam a formação das Forças de Defesa de Timor-Leste.

 

O interesse dos media

As características particulares que envolvem Timor-Leste têm suscitado, desde o início, um acompanhamento razoável da participação das nossas forças nas missões da ONU naquele território por parte dos media nacionais, quer em Portugal, quer no terreno. A fase de preparação que se seguiu ao anúncio dos dirigentes políticos e militares da disponibilização de um contingente nacional para participar na INTERFET foi objecto de inúmeras referências em todos os órgãos de comunicação social. Os primeiros cinco meses de missão que se seguiram seriam objecto de uma cobertura mais equilibrada. Timor voltaria à “ordem do dia” por ocasião do primeiro aniversário do referendo de Agosto de 1999. O número de jornalistas portugueses no território (LUSA, RTP, SIC, TVI, RDP, RR, TSF, Público, Diário deNotícias, Visão) foi, nesse período, superior ao que se verificou à data da chegada do primeiro contigente nacional a Timor-Leste. Tendo por pano de fundo a actividade das milícias pró-Indonésia e o Congresso doCNRT, a pressão dos media aumentou.

Com a saída do território de grande número de jornalistas, seria possível voltar a um relacionamento de confiança mútua mais calmo e bastante proveitoso, quer para as tropas em campanha, quer para os jornalistas. Refiram-se, a título de exemplo, a cobertura da missão do contingente nacional de escolta no regresso a casa de duzentos e dez deslocados por jornalistas da RTP, TSF e LUSA (28 de Setembro de 2000), e algum trabalho de equipa, em termos de troca de informações, úteis a ambos os intervenientes. Desde então, a participação portuguesa na primeira missão de Country Building das Nações Unidas, assim como na sua sucessora, a UNMISET, continuaram a atrair a atenção dos media nacionais, sendo tema periodicamente abordado na nossa comunicação social.

 

Informação Complementar

INSTRUMENTOS JURÍDICOS APLICÁVEIS

PORTUGAL, MDN, Portaria 20/2000, de 25 de Janeiro, DR, I Série-B, n.º 20, 25 de Janeiro de 2000.

PORTUGAL, MDN, Portaria 458/2001, de 8 de Maio, DR, I Série-B, n.º 106, 8 de Maio de 2001.

PORTUGAL, MDN, Portaria 59/2000, de 12 de Fevereiro, DR, I Série-B, n.º 36, 12 de Fevereiro de 2000.

PORTUGAL, MDN, Portaria 908/99, de 14 de Outubro, DR, I Série-B, n.º 240, 14 de Outubro de 1999.

ONU – S/RES/1272 (1999), de 25 de Outubro de 1999, Conselho de Segurança da ONU.

ONU – S/RES/1410 (2002), de 17 de Maio de 2002, Conselho de Segurança da ONU.

ONU – S/RES/1418 (2003), de 18 de Maio de 2003, Conselho de Segurança da ONU.

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* Elisabete Cortes Palma

Licenciada em Relações Internacionais pela UAL. Pós-Graduada em Estudos do Sistema Internacional pelo ISCSP. Mestranda em Relações Internacionais no ISCSP. Bolseira do Ministério da Ciência e do Ensino Superior.

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Bibliografia

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