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- JANUS 2005 -

Janus 2005



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A articulação entre agentes diplomáticos e missões de paz

António Monteiro *

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Há mais de 50 anos, quando surgiram, as operações de manutenção de paz não eram vistas como uma função primordial da nova organização mundial. Ao decidir estabelecer uma primeira missão de paz em 1948, que ainda hoje existe, a UNTSO (United Nations Truce Supervisory Organisation in the Middle East), dava sobretudo resposta a uma necessidade entendida como temporária.

 

A evolução das operações de paz

Progressivamente, o conceito de peacekeeping tem evoluído e a acção dos capacetes azuis tornou-se uma parte significativa das actividades das Nações Unidas. Mas, com a excepção da operação no Congo, no princípio da década de 60, as Nações Unidas actuaram em operações de natureza linear, envolvendo sobretudo as tarefas de separação de forças armadas e supervisão de linhas de cessar-fogo, integrando apenas observadores militares e com o prévio consentimento dos Estados envolvidos. Com o final da Guerra Fria, esta situação foi significativamente modificada, tornando-se as operações de paz nos anos 90 mais numerosas do que em todas as décadas precedentes.

Por outro lado, foram desenvolvidas novas abordagens, com vista a consolidar a paz após os conflitos (“post-conflict peacebuilding”) e uma maior importância foi dada à sua prevenção. Esta evolução resultou principalmente do novo contexto geopolítico, com destaque para o fim das razões da paralisia na actuação do Conselho de Segurança, o desaparecimento do poder de influência dos dois blocos para controlar e limitar os confrontos, e a mudança da natureza dos conflitos, que passaram a conjugar cada vez mais questões de natureza interna e actores não estatais. Em pouco tempo, contudo, o mundo real voltou a impor-se. A falência de respostas a crises como as da Bósnia, Somália e Ruanda trouxeram à tona o que no fundo se temia: o fim da competição ideológica, por si só, não significava que fosse possível prevenir os conflitos, pôr termo a guerras civis ou desanuviar as tensões entre os Estados.

Numerosos foram aqueles que então se interrogaram sobre a capacidade do sistema das Nações Unidas em contribuir de uma forma útil e determinante para a resolução dos conflitos e sobre a oportunidade de lhe confiar novos mandatos para a manutenção da paz. Sucederam-se debates acerca dos seus aspectos doutrinários, com referências aos capítulos VI e VII da Carta, aos novos conceitos de imposição da paz e do direito/dever de intervenção ou acção humanitária, e ao papel das organizações regionais e sub-regionais. A crise económica asiática abalou, em seguida, a crença no valor do processo da globalização económica baseado no neoliberalismo dominante.

 

Complexidade e aperfeiçoamento das operações de paz

Mas o final da década de 90 foi igualmente testemunha de outros desenvolvimentos. No terreno, a situação em Timor-Leste, no Kosovo, na Serra Leoa e, mais recentemente, na República Democrática do Congo obrigaram e obrigam a missões exigentes e altamente complexas por parte das Nações Unidas, onde as probabilidades de sucesso estão à partida longe de ser as melhores. O caso de Timor-Leste é particularmente exemplificativo, tendo sido simultaneamente a maior missão das Nações Unidas, em termos quantitativos e qualitativos, e o seu maior êxito. Aliou as componentes militar, policial e civil com vista à administração de um território, o que implicou a execução de tarefas tão vastas e distintas como a segurança externa e interna, o estabelecimento de novas estruturas políticas, administrativas, jurídicas e educativas, a reconstrução financeira, económica e agrícola, a reabilitação de infra-estruturas em todos os domínios, e a assistência e organização de eleições, que vão muito para além da consolidação ou da restauração da paz.

Tal significa que, na família das Nações Unidas, o Banco Mundial, o FMI, o PNUD ou o Departamento de Assistência Eleitoral, entre outros, constituem parceiros indispensáveis se se pretende evitar recuos e encontrar soluções para as causas profundas dos conflitos, incluindo a redução da pobreza, o crescimento económico e a protecção de minorias, sendo hoje um facto incontestável as ligações de interdependência entre a segurança, o desenvolvimento sustentável a longo prazo e a promoção dos direitos humanos. Acresce que os processos de reconciliação nacional pressupõem, muitas vezes, a garantia de que será feita justiça, o que torna cada vez mais premente a entrada em vigor do tratado que institui o Tribunal Penal Internacional.

As “modernas” operações de paz integram múltiplos componentes e exigem uma coordenação e cooperação reforçada, com o objectivo de assistir os beligerantes na prossecução da defesa dos seus interesses através de canais políticos. Com essa finalidade, as Nações Unidas procuram criar e fortalecer instituições políticas e alargar a sua base, trabalhando em conjunto com Governos, Organizações Não-Governamentais e grupos de cidadãos, com vista ao fornecimento de ajuda humanitária de emergência, ao desarmamento, desmobilização e reintegração de ex-combatentes na vida civil, à desminagem e à criação de tribunais ad hoc, à adopção e fiscalização de sanções. Assiste-se, por sua vez, à cada vez maior intervenção de organizações regionais, sub-regionais e de “coligações ad hoc de Estados”.

 

A participação portuguesa em missões de paz

Há anos que Portugal vem aumentando o perfil da sua actuação no domínio multilateral. Refiro-me aqui, não apenas às Nações Unidas, mas a outros espaços multilaterais a que actualmente pertencemos, com óbvio destaque para a UE, NATO e CPLP. Ao fazê-lo, retomamos, no fundo, em figurino contemporâneo, uma tradição secular de procurar o contacto com outros povos e civilizações. Através do envio de contingentes, oficiais e observadores militares, elementos policiais e observadores eleitorais, Portugal participou já em mais de quinze operações de paz das Nações Unidas desde o final da Guerra Fria. Em Março de 2004, tínhamos 557 elementos em vários pontos do mundo (MONUC, na R. D. Congo, 9 polícias; UNMIK, no Kosovo, 10; e UNMISET, em Timor-Leste, 538 militares e polícias), figurando em 22º lugar na lista dos países contribuintes para as operações de paz das Nações Unidas. As prioridades da nossa actuação diplomática têm, em grande parte, correspondido a sectores nos quais Portugal tinha já uma palavra a dizer. O nosso principal foco tem sido África, onde estivemos presentes, de uma forma ou de outra, em operações das Nações Unidas em Angola (UNAVEM II e III, MONUA), Moçambique (ONUMOZ), Sara Ocidental (MINURSO), República Centro-Africana (MINURCA) e África do Sul (UNOMSA). Na Europa, participámos na Bósnia-Herzegovina (UNPROFOR e UNMIBH/ IPTF), Croácia (UNMOP) e ex-República Jugoslava da Macedónia (UNPREDEP). Na América Central, estivemos na Guatemala (MINUGUA).

Os nossos soldados, polícias e observadores civis têm desempenhado funções importantes, ocupando, por vezes, lugares de chefia e assegurando componentes essenciais das operações de paz como, por exemplo, as comunicações, a logística e o apoio médico. Para a evolução verificada, muito contribuiu uma maior articulação entre os Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Defesa Nacional. Desde logo, em Lisboa, através da criação de um grupo de trabalho, com os assuntos relativos às operações de paz a constituir grande parte da agenda das reuniões; na representação permanente de Portugal em Nova Iorque, através da nomeação de um adido militar; e na sede das Nações Unidas, onde foi sentida a necessidade de patrocinar candidaturas de oficiais ao Departamento de Operações de Paz da Organização.

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Esta evolução positiva culminou na colocação naquele Departamento de um português, que anteriormente desempenhava idênticas funções, como conselheiro, na nossa missão diplomática junto das Nações Unidas. Deu-se assim, de forma clara, um salto qualitativo na representação externa do nosso país, que, politicamente, foi acom panhado pela defesa constante de uma maior abertura e transparência do Conselho de Segurança aos países contribuintes de tropas para as operações de paz. Esta foi, aliás, uma das prioridades da segunda presença portuguesa naquele órgão, no biénio de 1997-98.

O sucesso das contribuições portuguesas para a ONUMOZ, em Moçambique, e para a UNAVEM, em Angola, foi amplamente reconhecido e começou a criar o bom nome de que hoje Portugal goza. Kofi Annan chegou, em tempos, a referir as dúvidas que foram colocadas, à época em que chefiava o Departamento de Operações de Paz, quanto à participação nacional em acções de carácter militar nas antigas colónias, e como todos foram surpreendidos, não só pelo desempenho exemplar e imparcial, mas, sobretudo, pela qualidade única de relacionamento pessoal entre portugueses, moçambicanos e angolanos.

A participação nacional na SFOR demonstrou, por sua vez, que a resposta portuguesa a obrigações de solidariedade internacional não se limita ao conceito das “causas do nosso especial interesse”, nem ao quadro das Nações Unidas. Dispomos, dispusemos ou iremos dispor de uma presença em teatros de operações tão distintos como o Iraque, Bunia (R. D. Congo) ou Afeganistão. Apesar da participação portuguesa em operações de paz das Nações Unidas ser ainda uma realidade recente, os óptimos resultados alcançados pela nossa participação em operações multilaterais da NATO, da UE e “coligações ad hoc de Estados”, ou os nossos programas de assistência e cooperação bilateral na área militar, justificam um continuado empenho por Portugal em acções da comunidade internacional na área da segurança colectiva.

 

Informação Complementar

OS INSTRUMENTOS DIPLOMÁTICOS AO SERVIÇO DA PAZ

Para além das operações de manutenção da paz, existem outros meios ao serviço da diplomacia.

Os agentes da prevenção – Como é sabido, o Conselho de Segurança da ONU detém a responsabilidade principal em matéria de manutenção de paz e segurança internacionais. Mas o Secretário Geral tem um papel específico previsto na Carta em matéria de prevenção de conflitos, que foi expressamente reafirmado na declaração presidencial de 30 Novembro 1999, sobre “o papel do Conselho de Segurança na prevenção de conflitos armados”. A avaliação pelo Secretário Geral de uma ameaça potencial à segurança e paz internacional – e as recomendações que ele possa fazer ao Conselho no que respeita a acções preventivas apropriadas – constituem um elemento essencial da tomada de decisão por aquele órgão.

Aviso precoce (“early warning”) – O Secretário Geral deve, em primeiro lugar, contar com um sistema efectivo de informações precisas sobre a evolução potencial das situações de crise que o habilite a propor uma resposta apropriada e proporcional ao grau de ameaça. Quanto mais cedo for o aviso, mais eficaz pode ser a resposta da ONU, visto poder então dispor ainda de um leque generalizado de medidas a adoptar. Para além dos recursos próprios do Secretariado, as informações poderão provir de quaisquer fontes credíveis (e disponíveis), incluindo de organizações não governamentais – frequentemente o elemento internacional mais bem informado no terreno. Mas os Estados têm uma responsabilidade particular em apoiar a ONU no seu sistema de aviso precoce. Devem partilhar activa e rapidamente a “inteligence” relevante ao seu alcance e ajudar à elaboração de respostas apropriadas ao evoluir das situações.

Diplomacia preventiva – Expandir e aumentar a flexibilidade dos meios tradicionais da diplomacia pode ser uma estratégia útil para a mediação de uma crise que se está a agravar. O recurso a enviados especiais, à chamada “shuttle diplomacy”, a missões de avaliação factual – “fact-finding missions” –, ou de bons ofícios, e a promoção de medidas de construção de confiança podem constituir os canais necessários para ajudar a reduzir as tensões e a evitar a intensificação da violência. Há toda uma gama de diplomacia paralela, “silenciosa” ou não, que pode ser activada para atenuar confrontos, sem prejuízo de, em simultâneo, se manterem os canais da diplomacia tradicional, multilateral ou bilateral. Para que a diplomacia preventiva funcione, as linhas de comunicação entre as partes em disputa devem ser mantidas abertas. A inclinação para isolar uma das partes de um conflito deve ser evitada, tanto quanto possível, numa altura em que o potencial de conflito é elevado. Mas, no caso da diplomacia preventiva não ser suficiente, pode também ser fundamental encarar o uso de medidas mais firmes.

Quiet diplomacy” – A sua natureza confidencial e “low profile” faz com que não caia no domínio publico, pelo menos até à (eventual) conclusão positiva. Ruth Wedgewood identificou os seguintes elementos para uma negociação bem sucedida a cargo de uma missão desta natureza: (1) perceber quando as partes em confronto estão abertas a um envolvimento externo; (2) manter a confidencialidade das negociações; (3) usar judiciosamente incentivos para alimentar as negociações durante impasses; (4) criar prazos limite para a obtenção de acordos; (5) trabalhar primeiro os assuntos mais fáceis e, com o ímpeto criado pelos acordos alcançados, abordar então as negociações mais difíceis; (6) compreender as questões de honra e simbolismo que as partes na negociação possam ter em jogo; (7) manter a confiança de todas as partes envolvidas na negociação, através de diálogo aberto e honesto.

A diplomacia oficial pode também ser apoiada ou complementada por esforços de entidades não governamentais – a chamada Track Two Diplomacy. Oferecendo canais de comunicação privilegiados – e mesmo mediando acordos políticos – as ONG’s podem revelar-se determinantes na busca de soluções. Foi o caso do processo de paz do Médio Oriente, através do papel desempenhado por uma instituição de pesquisa norueguesa na formação de uma base de trabalho para os Acordos de Oslo. Um papel semelhante foi desempenhado pela Comunidade de Santo Egídio de Roma no processo de paz de Moçambique.

Operações preventivas – O estabelecimento e envio de uma missão de paz preventiva das Nações Unidas – “preventive deployment” – também pode ser um instrumento muito útil para a comunidade internacional. Apenas uma tal missão foi criada até à data – o caso da UNPREDEP na antiga República Jugoslava da Macedónia – que foi justificadamente considerada um sucesso.

Desarmamento preventivo e zonas desmilitarizadas – Kofi Annan afirma que a proliferação de armas ligeiras não pode ser considerada unicamente uma questão de segurança, mas também de direitos humanos e de desenvolvimento. O número exorbitante de armas ligeiras em circulação – algumas avaliações colocam o número à volta de 500 milhões – alimenta e exacerba situações de conflito armado. Tarefas essenciais de desarmamento, desmobilização e reintegração social de antigos combatentes, fazem, cada vez mais, parte das operações que asseguram a execução de acordos de paz, porque desempenham um papel importante na prevenção de um eventual ressurgimento do conflito. Outros modelos preventivos, como o estabelecimento de zonas desmilitarizadas, estão a encontrar aceitação como modalidades para a redução de tensões, facilitando a prevenção ou a resolução de conflitos.

Modalidades económicas – A Carta das Nações Unidas encara a possibilidade da adopção de medidas económicas como um instrumento efectivo de pressão sobre as partes em confronto. É neste contexto que o Conselho de Segurança tem vindo a utilizar com frequência vários tipos de sanções, incluindo os embargos de armas, a imposição de restrições comerciais, financeiras e de viagem, a interrupção de comunicações e o isolamento diplomático. Mas o sucesso desigual da aplicação dos regimes de sanções tem chamado uma atenção crescente para os efeitos indiscriminados e, por vezes, negativos das sanções. Por isso a tipologia das sanções tem vindo a sofrer uma evolução progressiva, com as sanções económicas tradicionais de âmbito global a darem lugar a sanções mais específicas e de alvo preciso (“targeted sanctions” ou sanções “inteligentes”).

Medidas de força – A ameaça ou mesmo o uso de força deve ser feito de acordo com a Carta das Nações Unidas e, se possível, em nome de um consenso da comunidade internacional. O actual Secretário Geral lançou a discussão em torno do conceito de intervenção humanitária, que considera necessária para responder a violações graves de direitos humanos e das leis humanitárias. Segundo Kofi Annan, “[...] o desafio chave para o Conselho de Segurança e para as Nações Unidas [...] [é o de] forjar a unidade em torno do princípio de que violações grosseiras e sistemáticas dos direitos humanos, seja onde for, não podem ser aceites”. No seu relatório à Assembleia do Milénio, o Secretário Geral reafirma que “a intervenção armada deve ser sempre utilizada como último recurso, mas face a homicídios em massa (genocídios), essa opção não pode ser afastada”.

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* António Monteiro

Embaixador. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

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