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- JANUS 2007 -



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A Irmandade Muçulmana e a ideologia islamita

Ana Damásio *

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Em Dezembro de 2005 a Irmandade Muçulmana (IM) tornou-se o maior grupo da oposição no Egipto, com 20 por cento dos lugares na Assembleia do Povo. A esta “confirmação” seguiu-se a vitória do seu herdeiro Hamas, em Janeiro de 2006, nas eleições legislativas palestinianas. Estes acontecimentos representam um degrau sem precedentes da ascensão do islamismo sunita por via eleitoral. No entanto, esta não é a face mais comum de uma ideologia sob a qual se agregam também grupos e organizações, incluindo o Hamas, que defendem e usam o terror como um meio para atingir os seus fins.

Estes grupos estendem-se do Magrebe ao Sudeste Asiático, passando pela Europa e pelas Américas, numa geografia que se confunde com a dos actos de terrorismo das últimas décadas. Mas que fundo ideológico une grupos tão dispersos e diferentes? Esse elo comum é o salafismo. “ Salafi ” em árabe remete para as gerações passadas, neste caso para os que acreditam no islão segundo a interpretação daqueles que conviveram e se seguiram ao profeta Maomé. Trata-se portanto de um protesto contra a interpretação actual do Islão e mais ainda contra a ocidentalização das sociedades. As sementes desta ideologia foram lançadas primeiramente no Egipto, pela IM. A partir daí coube-lhe espalhar os seus ideais e em muitos casos os meios para a criação de grupos “satélite” ou simpatizantes no resto do mundo árabe. As sementes lançadas pela Irmandade germinaram tanto em partidos políticos que actualmente buscam representação nos parlamentos árabes como numa ala mais radical de organizações que continua a usar a violência como imagem de marca.

 

As origens e a luta anticolonial

Na origem da Irmandade Muçulmana ( Jamaat al-Ikhwan al-Muslimin ) está o protesto contra a presença britânica no Egipto. O caminho de regresso às origens religiosas e à elevação espiritual do indivíduo e da sociedade, ideias herdeiras dos pensadores reformadores do islão do século XIX, serviram como canal de uma mensagem que coincide em muitos aspectos com a luta anticolonial. A criação da Irmandade por Hassan al-Banna e outros seis operários dos campos britânicos do canal do Suez, em 1928, foi um sinal claro destes sentimentos crescentes. O cariz político da organização criada com fins caritativos foi cedo anunciado. Em 1938 Hassan al-Banna descreveu a IM como “uma mensagem salafita, um grupo sunita, uma verdade sufi, uma organização política, um grupo atlético, uma união educativa, uma empresa económica e uma ideia social.” (1)

Esta definição guia até hoje os seus princípios, que vêem o islão como uma mensagem englobante e que deve ser aplicada a todos os domínios da sociedade. Os “irmãos” dedicaram-se a difundi-la através da influência nas gerações jovens e da educação religiosa, assim como dentro do movimento dos trabalhadores que crescia no Egipto. Nos anos 40 a organização mudou de estratégia. Face à ineficácia em convencer o monarca a introduzir a lei islâmica na sua totalidade (Shar`ia), a Irmandade criou em 1942-43 uma “secção secreta” (al-nizam al-khass). A criação deste grupo marcou não só as décadas seguintes da história do Egipto e do conflito entre a Irmandade e o governo, como criou também uma espiral de violência que deu lugar, décadas mais tarde, à criação da ala mais radical do islamismo.

Para além de acções internas, desde o início da Irmandade Muçulmana que os seus membros criaram células nos países do Levante. A questão palestiniana foi um dos primeiros motores para esta expansão. Nas fileiras dos exércitos árabes que levaram a cabo a primeira guerra contra Israel, em 1948-49, estavam muitos membros da Irmandade Muçulmana egípcia, alguns deles pertencentes à “secção especial”. Nessa altura células da Irmandade Muçulmana já tinham sido criadas também na Síria, no Líbano, na Transjordânia e em Jerusalém.

 

A criação de um mártir

Os anos 40 e 50 ficaram marcados pelo conflito entre a Irmandade Muçulmana e o governo egípcio, que levou à dissolução da organização pela primeira vez em 1948. Em resposta, um jovem membro da IM assassinou o primeiro-ministro egípcio, pelo que o governo ordenou o assassinato extrajudicial de Hassan al-Banna, já em 1949.

Este conflito continua no início do regime de Nasser, constituído depois do golpe de 1952, e que colocou frente a frente, após uma lua de mel inicial, as duas ideologias que marcaram a segunda metade do século XX no mundo árabe: o islamismo e o pan-arabismo de pendor socialista.

As medidas seculares de Nasser e a repressão sobre a oposição levaram à tentativa de assassinato do presidente por elementos da “secção secreta” da IM, em 1954. Esta tentativa falhada levou à ilegalização da Irmandade enquanto organização política, estatuto que mantém até hoje. Nasser mandou enforcar seis membros da sua liderança e prender milhares de outros. Entre os prisioneiros do regime de Nasser esteve Sayyid al-Qutb, membro da Irmandade Muçulmana executado em 1966 por alegada tentativa de derrubar o governo. As obras escritas por Qutb na cadeia radicalizaram a doutrina e servem ainda hoje de sustentação ideológica dos grupos islamitas radicais na sua jihad global. A morte de Qutb foi no entanto a última vitória do regime pan-arabista de Nasser contra o islamismo. A experiência da repressão e do exílio e a derrota árabe na guerra de 1967 criaram condições favoráveis a esta radicalização. O fracasso contra Israel marcou o princípio do fim da legitimidade do pan-arabismo que se tornou claro no fim dos anos 70.

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A repressão, o exílio e os jihadistas

A prisão de milhares de membros da IM no Egipto levou muitos a optarem pelo exílio, nomeadamente na Arábia Saudita, cuja economia entrara em franca ascensão devido à exploração petrolífera. Esta migração teve um papel crucial na difusão dos princípios da Irmandade. E ainda maior, num futuro não muito longínquo, na difusão da emergente ideologia mais radical, graças aos meios financeiros em ascensão e à versão radical do islão já praticada na península arábica. A combinação dos movimentos migratórios para o Golfo e da petro-riqueza com o financiamento de grupos radicais é ainda hoje uma premissa verdadeira. Contudo, não foram as ideias originais de Hassan al-Banna que sustentaram a criação destes grupos revolucionários salafitas, os chamados jihadistas . Na verdade, algumas das ideias na base deste movimento contradizem mesmo a herança de al-Banna. A paternidade dos jihadistas é atribuída antes a Sayyid Qutb.

Entre as ideias desenvolvidas por Qutb está a noção de jahiliyya . Este conceito é geralmente utilizado para se referir à sociedade da península arábica anterior ao advento do islão, e identifica um estado de ignorância e corrupção moral e social. No caso de Qutb, esta ideia é utilizada não só para atacar o poder vigente mas garante também legitimidade às fortes críticas lançadas à sociedade. A acrescentar a isto, Qutb refere-se muitas vezes ao conceito de jihad contra o governo, enquanto rebelião armada, como uma obrigação contra os que levaram a sociedade ao estado de jahiliyya . Esta ideia divide águas entre os chamados moderados e os grupos radicais ou jihadistas .

 

O cisma: moderados e radicais

Como se percebe, a história do Egipto do século XX confunde-se com as origens e desenvolvimento da ideologia islamita, semente dos grupos jihadistas que hoje reivindicam actos de terror de Madrid a Sharm al-Sheikh. No entanto, é de sublinhar que a “mãe” da onda islamita no século XX no mundo árabe, a Irmandade Muçulmana, adoptou o caminho da moderação e a renúncia à violência, para sua própria inclusão no sistema político.

O cisma entre a Irmandade e os pequenos grupos radicais teve lugar nos anos 70 quando o presidente Anwar Sadat decidiu libertar das cadeias os “irmãos” detidos por Nasser e permitir o seu regresso do exílio. Na luta contra a ideologia pan-arabista de pendor marxista, Sadat deu espaço aos islamitas para crescerem em número e influência, nomeadamente no meio universitário. No entanto, a recusa de Sadat em implementar a Shar`ia e, em especial, os Acordos de Camp David dividiram os islamitas no Egipto. A primeira geração que sofrera a repressão opta pela moderação, abdicando do uso da violência, ao passo que nos meios universitários os grupos radicais que emergiam sob a alçada protectora da Irmandade, adoptam a luta armada. Grupos como Takfir ua Hijra e al-Jihad fazem parte dos radicais. Das fileiras da al-Jihad saíram os responsáveis pelo assassinato de Sadat, em 1981. Entre os trezentos jovens indiciados no processo estava Ayman al-Zawahiri, considerado hoje o número dois da al-Qaida.

Este cisma mantém-se na actualidade. Ao longo das três últimas décadas a Irmandade Muçulmana prosseguiu na difusão da sua ideologia, condenando por diversas vezes os actos de terrorismo no Egipto. Apesar disso, endossa a estratégia do Hamas, a sua “filial” nos Territórios Ocupados.

 

Um islamismo democrático?

Sendo precursora da difusão do islamismo enquanto projecto político e das ideias salafitas, a Irmandade Muçulmana pode ser considerada a “mãe” ou pelo menos a semente que floresceu nos grupos islamitas radicais responsáveis pelo terrorismo jihadista actual. No entanto, a evolução da organização revela que a IM tem privilegiado uma estratégia de baixo para cima de doutrinação das bases da sociedade para o islamismo, renunciando à violência e distanciando-se destes grupos.

Esta estratégia foi adoptada no Egipto, mas também por grupos satélites da Irmandade na Jordânia, na Síria e mesmo na Argélia, nomeadamente face à brutal repressão de alguns regimes árabes. Muitos destes grupos defendem reformas internas nas ditaduras do Médio Oriente e a abertura à democratização, no sentido de abrirem caminho para a sua inclusão de pleno direito. No caso do Egipto, a partilha dos valores democráticos está ainda por provar entre as fileiras da organização, nomeadamente no que diz respeito à minoria cristã copta e aos direitos das mulheres. Apesar disso, a experiência de limitada inclusão parece ter dado frutos em termos de moderação. Qualquer quadro de democratização do Médio Oriente terá sempre que considerar a participação dos islamitas, desde que esses grupos se apresentem como forças da sociedade civil, não se auto-
-excluindo dela, nomeadamente pelo recurso à violência.

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Informação Complementar

Breve cronologia da IM

1928 – Criação em Isma`iliyya por Hassan al-Banna.
1948 – Organização banida por decreto; assassinato do PM Mahmud al-Nuqrashi; participação na guerra contra Israel.
1949 – Assassinato de Hassan al-Banna.
1954 – Tentativa de assassinato de Gamal Nasser. Organização banida pela 2.ª vez.
1966 – Execução de Sayyid Qutb.
1972 – Sadat liberta membros da IM.
1981 – “Outono de fúria”: detenções massivas de vários quadrantes. Assassinato de Sadat por membros da al-Jihad.
1984 – Eleições legislativas: coligação com Wafd, IM consegue 8 lugares.
1987 – Eleições legislativas: coligação com partidos seculares, IM consegue 30 lugares.
1992 – Terramoto no Cairo: IM presta grande parte do auxílio às populações.
1995 – Eleições legislativas: IM consegue um lugar.
1997 – IM condena ataques terroristas contra turistas em Luxor.
2000 – Eleições legislativas: IM consegue 17 lugares como independentes.
2005 – Eleições legislativas: IM consegue 88 lugares como independentes.

 

Irmandade Muçulmana "Internationale" e o Pan-Islamismo

A ideologia salafita da Irmandade Muçulmana serviu de base à criação de inúmeros grupos islamitas espalhados pelo Médio Oriente e pelo mundo. Apesar de a organização ter enveredado pela renúncia à violência (que apoia no caso do Hamas), a verdade é que foi o “irmão” Sayyid Qutb o ideólogo das teses que sustentam os grupos islamitas acusados de terrorismo. Muitos desses grupos, incluindo a al-Jihad egípcia, forneceram braços de combate aos mujahiddin no Afeganistão e hoje à al-Qaida. Osama Bin Laden terá mesmo sido aluno, enquanto jovem na Arábia Saudita, de um irmão de Qutb.

A expansão do pan-islamismo esteve presente na estratégia da Irmandade Muçulmana desde o seu início, pelo que a fundação de organizações satélites no mundo árabe se fez em paralelo com o crescimento da organização no Egipto. Apenas uma década depois da sua criação, a Irmandade já tinha congéneres na Síria, seguindo-se a Jordânia, o Sudão, o Líbano e os Territórios Ocupados, muitas delas criadas por estudantes regressados da Universidade do Cairo. Para além destas, a Irmandade está ligada ainda a organizações, partidos políticos ou grupos, entre outros, no Iraque, no Curdistão iraquiano, na Argélia, na Arábia Saudita, em Marrocos e nas monarquias do Golfo. São ainda conhecidos os laços da organização a outras partes do globo, como na África subsaariana, no Sudeste Asiático e no mundo ocidental entre as comunidades imigrantes.

Actualmente, a Irmandade Muçulmana no Egipto, assim como na Jordânia e na Síria (com o mesmo nome), estão entre as forças políticas que lutam pela democratização dos regimes árabes. As congéneres da Irmandade Muçulmana possuem representação parlamentar no Egipto, na Jordânia, na Argélia, no Iraque e mais expressivamente nos Territórios Ocupados. A reputação da organização na região é tal que, em 1992, quando o governo egípcio congelou as suas contas bancárias, esta possuía o equivalente a 4 milhões de dólares de doações destinadas ao socorro das vítimas do terramoto no Cairo e dos muçulmanos da Bósnia. (2)

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1 - Richard P. MITCHELLThe Society of the Muslim Brothers. (London: Oxford University Press, 1969): 14.
2 - Gamal al- Salam, membro sénior da IM no Egipto, entrevistado pela autora, 26 de Setembro de 2005, Cairo.

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* Ana Damásio

Licenciada em Ciências da Comunicação, especialização jornalismo, na Universidade Nova de Lisboa. Mestre em Ciência Política/ Relações Internacionais pela American University, Cairo. Estagiária na Embaixada de Portugal no Cairo na área de Assuntos Económicos, informação no domínio da Importação e Exportação (2004/2005). Jornalista.

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