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- JANUS 2007 -



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Os EUA e a promoção da democratização do Médio Oriente

Maria do Céu Pinto *

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Uma das consequências do 11 de Setembro foi tornar claro para os Americanos que os países onde reina a falta de oportunidades e que têm sistemas políticos fechados e repressivos, promovem inevitavelmente a alienação das suas populações. Tais sociedades podem fomentar o tipo de extremistas que atacaram os EUA no 11 de Setembro, mesmo tratando-se de países que Washington acarinhou ao longo de décadas, como a Arábia Saudita. A Estratégia de Segurança Nacional, de Setembro de 2002, antecipa a intenção dos EUA promoverem a democracia, “qualquer que seja a sociedade”, isto é, sem excepção para o mundo muçulmano. (1)

 

O programa americano de “disseminação da democracia”

Nos meses que antecederam a guerra no Iraque, a Administração Bush relançou o debate sobre a importância da democracia no Médio Oriente e sobre o papel dos Estados Unidos na sua promoção. Para a administração, o derrube do ditador seria parte de um plano mais vasto e ambicioso: a rápida democratização do país, o primeiro passo para desencadear um tsunami democrático que varreria o mundo árabe. Alguns afirmaram que uma campanha pró-democracia no Médio Oriente poderia produzir um boom democrático comparável à onda democrática após a queda do Muro de Berlim. Bush afirmou: “A criação de um Iraque livre no coração do Médio Oriente será um acontecimento marcante da revolução democrática global. A democracia iraquiana será um êxito e esse êxito ressoará de Damasco a Teerão, proclamando que a liberdade pode ser o futuro de cada nação.” (2)

O debate sobre a campanha militar no Iraque acabaria assim por centrar as atenções na questão – aparentemente lateral – da democracia no mundo árabe. Os ataques terroristas de 11 de Setembro vieram contribuir para a emergência deste tema ao quebrar uma suposição antiga em Washington: a que defendia que regimes autocráticos pró-americanos — como o Egipto e a Arábia Saudita — eram escudos eficazes contra o extremismo islâmico. Em vez disso, 15 dos 19 terroristas do 11 de Setembro eram originários da Arábia Saudita, um fiel aliado dos EUA desde a II Guerra Mundial. O 11 de Setembro contribuiu para uma mudança de percepção fundamental em Washington: estes regimes já não funcionam como barreiras contra o terrorismo; são antes responsáveis pelo descontentamento que gera o fenómeno e, no caso da Arábia Saudita, pelo fomento e financiamento do terrorismo.

Bush admitiu que “sessenta anos em que as nações ocidentais desculparam e se acomodaram à falta de democracia no Médio Oriente, não contribuíram para nos tornar mais seguros, porque, a longo prazo, a estabilidade não pode ser comprada à custa da liberdade.” (3) Efectivamente, os EUA preferiram não se envolver nas questão internas dos regimes árabes devido à importância dos seus “relacionamentos estratégicos” com esses regimes: o petróleo; a contenção do expansionismo soviético, do Iraque e do Irão; a estabilidade de Israel; a contenção do comunismo no Sudeste Asiático e a aquisição de bases militares. Ajudaram assim a consolidar a percepção da “excepção democrática” do Médio Oriente.

O ex-secretário de Estado, Colin Powell, contrariou esta ideia ao afirmar: “Rejeitamos a noção condescendente de que a democracia não se desenvolverá no Médio Oriente ou que haja uma região do mundo que não possa suportar a democracia.” (4) O discurso mais marcante foi, contudo, proferido pela Secretária de Estado norte-americana, Condoleezza Rice, no Cairo, em Maio de 2005. Rice disse que o objectivo dos EUA era ajudar os povos do Médio Oriente a encontrar uma via democrática própria; não impor um modelo democrático ao estilo americano. Rice disse que no mundo árabe “o receio da escolha livre não pode justificar a negação da liberdade” e que “é tempo de abandonar as desculpas apresentadas para evitar as dificuldades inerentes ao processo democrático”.

O discurso coincidiu com a decisão do presidente Mubarak de realizar, pela primeira vez, eleições presidenciais competitivas, isto é, com a participação de vários candidatos. Rice elogiou a medida inédita, mas criticou o regime por lançar mão de tácticas para intimidar a oposição. Rice apelou ainda a que as eleições decorressem de forma livre e justa e que fossem acompanhadas por monitores internacionais. A secretária de Estado também se referiu à decisão do regime saudita de realizar eleições municipais, as primeiras na sua história. Aludiu, porém, ao facto do regime não permitir a participação das mulheres e de ter encarcerado três activistas que tinham apresentado uma petição solicitando mudanças políticas no país.

Desde 2003, Washington propôs uma série de programas e medidas de promoção da democracia. Do ponto de vista conceptual, a abordagem americana que sustenta estes esforços parece ser essencialmente incrementalista e realista: trabalhar em conjunto com os regimes para encorajar as mudanças políticas e económicas de forma a integrar plenamente o Médio Oriente no mundo globalizado; apostar na criação gradual de uma imprensa mais livre; melhorar o governo local e o funcionamento das organizações da sociedade civil, bem como das ONGs.

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Democratização: a evolução recente no mundo árabe

Em 2005, registaram-se alguns acontecimentos encorajadores no cenário político do Médio Oriente. No Egipto, realizaram-se eleições parlamentares e presidenciais. Nas eleições parlamentares, é de registar a conquista de 88 lugares por parte dos deputados da poderosa Irmandade Muçulmana. Trata-se de um grupo influente, mas ao qual o regime não tem dado a oportunidade de se constituir em partido. A grande novidade, porém, foram as eleições presidenciais, as primeiras eleições directas e com a participação de vários candidatos. Contudo, as condições definidas para a apresentação de candidatos foram tão restritivas que não permitiram uma verdadeira competição com o candidato hegemónico – Mubarak. Na Palestina, registaram-se as primeiras eleições (municipais) na história do país, ganhas, no essencial pelo Hamas. O Hamas voltou a somar uma vitória nas eleições legislativas de inícios de 2006. A vitória do Hamas inicia assim um novo capítulo na história, não só da Palestina, mas de todo o Médio Oriente. A vitória dos islamistas constituirá uma experiência, um ensaio da verdadeira agenda e intenções dos islamistas. Trata-se de um facto novo mas inevitável, tendo em conta que os ventos da História sopram a favor dos islamistas, não só na Palestina, como noutros países: basta atentar nas posições fortes que os islamistas têm vindo a conquistar em Marrocos, no Egipto, Arábia Saudita, Kuwait e Iémen.

No Iraque, as eleições de Dezembro de 2005 foram marcadas pela vitória da lista xiita (Aliança Unida Iraquiana), com predominância do Conselho Supremo para a Revolução Islâmica no Irão (SCIRI) e do partido de Moqtada al-Sadr. O SCIRI ambiciona criar um Estado governado pelo clero xiita, à semelhança do regime iraniano. A influência de al-Sadr tem vindo a aumentar, pois apela a largos segmentos da população que não se revêem na liderança xiita, conservadora e formalista.

A perspectiva da guerra civil é agora uma possibilidade real. A destruição de um dos mais importantes santuários xiitas em Fevereiro de 2006, a Mesquita Dourada de Samarra, desencadeou uma onda de retaliações sem precedentes. Ao provocar uma reacção violenta dos xiitas, os atacantes demonstraram querer desencadear uma guerra civil de contornos religiosos. Tal cenário tornaria o Iraque ingovernável, impediria o controlo político dos xiitas e arrastaria os americanos para um pântano ainda mais profundo. As palavras de Bush em 2003 soam agora quase proféticas: “O falhanço da democracia iraquiana reforçaria os terroristas em todo o mundo, aumentaria os perigos para o povo americano e apagaria a esperança de milhões de pessoas na região” (5).

No Afeganistão, os Taliban recuperaram o controlo de todas as províncias do sudoeste. O ressurgimento dos Taliban é o resultado do esforço militar que os EUA e a Grã-Bretanha fizeram no Iraque, desviando efectivos vitais. De apenas umas centenas de guerrilheiros, os Taliban ascendem agora a 12 mil homens armados e detêm o controlo de 20 distritos do país. A presença de elementos estrangeiros tem sido um factor de radicalização da violência e do discurso religioso fundamentalista. Tem-se registado também um aumento de atentados suicidas e de outras tácticas terroristas importadas do Iraque.

No Irão, a intervenção de Washington a favor dos movimentos democráticos parece ter tido o efeito oposto ao desejável: reforçou os conservadores. O Presidente do Irão, eleito a 28 de Junho de 2005, Mahmoud Ahmadinejad, corresponde um retrocesso em relação ao seu antecessor – o liberal Mohammed Khatami.

 

Que balanço?

O 11 de Setembro e a emergência do fenómeno global do terrorismo, com raiz no Médio Oriente, deram aos regimes no poder a justificação para limitar as liberdades e garantias e aumentar a repressão. O alinhamento na luta contra o terrorismo permitiu dar cobertura a políticas repressivas, da Tunísia à Síria.

Com a justificação da “ameaça terrorista”, esses regimes, têm feito regredir o processo de abertura democrática controlada. Em segundo lugar, as transições de poder (em Marrocos, Jordânia e Síria) revelaram-se, no essencial, uma “ruptura na continuidade”. Alguns regimes da região (Argélia, Egipto, Jordânia e Marrocos), são autocracias liberalizadas: os líderes habilmente promoveram reformas que são, na aparência, pluralistas mas que se destinam a assegurar a sobrevivência do regime. Em terceiro lugar, as intervenções militares (Afeganistão e Iraque) reforçaram o clima de tensão e congelaram a situação de impasse na região. No actual ambiente de incerteza que predomina na zona, os regimes estão empenhados, acima de tudo, na sua sobrevivência. Estão à espera que “passe a tempestade” para fazer uma avaliação quanto ao rumo a seguir.

Há a percepção generalizada de que a causa da promoção da democracia não é genuína, mas fornece uma justificação para a intervenção no Iraque e a aceitação das políticas israelitas. Nesse sentido, os defensores das reformas no mundo árabe tendem a ser vistos com desconfiança e são rotulados de traidores.

Em Maio, Washington anunciou o restabelecimento pleno das relações diplomáticas com a Líbia e a abertura de uma embaixada em Tripoli, depois da decisão de retirar o país da lista de Estados que apoiam o terrorismo. Os analistas vêem na reconciliação com a Líbia o sinal duma viragem pragmática na política dos EUA. A Líbia era o perfeito “Estado-pária”. A normalização das relações EUA-Líbia é a convergência de interesses entre uma administração americana que precisa desesperadamente de amigos e do petróleo do Médio Oriente e um governo que precisa dos investimentos do exterior.

No Médio Oriente, a leitura deste acontecimento é que: (i) a democracia vai deixar de ser o ponto de partida para as relações entre os EUA e os governos da região; (ii) a doutrina da “mudança de regime” no mundo islâmico também terá sido metida na gaveta por Bush e C. Rice. Assim, o Estado-pária que renuncie ao terrorismo e às armas de destruição maciça passa a colher benefícios sem ter de mudar de regime. Trata-se de um modelo que poderia até aplicar-se ao Irão. Os americanos vão privilegiar a diplomacia e, no actual clima, tenderão a alinhar de novo com regimes não democráticos porque precisam de apoios na região. O reatamento das relações com Tripoli poderá ser a prova de que a promoção da democracia deixou de ser a prioridade suprema da Administração Bush, que passa por maus momentos no Iraque e que necessita de aliados para fazer face ao Irão. (6) Segundo o especialista Fawaz Gerges, “o que os árabes e muçulmanos pelo mundo fora concluirão é que a Administração Bush não é sincera quanto à prioridade de expandir a democracia. Tomarão isto como significando que primeiro está a segurança e a cooperação contra o terrorismo”. (7)

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Informação Complementar

2002: "Iniciativa de partenariado Estados Unidos - Médio Oriente"

Visa promover: (1) o desenvolvimento do espírito empresarial, (2) as reformas políticas, (3) a reforma do sector da educação e (4) a promoção dos direitos da mulheres. O pilar político dá prioridade às eleições e processos políticos: reforço das práticas democráticas, sistemas eleitorais, incluindo partidos políticos e o desempenho dos deputados. A vertente sociedade civil e promoção de reformas políticas pretende apoiar o espaço público onde as vozes democráticas se podem exprimir. A vertente media , visa reforçar o apoio aos meios de comunicação independentes. A vertente Estado de Direito almeja promover o respeito pelo Estado de Direito e instituições de governo e da justiça eficazes e transparentes. Desde 2002, o programa financiou 350 programas em 15 países do Médio Oriente e nos Territórios Palestinianos. Os participantes nestes projectos incluem ONGs locais e internacionais, empresas, universidades, instituições internacionais e os Estados da região.

 

2004: “Partenariado para o progresso e o fututo comum da região do Grande Médio Oriente e Norte de África”
(Cimeira do G8 de Sea Island)

Fórum para o Futuro : instituição central do Partenariado. Visa promover reformas económicas, políticas e sociais na região. Agrupa os países do G8, a UE, os Estados da zona, bem como uma multiciplidade de actores da sociedade civil.

Diálogo de Apoio à Democracia : iniciativa que se enquadra nas actividades do Fórum para o Futuro e que visa reunir, num ambiente de colaboração e transparência, Estados, a sociedade civil e outras organizações dos países da zona ou de Estados terceiros. Objectivos:

• coordenar e partilhar informação e as “lições aprendidas” sobre programas de democratização na região, tendo em conta a necessidade de envolver os Estados neste processo e as circunstâncias de cada país;

• reforçar e lançar novos programas de democratização;

• fornecer aos participantes oportunidade de desenvolver actividades em comum, incluindo o patrocínio de projectos em conjunto;

• promover e reforçar as instituições e os processos democráticos;

• incentivar intercâmbios com a sociedade civil e outras organizações que colaborem em projectos na região.

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1 - Pres. George W. Bush, National Security Strategy of the United States of America, 20 de Setembro de 2002. Disponível em http://usinfo.state.gov/topical/pol/terror/secstrat.htm.

2 - “President Bush Discusses Freedom in Iraq and Middle East”, Remarks by the President at the 20th Anniversary of the National Endowment for Democracy, Washington, D.C., 6 de Novembro de 2003. Disponível em http://www.whitehouse.gov/news/releases/2003/11/20031106-2.html.

3 - Idem.

4 - The Honorable Colin L. Powell, The US. — Middle East Partnership Initiative: Building Hope for the Years Ahead , Heritage Foundation Lecture, 17 de Dezembro de 2003. Disponível em http://www.heritage.org/Research/MiddleEast/hl772.cfm.

5 - “President Bush Discusses Freedom”.

6 - “«A democracia já não é a máxima prioridade de Bush»”. In Público , 17 de Maio de 2006, p. 19.

7 - Fernandes, Jorge Almeida — “Teerão acusa UE de querer trocar «ouro por chocolates»”. In Público , 18 de Maio de 2006, p. 22.

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* Maria do Céu Pinto

Licenciada em Relações Internacionais na Universidade do Minho. Mestre em Relações Internacionais no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. Doutora pela Universidade de Durham, Reino Unido. Professora auxiliar com agregação do Departamento de Ciências Políticas e Relações Internacionais da Universidade do Minho.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

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