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- JANUS 2008 -



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A Europa americana: o Tratado de Washington (1949)

Fernando Amorim *

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O fim da Segunda Guerra Mundial não afastou o receio de uma ameaça à segurança da Europa. A comoção pública subsequente à descoberta pelas tropas aliadas dos campos de concentração nazis, os 55 milhões de mortos, 35 milhões de feridos e 3 milhões de desaparecidos e ainda um custo económico superior, à época, a 1500 milhões de dólares, que se traduziu na mais profunda ruína económica, retiraram à Europa o seu papel dirigente no mundo.

 

A sombra do nazismo e da guerra: de Dunquerque a Bruxelas

A realização tardia da conferência de Paz (Paris, Julho-Outubro de 1946) e a assinatura dos tratados de paz (Paris, 1947) – com a Finlândia (que perdeu a Carélia, Salla e Petsamo para a URSS), com a Itália (obrigada ao pagamento de reparações de guerra, à perda das colónias, de Trieste – que recuperaria em 1954 – Ístria, Dalmácia e de Fiume para a Jugoslávia), com a Hungria (que regressava às fronteiras de 1937), com a Roménia (que cedia a Bessarábia e a Bucovina à URSS) e a Bulgária (que retirava de território grego e jugoslavo), bem como o impasse com a Áustria (apenas resolvido em 1955 com o Tratado de Estado que punha fim à ocupação em troca de reparações em matérias-primas e da neutralidade voluntária) – não apagaram o espectro do regresso de uma ameaça nazi, o que explica a eclosão da “questão alemã” em torno da divisão ou reunificação, do estatuto político e fronteiras da Alemanha.

É assim que ainda em 1947, no que se traduziria numa reactivação mais profunda da Entente cordiale , a França e o Reino Unido assinaram o Tratado de Dunquerque (4-03-1947), o primeiro sistema europeu do pós-guerra e que estabelecia a assistência mútua no caso de uma eventual agressão e de ressurgimento do expansionismo alemão. Mas seria a rápida amplificação do poderio soviético e a institucionalização e agravamento da Guerra Fria, num quadro de relativa indefinição dos EUA face à retoma constitucional do princípio do isolacionismo, a tornar necessária uma aliança mais abrangente que desembocaria na assinatura do Tratado de Bruxelas (17-03-1948) entre a França, o Reino Unido, a Bélgica, a Holanda e o Luxemburgo, no que constituiu uma segunda tentativa de criação de um sistema de segurança europeu.

O objectivo era demonstrar aos EUA a vontade europeia de reagir colectivamente à penetração soviética na Europa oriental, o que logrou quebrar a reticência norte-americana em participar (repudiado que foi pela resolução Vandenberg [11-06-1948] o isolacionismo consagrado constitucionalmente e que impedia qualquer aliança militar em tempo de paz) na edificação da defesa e segurança europeia, constituindo por isso o antecedente imediato do Tratado de Washington (4-04-1949) que instituiu a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e a base da União Europeia Ocidental (UEO) constituída em 23-10-1954, que na prática ampliou o Tratado de Bruxelas à Alemanha Ocidental e à Itália.

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Equívocos da pax americana na Europa

A aparente neutralização da ONU, o receio de um ressurgimento da Alemanha e a ameaça comunista cada vez mais intensa a Leste (Golpe comunista de Praga, 25-02-1948; Bloqueio soviético de Berlim, 24-06-1948), bem como a consciência europeia da sua impossibilidade militar em travar uma invasão soviética, constituem o pano de fundo para o estabelecimento de uma Aliança Atlântica defensiva firmada em Washington pelos EUA e Canadá, os signatários do Tratado de Bruxelas, França, Reino Unido, Bélgica, Holanda e Luxemburgo, e cinco outras potências convidadas, estrategicamente importantes e pertencentes à zona de aplicação do Tratado, como a Dinamarca, Islândia, Itália, Noruega e Portugal. O ponto-chave do Tratado de Washington (4-04-1949) que institui a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) era constituído pelo artigo 5.º relativo à solidariedade entre os seus membros em caso de agressão, o qual obrigava cada um dos Estados membros a prestar assistência (ficando no entanto cada qual livre para determinar o tipo de ajuda) em caso de ataque armado contra um dos Estados signatários, que seria considerado como um ataque a todos os membros da aliança. Embora este ponto, e o tratado no seu todo, fosse erigido na presunção de um previsível ataque da União Soviética contra a Europa Ocidental, a verdade é que a cláusula da auto defesa mútua e colectiva nunca seria invocada no decurso da Guerra-fria. Contudo, uma duplicidade de intenções ligava estes países na fundação da aliança: segundo o seu primeiro Secretário-Geral, o lorde britânico Hastings Lionel Ismay (mandato, 1952-1957), com este tratado pretendia-se “manter os americanos dentro [da Europa], os Russos fora e os Alemães em baixo”. O campo comunista e soviético opôs-se e atacou fortemente este tratado que classificou de acto de hegemonia imperialista representado numa atitude belicista da OTAN que, acentuando a divisão das duas Alemanhas buscava o isolamento das “democracias” da Europa Oriental. A dependência do arsenal militar norte-americano e do seu potencial atómico dissuasor viria a colocar a Europa progressivamente na órbita americana, o que por sua vez valeu a forte crítica da França gaullista a essa tutela disfarçada e que acabaria por se traduzir numa longa série de discussões que conduziriam à retirada francesa da organização (isto é, do comando militar integrado) – baseada no argumento da distinção entre aliança e organização – mas não do Tratado de Washington, anunciada em conferência de imprensa pelo presidente Charles de Gaulle (21-02-1966).

 

O equívoco do “guarda-chuva atómico”

A busca de um comprometimento norte-americano, contrariando as suas correntes isolacionistas, na defesa da Europa do pós-guerra era o resultado do seu poderio militar e atómico. Com efeito, nos primeiros anos da aliança a estratégia seguida assentou no primado da arma atómica que funcionou como seu elemento dissuasor. Só mais tarde, na sequência do avanço soviético no programa de satélites artificiais, com o lançamento do Sputnik (4 de Outubro de 1957) e a partir de 1961, com a administração Kennedy, sob o impulso do secretário da Defesa McNamara, é que este primado viria a ser posto em causa, potenciado pela crise dos mísseis de Cuba. O risco da confrontação atómica conduziu a uma evolução estratégica, abandonando-se a teoria da retaliação maciça para privilegiar o conceito de resposta flexível. Esta evolução resultara também da percepção, durante a guerra da Coreia (1950-1953), de que a arma nuclear constituía uma opção demasiado rígida. Emergiu assim uma nova doutrina estratégica dos EUA, o conceito de “conflito limitado”, a necessidade de reforço do armamento convencional clássico e o desenvolvimento das armas atómicas tácticas (os mísseis Polaris). Contudo, esta nova doutrina estratégica não fora objecto de concertação com os outros membros da Aliança, o que, a par com a insistência americana em reservar para si o monopólio absoluto da decisão do emprego da arma nuclear e a obstinação em criticar a ideia de outras forças nucleares nacionais no seio da aliança, agravaria a irritação dos aliados europeus, inquietos com a ideia de uma Europa cenário de confronto entre duas super potências e apenas defendida por armas convencionais.

 

Imperativos nacionais versus interesses colectivos.

Outros focos de crise no seio da aliança marcariam a sua evolução. A adesão da Grécia e da Turquia à OTAN (1952), mas sobretudo, a controvérsia sobre o rearmamento alemão, que veio a decorrer nos anos 1950-1954, e que culminaria no restabelecimento da soberania alemã sob o nome de República Federal Alemã (5-05-1955) e na sua entrada na aliança (9-05-1955), ao mesmo tempo que a Áustria, pelo Tratado de Estado (Viena, 15-05-1955) com os quatro aliados, recuperava a sua liberdade e soberania, mas num quadro de neutralidade, fez reemergir os antigos fantasmas do receio em relação às antigas potências imperiais europeias (Alemanha, Áustria, Turquia) e a assunção de uma contradição ou mesmo oposição no seio da Aliança Atlântica entre os imperativos nacionais e os interesses colectivos; uma contradição entre as necessidades estratégicas, acentuadas pela declaração soviética (1954) de que a sua própria adesão à OTAN preservaria a paz na Europa, e as necessidades políticas de superar o fracasso da Comunidade Europeia de Defesa (tratado de Paris de 27-05-1952), iniciativa francesa sugerida por Jean Monnet e René Pleven, largamente explicado pelo receio do ressurgimento alemão e pelas críticas de De Gaulle à inexistência de uma Europa política que colocaria, de facto, a CED sob tutela da OTAN e na dependência estratégica dos EUA. De qualquer forma os Acordos de Paris, assinados em 23-10-1954 e ratificados em 9-05-1955 tendo em vista a entrada da RFA na OTAN apenas admitiram a remilitarização alemã no quadro de um comando integrado da Aliança Atlântica e condicionado à renúncia da RFA às armas ABC, isto é, atómicas, biológicas e químicas. Sem embargo, a consequência imediata da adesão oeste-alemã seria a constituição do Pacto de Varsóvia (oficialmente designado de Tratado de Amizade, de Cooperação e de Assistência Mútua), uma aliança militar concluída em 14-05-1955 entre a maior parte dos Estados do bloco comunista, com o patrocínio de Nikita Khrutschev, como contraponto à OTAN. A Guerra Fria na Europa institucionalizava-se!

O mesmo tipo de conflito entre imperativos nacionais e interesses colectivos emergiria a partir de 1955, com a vaga dos movimentos independentistas da Ásia e da África, entre os membros da Aliança com territórios coloniais e ultramarinos e os países do Norte da Europa e EUA com uma política geral favorável à autodeterminação e emancipação colonial, à luz do artigo 73 da Carta da ONU (Declaração sobre Territórios Não-Autónomos). O conflito atingiu particularmente a França, a braços com a guerra na Argélia, e Portugal (admissão na ONU votada a 14-12-1955) com a questão do “Estado Português da Índia” face às reclamações da União Indiana e dos territórios africanos, ultramarinos na perspectiva do Estado Novo, e não-autónomos na perspectiva da Assembleia Geral da ONU. Ambos procuraram ver consagrado, sem sucesso, o princípio da expansão a esses territórios da área geográfica de cobertura da OTAN.

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Integração militar versus subordinação política

Suplantado o conceito do primado da arma atómica em favor do de “resposta flexível”, a partir de 1961-62 a evolução do pensamento estratégico dos EUA introduziria uma outra contradição entre a necessidade de uniformização técnica das diversas forças aliadas e os naturais receios de dependência e subordinação política. Se no plano técnico a integração militar pressupunha uma uniformização e estandardização, politicamente a integração implicava a centralização e monopólio absoluto da decisão em proveito da principal potência da Aliança ou de um directório de países, confinando os restantes a uma situação de subordinação a uma vontade alheia. Este risco era tanto mais premente quanto os EUA não abdicavam do controlo estritamente nacional das suas forças estratégicas, ficando contudo os planos comuns da Aliança subordinados àquela potência. O projecto americano de constituição, a partir de 1963, de uma força multilateral que tornaria a OTAN numa nova potência nuclear, mediante a criação de uma força atlântica integrada, se aparentava dar resposta, pela partilha das armas, à desigualdade das forças no seio da aliança, na realidade, ao contemplar apenas uma força com um potencial nuclear correspondente a apenas 3% da respectiva força total dos EUA, a qual não poderia ser utilizada sem o consentimento unânime dos Estados participantes, mais não fazia do que procurar manietar os aliados europeus fazendo-os renunciar aos seus programas e às suas ambições nucleares. Com efeito, em 1964, o secretário da Defesa Robert McNamara e o subsecretário George Ball não pouparam críticas ao programa nuclear francês e, implicitamente, à força estratégica britânica. Quer dizer: enquanto os EUA poderiam accionar a sua própria força nuclear, deixando inactiva a força multilateral da aliança, os Estados europeus sozinhos não poderiam accionar a força integrada e muito menos pressionar ou forçar a utilização da força americana. A desconfiança francesa acerca destes intentos, e por oposição a recusa americana e britânica a uma França que procurava subordinar o seu papel na aliança militar integrada a uma participação igual numa “estratégia global”, que passava pela sua inclusão num directório (com os EUA e o Reino Unido) para a elaboração e execução dos planos estratégicos da Aliança, particularmente os que respeitassem à utilização da arma atómica em toda a parte do mundo, acabariam por ditar a saída da França da estrutura militar da OTAN (21-02-1966), com o argumento de que esta organização, progressivamente montada desde os anos 1951-52, constituía um desvio ao espírito que presidira à assinatura do Tratado de Washington em 1949, do qual declararia solenemente não se retirar e a cujo espírito se manteria fiel. Contudo, finda a Guerra Fria, a partir de 1996 voltaria a ter de novo um representante no comité militar, exercendo a Aliança Atlântica na actualidade e com o alargamento a Leste grande influência nas decisões políticas europeias.

 

Segurança europeia e união política: futuro comum?

O acordo obtido pela presidência portuguesa da UE quanto ao Tratado Reformador Europeu e a sua previsível ratificação pelos Estados membros, se anuncia o fim da crise institucional em que mergulhara e aponta para o relançamento da construção política de uma Europa Ocidental cada vez mais alargada a Leste e Sudeste, por outro lado aparenta rasgar novas perspectivas que indiciam a concretização de uma força integrada exclusivamente europeia – uma verdadeira UE da defesa – que poderá vir a outorgar aos Estados europeus a “garantia total” que os EUA não podem oferecer e uma credibilidade que isoladamente cada uma das potências europeias não poderia alcançar. Resta a incógnita de saber até que ponto os novos mecanismos institucionais não conduzirão à emergência de novos “directórios dos grandes” de geometria variável consoante sejam os interesses regionais em causa, que, afastando de entendimentos fundamentais os “países pequenos” alimente complexos de insularidade e os atire para a opção neutralista ou eurocéptica e ressuscite e repita as velhas querelas continentais que fizeram a história da Europa.

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* Fernando Amorim

Licenciado em História pela Universidade Autónoma de Lisboa. Mestre em História – História Moderna, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FL/UL). Docente da UAL. Investigador do Observatório de Relações Exteriores. Membro do Conselho Directivo do Observatório de Relações Exteriores. Editor do anuário Janus.

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Referências bibliográficas

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KAPLAN, Lawrence S. - NATO Divided, NATO United: The Evolution of an Alliance. Praeger, 2004. 165 p.

POWASKI, Ronald E. - The Entangling Alliance: The United States and European Security, 1950–1993. Greenwood, 1994. 261 p.

RUANE, Kevin - The Rise and Fall of the European Defense Community: Anglo-American Relations and the Crisis of European Defense, 1950–55 Palgrave, 2000. 252 p.

SMITH, Joseph, (ed.) - The Origins of NATO. Exeter: Exeter Press, 1990. 173 p.

TELO, António José - Portugal e a NATO: O Reencontro da Tradição Atlântica. Lisboa: Cosmos, 1996. 374 p.

ZORGBIBE, Charles – Dicionário de Política Internacional. Lisboa: Dom Quixote, 1990, p. 395-406.

ZORGBIBE, Charles - Histoire de l'OTAN. Bruxelas: Complexe, 2002. 283 p.

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