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- JANUS 2007 -



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Os muçulmanos na Europa, entre a exclusão e a cidadania

José Leitão *

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Milhões de muçulmanos vivem e trabalham na União Europeia, bem como em outros países europeus. Não são uma presença transitória, são uma componente permanente da cultura europeia.

A presença islâmica não resultou apenas da descolonização e da imigração. Os muçulmanos estão há séculos presentes em várias regiões e Estados europeus, particularmente junto ao Mediterrâneo. A herança cultural europeia não tem apenas uma matriz judaica e cristã, ou iluminista.

Se em alguns países, como Portugal e Espanha, essa presença teve um hiato de séculos, em outros permaneceu ao longo dos tempos como no Império Austro-Húngaro e na parte europeia do Império Otomano, designadamente na Trácia, na Grécia, na Bósnia Herzegovina, no Kosovo, na Macedónia, na Bulgária, em várias regiões da Rússia, sem esquecer a Turquia, que aspira a uma integração plena na União Europeia.

O número de muçulmanos aumentou de forma significativa e disseminou-se por um grande número de países desde a segunda metade do século passado como resultado da imigração e, em número mais reduzido, como resultado da conversão ao Islão. A presença crescente do número de cidadãos europeus que são muçulmanos constitui um novo desafio para a Europa, mas também para estas novas comunidades islâmicas que constituem minorias em países não islâmicos. O futuro das democracias europeias e das relações da União Europeia com os países vizinhos de maioria muçulmana, que se estendem do Mediterrâneo às fronteiras asiáticas da Europa, vai depender da adequação das políticas promovidas pelos países europeus para assegurar a integração dos muçulmanos nas sociedades e instituições nacionais e das correntes e orientações que vierem a afirmar-se como dominantes entre os muçulmanos.

O número de muçulmanos na União Europeia era estimado em 14.400.000 em 2004, de acordo com o www.islamic.population.com. É possível que este número peque por defeito, dado que, segundo o Departamento de Estado Americano, no seu Annual Report on International Religions Freedom 2003 , já residiam mais de 23 milhões de muçulmanos na Europa, correspondendo a 5% da população.

Algumas projecções, referidas por Thimothy M. Savage, apontam para que venham a constituir 20% da população europeia por volta de 2050.

 

Uma realidade plural

Os muçulmanos na Europa são uma realidade plural, não podendo ser descritos de forma essencializada como uma comunidade, ou um conjunto de comunidades homogéneas.

A pluralidade tem diversas causas, que abrangem a diversidade de origens nacionais e étnicas, a condição económica e social, a pluralidade de orientações doutrinais e teológicas, o diferente estatuto jurídico, a diversidade de projectos políticos e a forma contrastada como imaginam o futuro da presença islâmica na Europa. Se alguns reivindicam e exercem direitos e deveres inerentes à condição de cidadãos europeus, outros sentem-se e são tratados como imigrantes, nalguns casos em situação irregular, vítimas da incerteza, da discriminação e da exclusão. Cerca de 50% dos muçulmanos que vivem na Europa ocidental nasceram aqui, segundo Mustafa Malik, citado por Timothy M.Savage.

Os jovens, filhos de imigrantes muçulmanos, quer os que nasceram na Europa, quer os que para ela emigraram, são uma realidade ainda mais plural e vivem um processo de crescente diferenciação, que abrange desde jovens muito religiosos, mas também muito identificados com valores democráticos, até aos que se sentem atraídos por correntes que vivem numa situação de ruptura cultural com as sociedades em que vivem, e outros que são susceptíveis de se deixar envolver por organizações terroristas. Estes são até hoje em número extremamente limitado e não se deve esquecer que a grande maioria dos muçulmanos na Europa são cidadãos laboriosos que vivem pacificamente na fidelidade às suas convicções e tradições.

As comunidades islâmicas estão confrontadas com a forma de conciliar a condição de muçulmanos e europeus. O viver como muçulmano, em minoria, num território que não é terra do Islão coloca desafios à própria forma de compreender a ligação à umma , à comunidade dos crentes, na Europa, para lá da distinção tradicional entre dar-al-Islam «casa do Islão» e dar al-Harb «casa da guerra».

É possível pensar o papel das comunidades na Europa sem ser no contexto de uma vanguarda que antecipa uma futura islamização da Europa? Que papel caberá às comunidades na Europa? Poderão vir a constituir uma forma inovadora de pertença à umma ?

Não se trata apenas de questões teológicas, mas de questões que passam pelas regras a aceitar em matéria de localização de mesquitas no planeamento urbano, a altura dos minaretes, as formas de chamada à oração e mais genericamente em viver a condição de muçulmano em sociedades seculares que têm tendência para procurar privatizar as vivências religiosas e que perfilham valores, nomeadamente em matéria de concepção de família, de relações entre os géneros e de sexualidade, que não são sociologicamente sufragadas por um grande número de muçulmanos. É importante que os não-muçulmanos não partam para a análise destas questões apoiados numa visão essencialista do Islão e que tenham em conta a pluralidade que se manifesta na forma como as sociedades islâmicas consideram estas questões. A igualdade de estatuto legal do homem e da mulher, por exemplo, está assegurada em Marrocos, desde 2003, e afirma-se em conformidade com o espírito e os princípios do Islão.

A forma de que se revestirá no futuro a presença islâmica na Europa será condicionada pelo modo como os Estados europeus souberem garantir a pluralidade espiritual, incluindo e reconhecendo o Islão, respeitando a paridade de cidadania dos muçulmanos, que são o fundamento de políticas de integração igualitárias e culturalmente dignificantes. Vai depender também, de forma decisiva, do resultado dos múltiplos e vigorosos debates, que se travam entre os muçulmanos e que traduzem formas muito diversas de viver e de pensar o Islão e de imaginar futuros islâmicos alternativos. A afirmação de uma visão crítica, solidária e humanitária do Islão, tal como é defendida por intelectuais islâmicos, como Abdoolkarim Vakil, só pode surgir do interior desses debates.

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Um futuro em aberto: entre a exclusão e a cidadania

A situação dos muçulmanos na Europa regista variações significativas que têm a ver, desde logo, com o seu número e a percentagem que representam da população nacional. Essa diferença confronta-se com quadros institucionais e formas diversas de gerir a pluralidade religiosa. Verifica-se, contudo, que partindo de formas diversas de encarar as relações com as religiões, e em particular com o islamismo, os Estados europeus, pelo menos os membros da União Europeia, tendem a equacionar de forma semelhante as questões relacionadas com a integração e a cidadania dos muçulmanos. Têm-se visto todos confrontados com as sequelas dos ataques terroristas e têm procurado prevenir e combater a islamofobia, como uma forma específica de discriminação racial.

A Directiva 2000/78/CE da União Europeia estabelece um quadro para lutar contra a discriminação, inclusive em razão da religião ou das convicções, abrangendo naturalmente os muçulmanos, e assegurar a igualdade de tratamento no que se refere ao emprego ou à actividade profissional.

Não podemos ignorar o facto de que uma sequência de acontecimentos, como foi o caso dos atentados de 11 de Setembro de 2001 contra as Torres Gémeas, nos Estados Unidos, passando pelos atentados de 11 de Março de 2004, em Madrid, os atentados à bomba de 7 de Julho de 2005, em Londres, a polémica desencadeada no início de 2006 sobre as caricaturas do profeta Muhammad, às recentes tentativas de atentados a partir do Reino Unido, ter provocado preconceitos, receios, actos de violência contra pessoas e mesquitas e discriminações abertas ou subtis, designadamente em matéria de acesso ao trabalho. Estes trágicos acontecimentos têm sido acompanhados pelo EUMC (Observatório Europeu do Racismo e da Xenofobia) que tem procedido à monitorização das reacções negativas que se têm verificado e elaborado relatórios, alguns dos quais se encontram disponíveis no sítio http://eumc.eu.int, nos quais formulam propostas para combater a islamofobia.

Não devemos, contudo, esquecer que é o nível nacional e, por vezes, inclusive o nível local, o decisivo para promover uma integração bem sucedida.

As políticas públicas nacionais de reconhecimento da religião islâmica no quadro da liberdade e do pluralismo religioso, que se traduzem no reconhecimento não apenas de direitos individuais, mas também de direitos colectivos parecem ser um quadro adequado para promover uma positiva integração no respeito do quadro constitucional.

Tem sido seguida por alguns países a política de privilegiar um interlocutor único a nível nacional com o qual os governos discutem as questões relativas à integração nas sociedades nacionais, política cujos resultados ainda é cedo para avaliar. Além das sempre discutíveis questões de representatividade, esse processo, quando é diferente do adoptado para as restantes confissões religiosas, é negativo do ponto de vista da coesão social.

A qualidade da integração está dependente do sucesso das políticas públicas que visam assegurar o acesso efectivo à escolarização, à formação e à qualificação e promovam o viver juntos sem discriminações. Apostar, paralelamente, no acesso à nacionalidade dos jovens muçulmanos provenientes da imigração criará condições para um acesso mais igualitário aos direitos, incluindo os de cidadania, e para reforçar o sentimento de pertença às sociedades europeias. A forma que assumirá a presença dos muçulmanos na Europa do futuro dependerá da qualidade da integração que vier a ser proporcionada aos jovens muçulmanos.

A miséria, a marginalização e a exclusão teriam um resultado previsível: incendiar os subúrbios, como o caso francês recentemente comprovou, e dar uma base social alargada a correntes doutrinárias que apostassem na dissenção ou no confronto com os valores matriciais das sociedades democráticas europeias. Os guetos suburbanos favorecem o auto-enclausuramento identitário, fechando os muçulmanos ao contacto e à cooperação com os restantes cidadãos.

As clivagens mais acentuadas que se parecem detectar relativamente aos valores entre os jovens muçulmanos e outros jovens parece centrar-se nas posições relativas à igualdade dos sexos e à liberalização sexual. Contudo, as sociedades muçulmanas, relativamente industrializadas, como a Turquia, partilham sobre a igualdade dos sexos e a liberalização de costumes os mesmos pontos de vista que as outras sociedades democráticas. O que parece facilitar a integração nas sociedades é o reconhecimento dos muçulmanos, mesmo quando provenientes da imigração como cidadãos nacionais. A condição de nacional cria, por um lado, em grande número de casos, um laço de lealdade para com os Estados que é muito diferente daquele que une um imigrante à sociedade de acolhimento. Permite-lhe, por outro lado, uma afirmação clara das suas convicções sem estar sujeito a eventuais medidas de expulsão.

Isto não significa que a integração dos muçulmanos na Europa possa significar a sua assimilação. Os muçulmanos irão contribuir, de forma acentuada, para a transformação da paisagem social e política europeia, através do seu contributo cultural e espiritual, e dentre eles, como acontece como outros grupos, surgirão posturas mais moderadas e mais radicais de questionamento dos valores dominantes, que serão arbitrados no quadro das constituições e das orientações e normas produzidas no quadro do Conselho da Europa e da União Europeia. O sucesso deste processo é fundamental para a construção de novas e positivas relações de vizinhança entre a União Europeia e um conjunto de países vizinhos da União Europeia, muitos deles muçulmanos que se estendem desde Marrocos até para lá das fronteiras da Rússia.

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Informação Complementar

Os muçulmanos em Portugal

A nova presença islâmica em Portugal iniciou-se antes do 25 de Abril, cresceu em progressão geométrica como resultado da descolonização e da imigração, sendo o seu número actual superior a 35 mil membros.

A Comunidade Islâmica de Lisboa teve como fundadores quinze membros, entre os quais encontravam-se não só muçulmanos sunitas, mas também dois muçulmanos ismaiilis e contavam-se três mulheres. A Comunidade teve, até hoje, como presidentes dois dos seus membros fundadores, primeiro Suleyman Valy Mamede, e posteriormente Abdool Magid A. Karim Vakil.

Os muçulmanos em Portugal são uma realidade plural e reflectem as diferentes origens nacionais e as correntes teológicas do Islão. A maioria identifica-se com o Islão Sunita, seguindo-se, o Islão Xiita nas suas duas vertentes, a Ismailita e a Isna Ashari. Em Lisboa, além da Mesquita da Comunidade Islâmica, há que mencionar a Mesquita Baitul Mukarram no Martim Moniz e o Centro Ismaíli. São também de referir a Mesquita de Odivelas e a do Laranjeiro. Existem diversos lugares de culto no País: Porto, Portela, Póvoa de S. Adrião, Forte da Casa; Colina do Sol, Vialonga, Carnaxide, Laranjeiro, Fetais, Évora, Terraços da Ponte, Barreiro, Santa Iria de Azóia, Portimão.

Verifica-se uma discreta dialéctica no interior do Islão sunita entre diferentes orientações, quer entre os muçulmanos portugueses de origem indiana e bangladeshiana, quer entre os de origem guineense, no primeiro caso entre as correntes Deobandi/Tablighi , no segundo entre o Islão dos marabous e os wahhabis .

A forma de presença do Islão no Portugal futuro vai depender, em grande medida, do lugar que lhe for assegurado na sociedade portuguesa. Os muçulmanos esperam que Portugal assuma a presença e o contributo islâmico como um elemento constitutivo da nova e plural identidade nacional.

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* José Leitão

Advogado. Foi Alto-Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas (1996-2002). É docente do curso do Mestrado em Migrações, Minorias Étnicas e Transnacionalismo na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, desde a sua criação em 2003.

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Bibliografia

Savage, Timothy M. — “Europe and Islam: Crescent Waxing, Cultures Clashing”. In The Washington Quaterly , vol. 27 (3), 2004, pp. 27-50.

Tiesler, Nina Clara — “Novidades no terreno: muçulmanos na Europa e o caso português”. In Análise Social , vol. XXXIX (173), 2005, pp. 827-849.

Mapril, José — “«Bangla masdjid»: Islão e bengalidade entre os bangledshianos em Lisboa”. In Análise Social , vol. XXXIX (173), 2005, pp. 851-873.

Vakil, Abdoolkarim — “Pensar o Islão: Questões coloniais, interrogações pós-coloniais”. In Revista Crítica das Ciências Sociais , n.º 69, Outubro 2004 pp. 17-52.

Aluffi B-P.R; Zincone G. (ed.) — The Legal Treatment of Islamic Minorities in Europe . Leuven: Peeters, 2004.

Galembert, Claire de — “La gestion publique de l'islam en France et en Allemagne. De l'improvisation de pratiques in situ à l'amorce d'un processus de régulation nationale”. In Le revue internationale et stratégique , n.º 52, 2003-2004, pp. 67-78.

Inglehart, Ronald; Norris, Pippa — “Le véritable choc des civilisations”. In Le Débat , n.º 126, September-Octobre 2003, pp. 76-84.

Küng, Hans — El Islam. Historia, Presente, Futuro . Madrid: Editorial Trotta, 2006.

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Dados adicionais
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