Pesquisar

  Janus OnLine - Página inicial
  Pesquisa Avançada | Regras de Pesquisa 
 
 
Onde estou: Janus 2007> Índice de artigos > Políticas sociais comparadas > [ A Convenção dos Direitos da Criança ]  
- JANUS 2007 -



Descarregar textoDescarregar (download) texto Imprimir versão amigável Imprimir versão amigável

ESTE ARTIGO CONTÉM DADOS ADICIONAIS seta CLIQUE AQUI! seta

A Convenção dos Direitos da Criança

Fernando Silva *

separador

A aprovação da Convenção sobre os Direitos da Criança, em 20 de Novembro de 1989, constituiu um marco fundamental na história dos direitos humanos. A relevância deste documento está para além dos direitos nele contidos, indubitavelmente de extrema relevância, e prende-se essencialmente com toda a filosofia subjacente à convenção. O que não significa que a importância central deste acordo internacional não se vincule aos 54 artigos e aos direitos nele incluídos. Mas a verdade é que muitos destes direitos estavam já conferidos e aceites pela maioria dos Estados, constando de declarações de princípios e de outros documentos internacionais, sem força vinculativa.

 

Enquadramento geral

O primeiro grande marco da Convenção corresponde ao facto de os direitos das crianças estarem elencados no âmbito de uma convenção, o que lhes atribui uma força jurídica de excepção, atendendo à natureza desta fonte de direito internacional. Por assumir esta forma, a convenção adquire força de lei, ou melhor, força supralegislativa, traduzindo a preocupação conjunta, no sentido de uma cooperação internacional, baseada num compromisso dos Estados de, internamente, orientarem as suas políticas de infância, tendo em vista a conformação com os direitos conferidos às crianças pela convenção. Podemos encarar esta mudança de concepção como um impulso qualitativo essencial no que se refere ao reconhecimento e à eficácia desses direitos, pelo efeito de coercibilidade que os mesmos adquirem com a sua elevação a nível de convenção entre Estados. Assim, através da convenção, os Estados partes estão a consagrar e a aceitar estes direitos, mas, ao mesmo tempo, a vincularem-se a adoptar medidas e criar instrumentos que assegurem o cumprimento e o respeito pelos direitos e a reagir perante as situações que envolvam, directa ou indirectamente, o desrespeito ou violação dos mesmos. Tudo isto representa mais do que um compromisso, uma verdadeira obrigação dos Estados.

Outra característica marcante da convenção assenta no facto de se conferir à criança um estatuto próprio. O que significa o seu reconhecimento como cidadão pleno, respeitando as suas diferenças qualitativas e quantitativas, mas, mais do que isso, assumindo a relevância do seu “estatuto”, da sua identidade. Os direitos das crianças estão concebidos, não como forma de transpor para elas os direitos dos adultos. As crianças não são, para estes efeitos, encaradas como “adultos em miniatura”, ou como os homens de amanhã. Os direitos são idealizados para a criança de hoje, pensados na especificidade da sua natureza, consagrados em função do seu estádio de desenvolvimento. O estatuto que se lhe confere assenta no facto de serem crianças, e enquanto tal, é inspirado por uma nova ética da infância, em que se reconhece a criança enquanto titular de direitos.

Os direitos das crianças estão concebidos como direito natural , na medida em que os mesmos estão ínsitos na essência da sociedade. Com a particularidade de se registar a não imposição de limites à sua extensão, na medida em que o seu reconhecimento, como direito natural está associado à própria essência humana. Ou seja, não estamos perante um direito natural emergente de determinada sociedade, mas antes de um direito reconhecido à escala planetária, como um direito da humanidade. O que significa que os direitos conferidos às crianças procedem da sua própria existência e essência. Porque são crianças são-lhes reconhecidos por todos os Estados, em todo o mundo, direitos que fazem parte do seu estatuto. Estamos em presença de um fenómeno que assenta no facto de se poder afirmar que em todos os Estados as crianças beneficiam de uma protecção específica, que passa pela atribuição de direitos próprios e essenciais, direitos que lhes são atribuídos pelo simples facto de serem crianças. É, portanto, um direito que, antes de mais, se reflecte na própria sociedade, considerando esta à escala universal.

A consagração dos direitos das crianças é fruto de um longo processo de afirmação, representando uma conquista da sociedade. Na sua origem está um ideal que preside às políticas sociais de infância e juventude, o qual assenta num princípio base, o de que a cada criança, pelo facto de o ser, é atribuído um leque de direitos fundamentais, indispensáveis ao seu desenvolvimento. Não representando algo que tenha de ser conquistado, ou sequer que surja como corolário de um desempenho ou reconhecimento, antes estão conferidos naturalmente. O principal direito que está subjacente a esta cultura é o direito de ser criança , no tempo de ser criança .

A política central da convenção assenta no princípio do interesse superior da criança . Muito mais do que um princípio, representa um critério de orientação. Na resolução dos assuntos relativos à criança, toda a intervenção do Estado, todas as decisões proferidas pelos diversos órgãos, nos diferentes níveis de intervenção, estão vinculadas ao respeito pelo interesse superior da criança, elevado à dimensão de interesse público. O qual, simultaneamente, se revela como critério legitimador para as decisões que os vários órgãos, ou as várias entidades públicas e privadas, venham a adoptar e que possam assumir relevância na vida da criança. O enunciar deste princípio atinge, em primeiro lugar, o Estado, como garante do respeito pelos direitos das crianças, estando consagrado legalmente em várias normas que, nas mais diversas situações, orientam as intervenções para este plano. Em relação às entidades que são confrontadas com a necessidade de assumir decisões em que possam estar presentes os interesses da criança, ao desempenhar as suas funções, devem fazer impô-los e sobrepô-los aos demais direitos.

Na execução da Convenção, os Estados estão envolvidos por uma vinculação a este princípio, o que os sujeita a um permanente controlo e acompanhamento sobre a forma como fazem cumprir internamente este interesse.

Topo Seta de topo

Princípios orientadores

Os direitos das crianças estão concebidos na convenção sob a égide de quatro princípios, que traduzem as linhas orientadoras de intervenção para sua execução.

1. O primeiro princípio é o da não descriminação . Os direitos das crianças têm uma dimensão universal, o que justifica que estão contemplados de forma igual para todos, e mais: nenhuma criança será descriminada em função da raça, cor, sexo, religião, nacionalidade ou outro critério. A ideia da sociedade global implica que a consagração de um conjunto de direitos fundamentais esteja concebida de forma a assegurar que ninguém ficará privado ou alheado desses direitos. Os direitos estão construídos para atingir todas as crianças, em qualquer parte do globo terrestre.

2. A sobrevivência e desenvolvimento da criança surgem, naturalmente, como outro pilar da estrutura da convenção. O art.º 6.º consagra o reconhecimento do direito à vida, da sua sobrevivência e desenvolvimento, estando inerente o essencial acesso a serviços básicos e à igualdade de oportunidades para o pleno desenvolvimento das crianças.

Este princípio é um pressuposto base. Para se poderem respeitar quaisquer direitos é mister que se comece por garantir a própria vida e o normal desenvolvimento como pessoa humana.

3. O interesse superior da criança , já atrás enunciado, obriga a que os interesses próprios da criança sejam considerados prioritários em todas as acções e decisões que impliquem a sua situação. Obriga os vários agentes com competências nesta matéria a orientar, em cada situação concreta, as suas decisões e medidas impostas, em função dos interesses da criança, submetendo os demais direitos ou interesses em causa ao respeito por este interesse.

4. O reconhecimento da opinião da criança também está consagrado. Desde que a criança apresente capacidade e condições para, com discernimento, manifestar a sua vontade, deve ser ouvida. Sempre que esteja em causa o assumir e decidir sobre a situação da criança, deve ser proporcionada a esta a possibilidade de exprimir a sua opinião e de manifestar a sua vontade. Este princípio basilar enuncia o respeito que se pretende assegurar à opinião da criança. Assim, desde que a sua maturidade, a sua idade, o seu desenvolvimento, o justifiquem, a criança é parte activa no assumir das decisões relativas à sua situação, participando com o seu depoimento e manifestação de vontade. Tal princípio, não significa, necessariamente, que se devam assumir as decisões da preferência da criança. Mas que se proceda à sua audição e se decida tendo em conta o interesse que a criança manifestou como sendo o seu.

 

Execução e acompanhamento da convenção: a actuação do Comité dos Direitos da Criança

A prática dos Estados, em matéria de execução e colocação em prática dos princípios decorrentes da convenção, requer uma actuação constante no sentido do estrito cumprimento dos direitos das crianças. Nesta matéria, destaca-se a preocupação com a consagração prática do princípio do interesse superior da criança.

A convenção prevê, na Parte II, a criação de um Comité dos Direitos da Criança , eleito pelos Estados que integram a Assembleia Geral da ONU e que assegura o acompanhamento do modo como os Estados partes cumprem internamente o compromisso assumido na convenção. Na sua actuação, o Comité analisa o relatório dos Estados partes relativamente às medidas que vão sendo adoptadas com vista à execução e concretização dos direitos consagrados na convenção. O Comité tem competência para solicitar estudos e formular sugestões e recomendações, dirigidas aos Estados, através da Assembleia Geral, tendo em vista a realização dos direitos consagrados na convenção; e ainda, de os questionar sobre as medidas concretas adoptadas com vista à integração plena deste direito, sempre que seja entendido que determinada medida ou regime jurídico possa não estar em total harmonia com esses interesses.

Esta intervenção tem um duplo significado: em primeiro lugar, representa a concretização do compromisso dos Estados partes, vinculados à obrigação de elaborar relatórios em que apresentam as medidas concretas que vão adoptando, no sentido de tornar eficazes os direitos que são reconhecidos na convenção. Em segundo lugar, assegurar a efectivação dos direitos constantes de convenção, na medida em que permite saber, a cada momento, que meios são efectivamente adoptados no sentido de assegurar o respeito pelos direitos consagrados. Tal permite um acompanhamento global nesta matéria, ao mesmo tempo que possibilita a constante emissão de linhas gerais de orientação.

Os relatórios periódicos destinam-se a que os Estados prestem todas as informações necessárias sobre as condições de aplicação das medidas para garantir e respeitar os direitos consagrados para as crianças e os instrumentos internos e externos, de conformar as legislações, os mecanismos dos vários Estados, no sentido de os uniformizar rumo à unificação dos regimes, em matéria de direitos das crianças.

Em síntese, os princípios gerais enunciados na convenção visam assegurar que o respeito pelos direitos das crianças não conheça obstáculos de espécie alguma.

separador

Topo Seta de topo

Informação Complementar

Processo de criação e ratificação da Convenção sobre os Direitos da Criança

Em 20 de Novembro de 1989, as Nações Unidas adoptaram, em Nova Iorque, por unanimidade, a Convenção sobre os direitos das crianças. A Convenção conheceu uma ratificação quase universal, sendo o processo de ratificação mais rápido e envolvendo maior número de países da história das Nações Unidas.

Em 1979, Ano Internacional da Criança, iniciaram os trabalhos de preparação deste documento, a cargo da Comissão dos Direitos Humanos das Nações Unidas. A Convenção viria a ser aprovada por unanimidade, constando de um documento assinado por 61 nações.

A Convenção entrou em vigor em 2 de Setembro de 1990, vindo a conhecer a adesão da quase totalidade dos países, foram mais de 200 os países que a assinaram ou ratificaram. Apenas os EUA e a Somália, ainda não o fizeram.

Portugal ratificou a Convenção em 21 de Novembro de 1990.

A convenção teve, como antecedentes históricos, a Declaração de Genebra de 1924 sobre os Direitos das Crianças, a Declaração dos Direitos da Criança, adoptada pela Nações Unidas em 1959, bem como um conjunto de resoluções emitidas pela Assembleia Geral das Nações Unidas, que enunciavam um conjunto de princípios sociais e jurídicos sobre a situação das crianças.

A Convenção representa o assumir de um compromisso pelos governos que a ratificaram, deixando de constituir uma mera declaração de princípios, constituindo um documento com força de Lei, vinculando os Estados no sentido de estes assumirem a obrigação de adoptarem os direitos nela conferidos, para as suas políticas de infância e juventude.

separador

* Fernando Silva

Licenciado em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa. Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa. Doutor em Direito pela UAL. Professor no Departamento de Direito da UAL e advogado. Presidente da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em perigo de Caldas da Rainha. Autor de várias publicações na área do Direito Penal e do Direito das Crianças.

separador

Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Situação dos Estados em relação à ratificação da Convenção

Topo Seta de topo

 

- Arquivo -

Clique na edição que quer consultar
(anos 1997 a 2006)
_____________

2006

2005

2004

2003

2002

2001

1999-2000

1998

1998 Supl. Forças Armadas

1997

 
  Programa Operacional Sociedade de Informação Público Universidade Autónoma de Lisboa União Europeia/FEDER Portugal Digital Patrocionadores