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Janus 2006



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O ministro europeu dos Negócios Estrangeiros

Marisa Abreu *

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A criação do cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros na União Europeia e de um Serviço Externo de Acção Comum tem sido encarada como uma das alterações mais importantes introduzidas pelo novo Tratado Constitucional Europeu, dada a importância que estes assumirão na representação externa da União.

Para além disto, apresenta-se como um passo muito importante na dotação da União de uma verdadeira Política Externa e de Segurança Comum, da qual estes serão a face mais visível.

 

Um número de telefone

Com a criação do lugar de ministro europeu dos Negócios Estrangeiros, pretende-se ultrapassar a velha questão da dificuldade de representação externa da Europa enquanto entidade única e coesa. Este novo cargo responde assim, 30 anos depois, a Henry Kissinger quando este perguntava que número de telefone deveria marcar para falar com a Europa. Não só passa a existir um telefone mas todo um serviço, e seu responsável, capazes de falar e agir, em nome da Europa, de forma mais coerente e consistente a nível internacional.

Estas inovações resultam claramente das preocupações expressas pelos membros da Convenção Europeia em 2003, que assinalaram por diversas vezes o quase “fosso” que separava a performance económica da União no mundo e a sua capacidade de acção política no mesmo contexto. A imagem de coexistência na União de um “gigante económico” e de um “anão político”, frequentemente referida no decorrer dos trabalhos da Convenção, ilustrou claramente a vontade da União em se afirmar como actor político internacional.

Foi exactamente com este objectivo que da Convenção resultou a proposta de criação de um Serviço Exterior de Acção Comum, e seu ministro, bem como a transformação das delegações da Comissão em “missões” da União Europeia. Estas propostas foram aceites pela CIG e inscritas no Tratado Constitucional já em 2004.

A enorme fragmentação de competências em matéria de política externa no seio da União e uma certa duplicação de instituições e instrumentos servia de “pano de fundo” a estas alterações.

O empenho europeu nesta matéria acabou mesmo por determinar que a materialização destas alterações não deveria ficar dependente da conclusão do processo, actualmente em curso, de ratificação do novo Tratado Constitucional. Os chamados “trabalhos preparatórios” para o seu estabelecimento começaram assim, logo após a assinatura formal do texto. O que, de alguma forma, é revelador do interesse generalizado nesta transformação, embora restem dúvidas quanto à viabilidade deste processo, num contexto de paralisia interna despoletada pelo “Não” francês e holandês ao texto constitucional.

Mantém-se assim, pelo menos por enquanto, a meta de conclusão deste processo em 2009, data da chegada da próxima Comissão. Possível ou não, esta é uma das mais complexas “operações” de reforma institucional na Europa e que acontece numa das áreas mais sensíveis para os Estados-membros: a política externa. Esta dificuldade resulta do facto de a UE não dispor de instituições criadas à partida com objectivos de actuação nesta matéria. Estas foram competências que a UE foi abarcando ao longo do seu percurso.

Foi exactamente com este objectivo de celeridade neste processo que o Conselho Europeu de Junho de 2004, para além de nomear Durão Barroso para o cargo de Presidente da Comissão Europeia, indicou o actual Sr. PESC, Javier Solana, para o lugar de primeiro Ministro Europeu dos Negócios Estrangeiros (MENE). Embora esta seja uma nomeação simbólica, uma vez que este só poderá formalmente assumir funções depois da ratificação do Tratado Constitucional.

Está assim em curso, apesar do clima de alguma incerteza, o processo de criação do referido Serviço Exterior de Acção Comum que funcionará como “base” de apoio ao MENE.

 

O Ministro Europeu dos Negócios Estrangeiros

Nomeado pelos Chefes de Estado e de Governo da União com o acordo do Presidente da Comissão, o novo Ministro Europeu dos Negócios Estrangeiros deverá “conduzir” a Política Externa e de Segurança Comum da Europa, deverá “presidir” ao Foreign Affairs Council e será “responsável” na Comissão pelas áreas relacionadas com as relações exteriores.

Mas, ao contrário do que muitos parecem sugerir, o novo ministro não será apenas uma espécie de “mix” entre o actual cargo de Alto Representante da Política Externa e de Segurança Comum (o chamado Sr. PESC) e do Comissário das Relações Exteriores. É certo que as suas funções abraçarão as destas actuais figuras mas não se esgotarão nelas. De uma forma simplista, o novo ministro reunirá competências do Alto Representante, do Comissário para as Relações Exteriores, do Comissário para o Desenvolvimento, da Presidência rotativa da União e da Troika .

Numa fórmula algo complexa, é feita uma espécie de repartição das competências do novo ministro em dois contextos diferentes: no Conselho e na Comissão. Inevitavelmente, este “duplo chapéu” acarreta alguns riscos.

Por um lado restam algumas dúvidas quanto à disponibilidade deste para todos os assuntos que terá em mãos; por outro lado receia-se a paralisia de um ministro agarrado a duas “lealdades”. Este responderá perante os Estados-membros quanto a matérias PESC, e ao Parlamento Europeu quanto a matérias da competência da Comissão (comércio internacional, por exemplo). Indo mais além, o novo ministro responde sozinho perante o Conselho e em conjunto com os outros comissários perante o Parlamento.

Deverá conseguir ser a imagem de uma acção externa da União cada vez mais coesa mas terá permanentemente que lidar com pelo menos 25 ministros dos Negócios Estrangeiros nacionais. Sobre si recairá a tarefa hercúlea de gestão dos interesses por vezes divergentes dos Estados-membros em matéria de política externa, das agendas de cada governo nacional e de uma grande diversidade de tradições e experiências nesta matéria.

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Um trabalho complexo

Num ambiente internacional cada vez mais marcado pela instabilidade e profundamente influenciado por novas e redobradas ameaças, o mandato deste ministro incluirá pelo menos cinco tarefas diferentes (1): Iniciativa, Coordenação, Representação, Implementação e Gestão de Crises.

De acordo com o Tratado Constitucional, o direito de iniciativa em matérias PESC será uma das principais competências do novo ministro. A este caberá a responsabilidade de elaborar propostas ou delinear iniciativas a ser apresentadas ao Conselho. Este direito será repartido entre os Estados-membros, o ministro isoladamente e o ministro com o apoio da Comissão.

O novo ministro desempenhará funções de coordenação em diversos níveis: ministro/Comissão, ministro/Estados-membros, ministro/Presidência Rotativa e ministro/Comissão/Estados-membros/Presidência. O objectivo aqui consiste em impedir uma actuação desconcertada a diversos níveis em matérias relacionadas com a acção externa da União. Caber-lhe-á ainda a coordenação do Serviço Externo Comum.

Outra das suas competências será a representação da União no seu relacionamento com o exterior (em temas PESC) e junto de organizações ou conferências internacionais ficando a seu cargo a apresentação da posição da União sobre os temas em causa. Esta será, no entanto, uma competência partilhada com o Presidente do Conselho Europeu que, sem bulir com as competências do ministro, também poderá representar a União no exterior. A fronteira entre as competências de um e outro não é ainda totalmente clara.

Assegurará ainda a implementação da PESC, isto é, não só terá direito de iniciativa como deverá garantir/conduzir a execução das medidas neste âmbito.

Num ambiente internacional sujeito a novas e redobradas ameaças, desempenhará também funções de gestão partilhada com o Conselho sempre que a União decidir a realização de operações de Gestão de Crises no âmbito das chamadas Tarefas de Petersberg.

Em boa verdade, o novo “super-ministro” movimentar-se-á em três ambientes diferentes: entre as instituições da União, entre a União e os Estados-membros e entre a União e o mundo (países e organizações). O seu sucesso dependerá muito das suas capacidades pessoais mas acima de tudo dos apoios que conseguir reunir. Ou será uma nova força na União com um poder considerável, ou apenas mais uma figura decorativa com uma agenda eminentemente social.

 

O Serviço Externo de Acção Comum

Criado com o objectivo claro de assessorar o ministro europeu dos Negócios Estrangeiros nas suas responsabilidades, este novo serviço contribuirá, decisivamente, também ele, para o reforço da coerência da representação exterior da União.

Espera-se ainda que este serviço contribua para uma maior eficácia na utilização dos recursos da UE nesta matéria. Os mais de 40.000 diplomatas nacionais e comunitários actualmente existentes não têm sido necessariamente sinónimo de eficácia da União enquanto actor internacional, sobretudo quando comparados com os menos de 10.000 diplomatas norte-americanos (2).

Este serviço trabalhará em articulação com os serviços diplomáticos dos Estados-membros e a sua composição resultará de um misto de funcionários comunitários e de “staff” proveniente dos serviços diplomáticos nacionais. Desempenhará funções de apoio administrativo, de gestão e de apoio directo ao ministro.

Contudo, isto é provavelmente tudo o que sabemos neste momento sobre este serviço, uma vez que o texto do tratado não responde a diversas questões importantes, como por exemplo qual a localização do mesmo na estrutura institucional da União, da mesma forma que não esclarece sobre o processo de criação deste serviço.

Sendo certo que a criação do SEAC implicará não só a reorganização das instituições em Bruxelas mas também a redefinição do funcionamento e estrutura das delegações da Comissão em países terceiros, não será de esperar uma tarefa fácil.

De um ponto de vista minimalista, a criação do SEAC implicará apenas a reorganização de serviços já existentes. Reorganizar e reagrupar seriam as palavras de ordem: reorganizar os serviços já existentes em função de novas competências e de uma nova liderança e reagrupar num só serviço competências dispersas por diferentes instituições.

A versão maximalista traduzir-se-á na criação “a partir do zero” de um serviço inteiramente novo. Uma revolução institucional levada a cabo de forma a permitir a criação de um quase Ministério dos Negócios Estrangeiros embora sem esse nome. Esta nova estrutura beneficiaria de um apoio “inter-pilares” inédito até ao momento e seria uma verdadeira superestrutura, quer em termos financeiros, quer em termos humanos.

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Informação Complementar

DIFERENTES IMAGENS DO SEAC

A visão da Comissão: O novo serviço deverá estar “ancorado” à estrutura actualmente existente da Comissão. Deverá ser uma espécie de reformulação do grupo “RELEX”, ou seja, deverá reunir os serviços da Comissão responsáveis pelas Relações Exteriores, Comércio, Desenvolvimento e Alargamento. Enquanto vice-presidente da Comissão, o novo ministro deveria salvaguardar o apoio dos seus parceiros na comissão e ao mesmo tempo procurar apoio político do Conselho e do Parlamento.

A visão do Conselho: O novo serviço deverá reunir os departamentos do Conselho actualmente responsáveis pelo acompanhamento das relações exteriores da União (Secretariado, Comité de Política e Segurança, etc.) e deste modo resultar da expansão dos serviços do Conselho, abarcariam ainda staff proveniente dos serviços competentes da Comissão.

A visão dos “grandes” Estados-membros: O novo serviço, seja qual for a sua localização institucional, não deverá prejudicar os interesses destes Estados. Dito de outra forma, Estados como o Reino Unido ou a França resistirão sempre a uma completa delegação de competências para as instâncias comunitárias. O carácter agressivo da sua diplomacia no mundo, bem como os interesses que pretendem salvaguardar em certas zonas do globo (Organização Internacional da Francofonia; Commonwealth ) poderão ser incompatíveis com esta nova geografia de poder.

A visão dos “pequenos” Estados-membros: O novo serviço representa para estes Estados uma oportunidade de reforço da sua “voz” na comunidade internacional a custos reduzidos. Seja qual for a sua configuração, traduzir-se-á sempre na redução da sua presença nacional fora da UE em benefício de uma presença comum.

Fonte: MAURER, Andreas e REICHEL, Sarah “ The European External Action Service ” German Institute for International and Security Affairs, Dez. 2004 Traduzido e adaptado.

 

QUEM FALARÁ PELA EUROPA?

Uma das questões mais interessantes que se pode colocar desde já prende-se com o funcionamento do novo “sistema” após a ratificação do Tratado Constitucional. Nesse momento, quem representará a União? Será o novo Ministro dos Negócios Estrangeiros assessorado pelo seu SEAC, ou o ocupante do novo cargo de Presidente do Conselho Europeu, ou o Presidente da Comissão ou ainda os 25 (ou mais) Estados-membros e suas diplomacias? Ou serão todos, cada um a seu nível?

Em boa verdade, o texto do Tratado Constitucional não esclarece estas dúvidas. Se bem que cria o posto de Ministro Europeu dos Negócios Estrangeiros, confere também competências em matéria de política externa ao novo Presidente do Conselho Europeu, que deverá “ representar a União em matérias de PESC sem prejuízo dos poderes do MENE”. A linha demarcatória entre as competências de cada um não é ainda clara. Por outro lado, dada a omissão do tratado quanto a este assunto, será ainda difícil conter as aspirações do ocupante do cargo de Presidente da Comissão nesta matéria; afinal de contas, o MENE é também seu vice-presidente.

Uma Europa falando diversas vozes continua assim a ser uma possibilidade, apesar dos esforços de construção de uma voz comum.

 

O FUTURO DA COMISSÃO "BARROSO"

Num cenário de ratificação e consequente entrada em vigor do Tratado Constitucional, a actual Comissão Barroso poderá vir a ser palco de uma enorme reestruturação em consequência da entrada em funcionamento do SEAC e das funções do MENE.

Olhando para a composição da actual comissão podemos neste momento antecipar alguns problemas:

• Uma vez que um Estado-membro não pode estar duplamente representado entre os membros da Comissão, como lidar com a chegada de Javier Solana ao cargo de vice-presidente? Que fazer com o actual comissário Joaquín Almunia, também espanhol?

• O que acontecerá ao actual comissário Benita Ferrara-Waldner, actualmente responsável pelas relações exteriores?

• Como será feita a coordenação entre o novo MENE e os restantes comissários com portfólios que incluem matérias agora sob alçada do seu “colega”?

• Como gerir a chegada de um elemento com competências alargadas mas que apesar de tudo será um “ new-comer ”?

Em face da aparente passividade da actual Comissão em relação a estas matérias, fica no ar a dúvida quanto à sua estabilidade até 2009.

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1 GREVI, Giovanni; CAMERON, Fraser – “ Towards an EU Foreign Service ”, Issue Paper 29, European Policy Center, 2005. http://www.theepc.be
2 CAMERON, Fraser – “ Towards an EU Diplomatic Service ”, European Policy Center, 2005. http://www.theepc.be


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* Marisa Abreu

Licenciada em Relações Internacionais pela UAL. Mestre em Desenvolvimento e Cooperação Internacional pelo ISEG. Docente na UAL. Investigadora e membro do Conselho Directivo do Observatório de Relações Exteriores da UAL.

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