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Janus 2005



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Panorâmica geral das missões de paz

José Jorge Duque *

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Desde Junho de 1958, quando pela primeira vez Portugal enviou um grupo de seis militares para integrar uma missão de manutenção de paz da ONU (UNOGIL visando dissuadir infiltrações sírias no Líbano), até Novembro de 2003, quando se iniciou a mais recente missão de paz de uma unidade da Guarda Nacional Republicana no Iraque (integrada na coligação internacional, em resposta ao apelo da ONU, para estabilizar este país), as Forças Armadas e de Segurança portuguesas participaram em quarenta e oito missões de paz nos cinco continentes, metade das quais sob comando da ONU e as restantes com diversas relações de comando (OTAN, OSCE, UEO, UE, coligações internacionais e algumas sob comando nacional). Neste período verificou-se uma profunda evolução destas missões, quer no plano internacional, quer no âmbito da participação portuguesa.

 

Evolução das missões de paz

Às tradicionais missões de “manutenção de paz” (peace keeping), iniciadas pela ONU em 1948, com observadores desarmados a verificar acordos de cessar-fogo ou de separação de forças, seguiram-se, desde muito cedo, outras mais exigentes, em que foi necessário empenhar unidades militares, para garantir a segurança de instalações, de populações, de corredores humanitários ameaçados, ou dos próprios membros das missões. Estes dois modelos configuram as “primeira” e “segunda gerações” das missões de manutenção de paz, cujos elementos ficaram conhecidos como “boinas azuis” e “capacetes azuis”.

Após 1990, com a predominância de conflitos intra-Estados, envolvendo múltiplos actores, alguns deles informais, a ONU concebeu novos tipos de missões. Para além de manter a paz, foi frequentemente necessário criar confiança entre as partes, aliviar o sofrimento das populações vítimas do conflito, prestar-lhes assistência humanitária, organizar eleições livres previstas nos acordos (por exemplo, nos casos das UNOGIL, UNAVEM e ONUMOZ), democratizar as instituições, designadamente as polícias, e até substituir instituições do Estado, inexistentes ou inoperantes (como foi o caso das UNMIK e UNTAET). Para estas tarefas a ONU recorreu a departamentos seus especializados ou a outras organizações internacionais.

O trabalho de estruturação da força de paz tornou-se mais exigente, visando dimensionar correctamente todas as valências necessárias. Esta passou a ser a tipologia da esmagadora maioria das missões de paz, sendo designadas “missões de manutenção de paz multidimensionais” ou de “terceira geração”. É evidente que só pode ser estabelecida uma missão de manutenção de paz quando e enquanto houver paz para manter, pressupondo que uma trégua ou cessar-fogo estejam a ser minimamente respeitados. Antes disso, na fase de hostilidades, é necessário trazer à mesa das negociações as partes em conflito, através de muitas formas que vão de acções políticas, bons ofícios, arbitragens, mediações e negociações, a outras formas mais “musculadas”, como pressão diplomática, embargos e pressão militar. São as designadas “missões de restabelecimento da paz” (peace making), cujo objectivo é, em geral, estabelecer o cessar-fogo e celebrar um acordo de paz. Elas podem ser conduzidas pela ONU (em geral pelo secretário geral e pelo Departamento de Assuntos Políticos), por outras organizações (OSCE, UE, etc.) ou ainda por países ou grupos de países. Foram os casos dos processos de Bicesse (relativo à paz para Angola, 1990-91), de Roma (paz para Moçambique, 1992), em que Portugal participou activamente, ou ainda das pressões diplomáticas portuguesas que desencadearam o processo de autodeterminação de Timor-leste e conduziram ao Acordo de Nova Iorque (Maio de 1999), entre Portugal e a Indonésia.

Nos conflitos mais graves, o Conselho de Segurança da ONU pode considerar que existe uma ameaça grave à paz e, invocando o Capítulo VII da Carta, decidir outro tipo de missões, incluindo o uso ostensivo da força militar para pôr fim à violência. São as “missões de imposição da paz” (peace enforcement). Segundo a ordem internacional baseada na Carta da ONU, só o Conselho de Segurança tem legitimidade para conferir o mandato para tais missões e, ao contrário de todas as restantes, elas não exigem o consentimento das partes. Na maioria dos casos, tais missões são cometidas pela ONU a organizações internacionais (como a OTAN, nos casos da IFOR, SFOR e KFOR), ou a coligações de países (INTERFET). Elas envolvem maiores riscos, são conduzidas por forças com elevada capacidade de combate e têm custos superiores. Para a sua eficácia é essencial a criação dum comando militar unificado ou a designação de uma “nação líder” (lead nation) ou “nação enquadrante” (framework nation) de toda a operação.

Mesmo que as missões dos tipos anteriores tenham tido êxito, a paz conseguida é muitas vezes frágil. As sociedades pós-conflito encontram-se divididas ou dilaceradas, as suas instituições inoperantes e as infra-estruturas degradadas. São ingredientes que podem fazer reacender o conflito. A ONU conceptualizou para estes casos as “missões de consolidação da paz” (peace building), que podem consistir em missões autónomas sob a direcção do seu Departamento de Assuntos Políticos (como foram os casos da MINUGUA na Guatemala e UNBIS na Guiné-Bissau), ou constituir a tarefa final duma missão de manutenção de paz bem sucedida (eventualmente com alteração do respectivo mandato, sob a direcção do Departamento de Manutenção de Paz (UNMIBH, na Bósnia-Herzegovina e UNMISET em Timor Leste). Neste tipo de missões predominam componentes de organizações especializadas, designadamente de polícia. Salienta-se um caso de cooperação inter-institucional: o Kosovo desde 1999, em que, em simultâneo, a ONU desenvolve uma missão de manutenção de paz (UNMIK), a OTAN uma de imposição da paz (KFOR), a União Europeia e a OSCE actividades de consolidação da paz, sendo que Portugal participou em todas elas.

A OTAN iniciou a sua participação em grande escala em missões de paz em 1995, na Bósnia (IFOR), mas foi com a implementação do seu conceito estratégico, de 1999, que foi desenvolvido um corpo conceptual para estas missões designadas por “operações de apoio à paz” (peace support operations) – um subtipo das “outras operações além da guerra” (other operations than war ). Essa doutrina foi testada nos Balcãs (SFOR e KFOR) inclusive por países não pertencentes à Aliança (inclusive a Rússia), pelo que constituiu um factor de desanuviamento na Europa. Todas as missões de paz conduzidas até hoje pela Aliança Atlântica têm sido do tipo imposição da paz, tendo Portugal participado em todas elas com elementos das Forças Armadas. Também a União Europeia vem ensaiando, desde 1991, a sua participação em missões de paz, embora com uma filosofia diferente baseada no conceito de gestão de crises. Numa primeira fase, em conformidade com as decisões tomadas em Maastricht (1991), foi empenhada a União da Europa Ocidental como componente de defesa da União Europeia para a gestão de crises no âmbito das tarefas definidas na Declaração de Petersberg (Junho de 1992); foram os casos dos embargos do Adriático (1992-96) e do Danúbio (1995), em que Portugal participou.

Numa segunda fase a União Europeia decidiu assumir directamente as “tarefas de Petersberg” [no Conselho Europeu (CE) de Colónia – Junho de 1999] e adquirir capacidades próprias de “gestão militar de crises” (CE de Helsínquia – Dezembro de 1999) e de “gestão civil de crises” (CE de Santa Maria da Feira – Junho de 2000). Assim, em 2003, a União Europeia iniciou três missões de paz: a EUPM, que substituiu a UNMIBH na Bósnia, a operação Concórdia, que substituiu várias missões da OTAN na Macedónia e a operação Artemis na cidade de Bunia, na República Democrática do Congo. Portugal participou nas duas primeiras (na EUPM com elementos da PSP e na Operação Concórdia com Forças Armadas).

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Forças de Segurança em missões de paz

As Forças de Segurança (sejam elas do tipo GNR ou PSP) têm constituído um instrumento de importância crescente nas missões de paz da ONU pós-1990, ou seja, na resolução dos conflitos intra-Estados. Constituem as componentes de Polícia Civil (CIVPOL ou UNPOL) dessas missões. Enquanto, das 16 missões de manutenção de paz iniciadas pela ONU no período 1948-1989, apenas duas possuíam componente CIVPOL (UNFICYP em Chipre desde 1964; UNTAG na Namíbia em 1989), no período 1990-2004 foram iniciadas 39 missões, das quais 28 tinham componente policial.

O trabalho da CIVPOL tem-se revelado importante em dois tipos de missões. O primeiro (missões de apoio) inclui tarefas de monitorização das polícias locais, dissuadindo abusos e o desrespeito dos direitos humanos (por exemplo a GNR na UNAVEM e MONUA, a PSP na ONUMOZ), democratização das forças policiais locais (nisto consistiu a missão da PSP na UNMIBH) ou até, dar-lhes formação adequada (PSP na UNMIK e UNTAET). O segundo tipo (missões de substituição), mais exigente e com maiores riscos, abrange a responsabilidade da segurança interna da área. Inclui tarefas de imposição da lei, manutenção da ordem pública, controlo de tumultos, investigação criminal, etc.

Desde que esteja criado um ambiente satisfatório de segurança militar e nos casos em que é importante usar a força mínima adequada, as Forças de Segurança estão melhor preparadas que as Forças Armadas para estas tarefas (foi o caso de algumas intervenções da GNR na UNTAET). Este tipo de missões exige unidades constituídas de polícia, bem treinadas e equipadas. Desde 2002 a ONU e a OTAN desenvolvem este conceito, incluindo unidades de polícia em apoio de unidades militares e com o apoio destas: são as “Unidades Multinacionais Especializadas” (Multinational Specialized Units – MSU).

 

Portugal em missões de paz

Após a participação na UNOGIL verificou-se uma longa ausência portuguesa das missões de paz até 1989 (UNTAG na Namíbia). Desde 1991 o nível de empenhamento teve um aumento substancial, não só como reflexo do que se passou na própria ONU, mas também, decorrente de opções explícitas da política externa. Os anos de maior empenhamento português foram 1996 (na Bósnia e em Angola), com cerca de 1600 homens, e 2001, com o envolvimento substancial e simultâneo em três teatros de operações (Bósnia, Kosovo e Timor), totalizando cerca de 2000 efectivos. As Forças Armadas, as de Segurança e alguns serviços civis (Estrangeiros e Fronteiras, Protecção Civil, Bombeiros, INEM, etc.) têm sido empenhados também em “missões humanitárias”. Estas podem ser complementares duma missão de paz, ou inserir-se no quadro da solidariedade internacional em situações de desastre ou calamidade natural.

No período 1986-2000, das cinquenta e quatro missões de ajuda humanitária identificadas, trinta e seis integraram-se em missões de paz, tais como a crise pós-eleitoral em Angola (1992), a dos refugiados do Kosovo e a dos refugiados pós-referendo em Timor (ambas em 1999). Regista-se, ainda, um outro tipo de tarefas que, não sendo propriamente missões de paz, nelas as Forças Armadas e de Segurança têm actuado com êxito: são as “missões de resgate”, visando reunir, proteger e repatriar cidadãos nacionais (e/ou outros) residentes em áreas de conflito. De 1990 a 2004 conta-se uma dezena destas missões, todas em África, das quais a mais importante teve lugar em 1993, de Angola para Lisboa, após o insucesso da missão de manutenção de paz da ONU (UNAVEM II). Na década 1993-2002 foi gasto o equivalente a 468 milhões de euros pelas Forças Armadas Portuguesas em missões de paz.

Neste período sobressai o ano de 1996, devido à missão IFOR na Bósnia, que custou cinquenta e três milhões, e o período 2000-2002, devido, principalmente, às missões em Timor-leste, que custaram 151 milhões. O teatro de operações mais dispendioso foi, no entanto, a Bósnia, no período 1995-2002 (172,5 milhões). A missão da GNR em Timor custou onze milhões no período 1999-2002, e a do Iraque foi orçamentada em sete milhões de euros para 2003, sendo que as estimativas apontam para onze milhões em 2004. Em nota final, realça-se que estas missões comportam riscos acrescidos. Até 2004 perderam a vida, ao serviço de missões de paz, dez militares das Forças Armadas, um (oficial) da Guarda Nacional Republicana e três agentes da Polícia de Segurança Pública.

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* José Jorge Duque

Coronel tirocinado reformado. Cursos de Estado Maior, Superior de Comando e Direcção e de Defesa Nacional. Artillary Advanced Course, nos EUA. Brevet d’Études Militaires Supérieur e Cours Supérieur Interarmées em Paris.

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Bibliografia

BOUTROS
- Ghali, Boutros – An Agenda for Peace - Preventive Diplomacy, Peacemaking and Peacekeeping – UN, Nova York, Junho, 1992; e Suplemento Janeiro 1995.

CASTANHEIRA, Henrique Missões Humanitárias e de Paz, Participação Portuguesa, 1992 - 2002 – Direcção de Política de Defesa Nacional; MDN, Novembro, 2003.

DUQUE, Jorge – “Portugal nas Missões de Paz”, in: Janus 98, Suplemento Especial, UAL, 1998.

TEIXEIRA, Nuno Severiano – Portugal e as Operações de Paz. In Nova História Militar de Portugal, Vol. 4, Edição: Circulo de Leitores; Lisboa, 2004.

VIANA, V. RodriguesSegurança Colectiva; A ONU e as operações de apoio à paz. Edições Cosmos e IDN, Lisboa 2002.

Paz e Cooperação – Edição MDN, Julho, 1995.

The Blue Helmets – A review of UN Peace Keeping – 3ª edição, UN Dept. of Public Information, NY, 1996.

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