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Janus 2005



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A presença portuguesa na ONUMUZ em Moçambique

Madalena Moita *

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Cenário preferencial do confronto indirecto das duas superpotências, o continente africano conheceu uma nova fase com o final da Guerra Fria, que prometia grandes desenvolvimentos no caminho para a paz. Se nalguns casos essas promessas se dissiparam com o aparecimento de novos conflitos de cariz interno, no caso moçambicano o novo panorama mundial – marcado também pelas grandes mudanças nos países vizinhos – abriu, com efeito, as portas às negociações entre a FRELIMO e a RENAMO. Com o contributo da mediação da Comunidade religiosa italiana de Sant’Egídio, as duas partes assinam em Roma, a 4 de Outubro de 1992, o Acordo Geral de Paz. As negociações foram invulgarmente longas, marcando os dois primeiros anos da década de 90, mas a discussão exaustiva em torno de tópicos polémicos no momento anterior à assinatura do acordo facilitou a fase seguinte de implementação do mesmo.

A ONU tinha sido convidada a integrar a parte final das negociações como observadora, o que lhe permitiu conhecer o terreno e as raízes da tensão entre os beligerantes. Portugal desde 1990 fazia parte – com alguns membros da Organização de Unidade Africana, com a França, a Inglaterra, a Alemanha, a Itália e os EUA – da COMIVE, a Comissão de Verificação do Cessar-Fogo, presente durante o processo de negociações e que ajudaria agora a ONU a delinear as linhas mestras da missão de apoio à paz. No final de 1992 o Conselho de Segurança da ONU emite a Resolução 797, de 16 de Dezembro, que estabelece o mandato da Operação das Nações Unidas em Moçambique, a ONUMOZ. Com vista a afirmar a sua presença na cena internacional, Portugal vai integrar três das comissões criadas no Acordo Geral de Paz – a Comissão Conjunta para a Formação das Forças Armadas e de Defesa de Moçambique (CCFADM), a Comissão do Cessar-Fogo (CCF) e a Comissão de Reintegração (CORE) – e vai pôr à disposição das Nações Unidas a primeira unidade do Exército constituída para servir as Forças de Manutenção de Paz.

 

A Operação das Nações Unidas em Moçambique

A ONUMOZ tinha como objectivo fundamental garantir a implementação do Acordo Geral de 1992, assegurando o bom funcionamento de quatro esferas essenciais: a política, a militar, a humanitária e a eleitoral. A componente militar deveria, numa primeira fase, verificar a retirada das forças armadas do Zimbabué e do Malawi dos corredores de transporte da Beira e do Limpopo e manter o cessar-fogo, sobretudo nos primeiros momentos de fricção posteriores à assinatura solene pelos líderes adversários. Tinha também como função crucial ajudar a desmobilizar 80.000 combatentes, a organizar parte deles nas novas forças armadas moçambicanas e a devolver os restantes ao meio civil. A integração de milhares de homens num quotidiano de paz implica um processo moroso, ao qual a força internacional deu a primeira ajuda ao ceder-lhes os meios para reconstruírem as suas vidas. A componente militar tinha também a seu cargo tarefas de carácter policial de preservação da segurança das infra-estruturas vitais e de condução do desarme da população civil, rica em armamento ligeiro. A Operação das Nações Unidas, no âmbito humanitário, tinha o enorme encargo de apoiar a chegada e a relocalização de milhares de refugiados e deslocados internos que procuravam agora regressar às suas terras de origem. Numa fase posterior, a ONU teria também de salvaguardar a legalidade das primeiras eleições depois da guerra civil, o momento simbólico que iria servir de primeiro indicador do sucesso da missão.

 

A preparação da presença portuguesa

Neste quadro de propósitos gerais, Portugal queria estar presente com um contingente preparado fundamentalmente para contribuir para os aspectos políticos e técnicos da Missão, mais do que propriamente para actuar ao nível operacional-militar. As duas hipóteses inicialmente consideradas passavam pelo “levantamento” alternativo de uma unidade de engenharia ou de transmissões. A segunda opção acabou por vingar, ficando a cargo do director do Depósito Geral de Material de Transmissões o planeamento e organização da proposta de enquadramento da força portuguesa na operação multinacional a enviar para Moçambique. Como documentos orientadores, Portugal tinha em mãos o ProposedCommunications Network for Mozambique e o Communication Unit, elaborados pela ONU sobre o estado das infra-estruturas de comunicações em Moçambique, e o Guidelines for Governments ContributingMilitary Personnel to ONUMOZ, com orientações sobre a participação na Missão.

Em Março de 1993, uma equipa de comando vai fazer um reconhecimento ao terreno, permitindo, no regresso, fixar os últimos pormenores na definição da unidade. Ultrapassados os procedimentos internos exigidos, a 31 de Março de 1993 é emitido o despacho conjunto dos Ministérios da Defesa, das Finanças e dos Negócios Estrangeiros orientador da missão portuguesa, com a hierarquia delimitada, os homens escolhidos e as tarefas a realizar no terreno identificadas. Ficava assim decidido o envio do Batalhão de Transmissões n.º 4 do Exército, composto pelo Comando, por três Companhias de Transmissões e por uma Companhia de Comando e Serviços; um contingente comandado sucessivamente pelo tenente-coronel José Manuel Castro e pelo tenente-coronel Miguel Leitão.

Na fase de planeamento prévia ao envio da força foram tratadas questões várias relacionadas com os recursos humanos, como a vacinação dos elementos que seguiam para o terreno e a obtenção dos passaportes e demais documentação necessária para a viagem. Quanto aos recursos materiais, foi preciso assegurar o envio não só dos meios técnicos e militares necessários para a missão, mas também do abastecimento alimentar e de combustível que colmatasse a necessidade prevista nos estudos preparativos de um período de dois meses de auto-suficiência. A 15 de Abril de 1993, um cargueiro parte para Moçambique com o material do batalhão português, sendo que a chegada do pessoal é faseada, terminando já no início de Maio. A exigência técnica que o contributo português pedia obrigou a um reforço da participação de sargentos para compensar o insuficiente conhecimento a esse nível nos escalões inferiores. Assim, dos cerca de 280 homens do Batalhão de Transmissões n.º 4, catorze eram oficiais e noventa eram sargentos que no terreno foram transmitindo know-how mais específico aos mais de 150 praças que os acompanhavam. O contingente português estabeleceu três acantonamentos – na Matola, no Dondo e em Nampula – e facilitou a instalação de onze centros de comunicação por todo o território moçambicano. O seu objectivo era garantir as comunicações no interior da ONUMOZ distribuída por Moçambique – entre o comandante da força multinacional, os quartéis-generais, os cinco batalhões de infantaria e as várias unidades de apoio – o que conseguiu assegurar a partir do final do mês de Maio de 1993.

O longo período que permaneceu em Moçambique possibilitou ao Batalhão de Transmissões n.º 4 realizar melhorias consideráveis nas instalações, inicialmente precárias, de que dispunha no terreno. Construiu um refeitório, um espaço desportivo e uma escola para as crianças da vizinhança, onde se pôde ensinar português e se criaram boas raízes de convivência com a comunidade local. Se bem que o contingente português em Moçambique era, naquele momento, o mais expressivo das forças armadas nacionais em missões internacionais de apoio à paz, a verdade é que continuava a ser uma representação tímida quando comparada com outros contingentes, sobretudo se tivermos em conta a ligação histórica entre Portugal e Moçambique e mesmo, a relevância concedida a Portugal durante o processo de negociações. O contingente português era o sétimo maior no terreno, de uma força multinacional composta também por militares do Bangladesh, do Botswana, do Uruguai, da Zâmbia, da Argentina, do Japão, da Índia e da Itália.

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Um processo difícil

As implicações trazidas pela dependência de um tão complexo aparelho burocrático, civil, multinacional, como o que sustenta as Nações Unidas, não facilitaram o trabalho aos militares portugueses. Habituados a responder a uma estrutura militar nacional, com hierarquia e organização próprias, viram tornar-se morosas simples tomadas de decisão, por estarem paralelamente sob a esfera de competências da ONU. A própria administração da ONUMOZ teve um esforço acrescido ao tentar reter para si alguma autonomia, contornando muitas vezes a autoridade da sede da ONU em Nova Iorque. Um dos principais pontos positivos atribuídos à administração de Aldo Ajello – o Representante Especial do Secretário-Geral da ONU e Chefe da Missão – foi justamente a capacidade de decidir no momento e de adaptar regras e procedimentos, normalmente rígidos, à situação quotidiana moçambicana.

A Operação de Paz sobreviveu a ferozes críticas pelo excesso de recursos humanos e financeiros que exigia no seu mandato, assim como a ameaças que pairaram no ar, como o aumento da criminalidade e da SIDA em Moçambique. Criticada também por prolongar por mais um ano a sua presença e consequente encargo financeiro, a ONUMOZ foi salva em grande medida pela comunidade internacional, não só pela pressão exercida junto aos beligerantes para manterem o seu compromisso com a paz, como pelas garantias financeiras com que vários países contribuíram, que permitiram conter situações de maior tensão. Caso a ajuda não tivesse chegado, seria questionável se a ONU teria tido capacidade para desempenhar um papel mais activo de contenção da violência.

 

Um balanço português

Num balanço da presença portuguesa na ONUMOZ, um dos comandantes da força aponta, entre outros, dois factos que nos parecem significativos como compensação das dificuldades encontradas durante a missão: o apoio das autoridades portuguesas e o bom relacionamento que se desenvolveu com a população moçambicana. O tenente-coronel Miguel Leitão, num artigo para a Revista Militar (Vol. 50, n.º 5 de Maio 1998, pp. 377- 416), garante que o contingente contou com o apoio total do embaixador português em Moçambique, assim como do Governo português. A participação em operações de apoio à paz foi, aliás, uma das grandes apostas do executivo no início dos anos 90, reflectindo-se na delineação de um novo Conceito Estratégico de DefesaNacional que veio a público durante a presença da força em Moçambique, em Janeiro de 1994. Assegura também que os laços de afinidade que se criaram com a população moçambicana foram determinantes para levantar o moral da força nacional e para o consequente êxito da missão. Portugal vingou em Moçambique, como vingaria mais tarde noutros palcos, pela facilidade na comunicação e na convivência com as populações locais.

Na verdade, a escolha dos militares quando se oferecem como voluntários para uma missão deste tipo, a par das exigidas qualidades técnicas, passa também pelas qualidades pessoais, de facilidade de relacionamento e de adaptação a situações extraordinárias. Em Março de 1994, iniciou-se o processo de redução da força militar da ONUMOZ, dando lugar ao aumento da componente policial que acompanharia o período eleitoral. Num total de pouco mais de mil elementos da polícia civil (CIVPOL) que esteve em Moçambique, Portugal participa com uma pequena equipa de 7 indivíduos. Em Outubro desse ano realizam-se as primeiras eleições livres e justas em Moçambique, das quais sai vencedora a FRELIMO, assumindo a RENAMO o lugar de principal partido da oposição. Em Dezembro, depois de sucessivas reduções e rotatividade do contingente português, dos 480 homens que por lá passaram, os que ainda permaneciam em Moçambique regressam a casa, dando por terminada a presença portuguesa na ONUMOZ. A Operação das Nações Unidas em Moçambique concluía assim um dos casos de maior êxito de apoio à reconstrução da paz. A 30 de Dezembro de1994, o Batalhão de Transmissões n.º 4 viria a ser condecorado pelo Governo português com a Medalha de Ouro de Serviços Distintos.

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* Madalena Moita

Licenciada em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Nova de Lisboa-FCSH. Pós-Graduada em Estudos da Paz e da Guerra pela UAL. Mestranda em Estudos da Paz e da Guerra na UAL. Assistente de Investigação na UAL.

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Bibliografia

Department of Public Information
(1995) – The United Nations and Mozambique 1992-1995 (The United Nations Blue Books Series, Vol. V ), UN Publications, Nova Iorque.

CASTRO, Rogério Neves e (2002) – “Os militares portugueses na África lusófona: um balanço”. In Mundoem Português, n.º 29, Fevereiro 2002.

HONWANA, João Bernardo (1999) – “Strengths and Weakness of ONUMOZ”. In Cadernos do Lumiar, n.º 7.

LEITÃO, Miguel (1998) – “O Epílogo do batalhão de transmissões 4”. In Revista Militar, Vol. 50, n.º 5, Maio 1998, pp. 377- 416.

“ONUMOZ: O Batalhão de Transmissões n.º 4 ao Serviço da Operação das Nações Unidas em Moçambique”, Texto do Btm4. In Jornal do Exército, Ano XXXVI – N.º 426/27, de Junho/ Julho de 1995.

Direcção-Geral de Política de Defesa Nacional, MDN (2003) – Súmula nº 79 – Missões Humanitárias e de Paz, Participação Portuguesa 1992-2002.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Composição do batalhão de transmissões nº4

Link em nova janela Localização das tropas das Nações Unidas em Moçambique, no momento das eleições em Outubro de 1994

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