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Este modo de ver suscita, contudo, algumas dúvidas. Os exemplos podem ser vários. Na sua singularidade, um bom ponto de observação – que aqui se propõe – é o que consiste em olharmos para o comportamento das exportações portuguesas das últimas décadas. Elas são, sem dúvida, um indicador de mudanças significativas dos nossos contextos económicos. Por isso, e em função delas, faz sentido perguntar que mercados são esses que se oferecem às mercadorias que um país tem para fazer circular no plano internacional. Uma base de partida útil é a que consiste em interrogarmo-nos se os mercados são uma instância abstracta e geral de trocas só condicionadas pela oferta e pela procura, ou se, inversamente, são uma realidade social e económica, construída por interacções várias, desde as pessoais e territoriais, até às institucionais e políticas. Assim feita, a pergunta já aponta para uma resposta. De facto, os mercados são entidades complexas, dependentes de contextos precisos, de circunstâncias históricas concretas e associam-se fortemente aos modos de organização colectiva, em que as sedes social, institucional e política são relevantes. Por isso, os actores que neles intervêm não são apenas o nome da oferta e da procura. São muito mais, assim como são mais sinuosas, ou até inesperadas, as formas que os mercados assumem.
O crescimento do comércio internacional e a “lentidão” portuguesa A percepção de que vivemos tempos de volúpia transnacional e de ausência de amarras é particularmente favorecida pela verdade incontornável de que, nas últimas décadas, o comércio internacional tem crescido de forma acentuada, ultrapassando largamente o crescimento da riqueza dos países e, evidentemente, da economia mundial. A tendência para a abertura, e consequente interdependência, das economias nacionais através dos mercados de bens e serviços é um facto pesado dos dias de hoje e, por isso, a atenção dedicada às mobilidades internacionais tem razão de ser. Não é preciso invocar as tradicionais imagens simbólicas dessa desterritorialização dos produtos e da “subversão” que eles fazem de meios que antes lhes eram estranhos: se assim fosse falar-se-ia da recente vaga de produtos chineses em Portugal ou da presença de ícones do consumo ocidental nos terreiros mais marcantes de outras culturas e comportamentos (o repetido exemplo do McDonald's em Tienamen, em frente da Cidade Proibida). Resta ver como é que isso se plasma em Portugal e o que podemos concluir, em sentido global, observando as nossas exportações. Se nos situarmos numa escala temporal de cerca de cinco décadas (período mais do que suficiente para nos colocarmos para lá do curto prazo), verificamos que o significado da nossa internacionalização através da venda de mercadorias no exterior só cresceu abertamente em momentos bem delimitados: o da reconstrução democrática da economia e o da fase de pré-adeão e adesão à CEE. De facto, as exportações de bens portugueses, que nos anos 50 e 60 rondavam os 12 a 13% do PIB, equivaleram em 2006 a 23% da riqueza criada na economia. Apesar da grande abertura, este movimento é, em Portugal, mais lento do que noutras economias. Aquele rácio só chegou aos 14% em 1969 e só ultrapassou os 15% a partir de 1980, para, enfim, atingir um máximo de 25% nos momentos iniciais da integração europeia, nível que só se repetiria episodicamente em 1989-90, pois nos anos seguintes raramente se destacou dos 20%, com a excepção já apontada do último ano.
A integração económica: mercados ilimitados ou criação de proximidades? Quando Portugal aderiu à CEE, em 1986, um dos argumentos mais repetidos era o de que, entre outras coisas, se tratava de aproveitar e acentuar a nossa condição de “pequena economia aberta”, lançando-nos em mercados largos. As noções de abertura, mobilidade e desprendimento de restrições limitativas prevaleciam, no discurso económico, sobre quaisquer outras. Em lugar dos “mares sem fim”, tínhamos pela frente “mercados sem fim”. Aconteceu, porém, que, como vimos, o peso das exportações no produto não se destacou da casa dos 20% , limitando-se a acompanhar os ritmos de crescimento do conjunto da economia. E, além disso, registou-se, com a adesão, uma significativa alteração: a da geografia dos nossos mercados de exportação. E, neste plano, o mais evidente é que a proximidade se sobrepôs ao espaço aberto. Além disso, o mercado como significado de troca indistinta viu-se substituído por um conjunto de relações balizadas por contextos institucionais precisos. Na sua escala espacial, os mercados tornaram-se, de facto, mais pequenos. As exportações portuguesas: redução do mundo à Europa e redução da Europa à Ibéria? Para ilustrar o que acaba de ser dito basta ver os seguintes números: antes da adesão, em 1980, os nossos parceiros da futura UE a 15 absorviam 65% das exportações portuguesas. Hoje esse peso é de 78%, tendo havido anos em que ultrapassou os 80%. E bastam três países – a Espanha, a Alemanha e a França – para que, juntos, representem mais de metade das nossas exportações. Por sua vez, o caso do nosso parceiro ibérico é bem conhecido. Em 1980 só enviávamos para Espanha 3,6% do que exportávamos. Hoje, trata-se de quase 30%. Este é, aliás, o mais flagrante exemplo de como um processo de integração num mercado largo – a 12, no início, hoje já a 27 – gerou, em vez de relações amplas e desterritorializadas, uma profunda relação de... proximidade. Proximidade territorial e relações de vizinhança que, aliás, eram até aí praticamente inexistentes. Esse é o significado da nossa iberização enquanto processo de integração europeia. Estamos, assim, perante o mais original, porventura inesperado, resultado da adesão de Portugal à CEE. Pode mesmo dizer-se que, de 1986 para cá, Portugal se insere predominantemente no mercado mundial através da Europa e se insere no mercado europeu através do ibérico. E é bom lembrar que, na época, a iberização não fazia parte do cardápio de assuntos com que se debatia a chamada “opção europeia”. Curiosamente, o crescimento gradual e sustentado da Espanha tem levado, do ponto de vista estatístico, a que esta “substitua” a Alemanha que, em 1999, ocupava o lugar de nosso principal mercado de destino. Eis uma mudança que acentua ainda mais a imagem de criação de proximidades.
As esquinas de um mundo pouco rectilíneo O que vemos neste canto da Ibéria não é nada, afinal, que não se passe entre outras economias vizinhas, como é o caso, na Europa, das relações comerciais da Áustria, da Suíça, da Bélgica e da Holanda com a Alemanha. Ou da Espanha, da Suíça e da Bélgica com a França. Ou da Irlanda com o Reino Unido. E também aí acontece que, tal como na nossa península, as relações são predominantemente assimétricas, a favor do país mais poderoso. Aliás, também já há muito que foi demonstrado que, à escala do mundo, o comércio se faz crescentemente dentro dos grandes espaços económicos – Europa, América, Ásia – enquanto as trocas entre eles perdem peso relativo. Quer dizer, o mundo tende a “regionalizar-se” e, em certo sentido, a segmentar-se, através de reforço das lógicas de proximidade. Isso acontece à escala global, tal como acontece à escala das “parcelas” do mundo. O aprofundamento e o crescente confinamento do nosso comércio internacional ao espaço da UE e da Espanha mostra outra dimensão dos mercados e outra dimensão da proximidade: a proximidade institucional. Fora da UE a 25 (aliás, da UE a 15, pois o seu peso nas nossas exportações quase não se distingue do da totalidade da actual União) só os Estados Unidos rondam, como destino das nossa mercadorias, a casa dos 5%. Os PALOP, por junto, (ainda?) estão na casa dos 3% e o Brasil capta menos de 1%. Nota-se que os últimos anos têm apontado para alguma diversificação. Mas resta saber em que medida ela altera os dados pesados da geografia do nosso comércio externo. Como, afinal, já se sabe desde há muito, os mercados são construções sociais e políticas. E, mais do que uma variável abstracta, homogénea e indistinta “oferecida” às sociedades e às economias, eles são construções das próprias economias e dos seus actores, tanto os empresariais como os públicos.
Os mercados externos como aferidores de capacidade da economia É isso, aliás, que permite lançar uma “espreitadela” para o futuro. Não parece que os desafios que se colocam à competitividade da nossa economia se devam medir pela distância que os nossos produtos alcancem no espaço de mobilidade das mercadorias à escala planetária. Dificilmente as exportações que fizermos para a China revelarão uma economia portuguesa mais qualificada do que aquelas que fizermos para a Catalunha. Mas a questão da criação de valor, valor validado por economias externas, foi e continua a ser central para Portugal. O que a evolução da natureza dos mercados externos tem demonstrado é uma difícil convivência com a capacidade de criar, competir, produzir valor. Nos tempos recentes a especialização sectorial das nossas exportações alterou-se significativamente. Como exportadores já não somos um país com uma dramática dependência do têxtil, vestuário e calçado. Máquinas e aparelhos, veículos e material de transporte ultrapassam largamente os anteriores sectores enquanto fonte de exportações. E as tendências de crescimento de cada um destes mercados são, obviamente, inversas. A velha imagem foi, portanto, significativamente modificada. Sabe-se disso tanto pelo lado mais visível da indústria automóvel ou da criatividade de sectores tidos como tradicionais quanto pelo mais penúnbrico das crises, das reestruturações que não foram feitas, das próprias deslocalizações. Acontece, contudo, que o resultado só se tem traduzido numa melhoria de posição do conteúdo tecnológico dos bens que exportamos porque os de tecnologia intermédia variaram o seu peso positivamente, reduzindo-se assim os de tecnologia banal. Na alta tecnologia os sinais não são positivos. É trivial – embora certo – dizer-se que, também nestes planos, as soluções estão em aberto. Estão, de facto, e talvez tenham de partir da capacidade para entendemos melhor esta economia tão duradouramente intermédia – uma periferia no centro – tão duradouramente incapaz de estabilizar de forma agregada soluções criativas, geradoras de valor e de capacidade de validação externa. Para, com isso, ousar uma trajectória que qualifique as pessoas e consolide e difunda os melhores resultados.Informação Complementar O nosso vizinho "recente": Espanha O papel da Espanha no relacionamento económico português e na formação de uma lógica de iberização não se limita, evidentemente, ao seu significado como mercado de exportação. Ele contem todos os aspectos que são próprios de “economias de proximidade”. Espanha também se tornou no maior fornecedor de Portugal (30% das nossas importações, em 2005), revelando-se outra dimensão da natureza das relações ibéricas: elas são fortemente assimétricas, pois a taxa de cobertura das importações pelas exportações era 55% em 2005. O investimento directo, por sua vez, acompanha as trocas comerciais e também aqui a Espanha se destacou, tanto no que diz respeito ao investimento estrangeiro em Portugal, como no que se refere ao investimento português no exterior. Quanto ao primeiro, a Espanha consolidou nos últimos anos montantes líquidos que fazem deste país o principal investidor, com mais de 1/3 do total. O investimento directo português no estrangeiro tornou-se, na última década, um dado significativo. Não só atingiu valores relevantes (cerca de 6% do PIB nos inícios dos anos 2000, em termos consolidados), como Portugal assumiu a condição de investidor líquido no exterior, coisa a que também não é alheio o fraco montante de capitais que recebemos. Espanha, ao acolher quase 1/5 do total, constituiu-se numa das três principais economias de destino do investimento português no exterior. E, para lá da economia, está o resto da vida: a mobilidade de pessoas, a porosidade da fronteira, a penetração de novos hábitos, as misturas culturais...* José Reis Prof. Catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Investigador do Centro de Estudos Sociais. Peso das exportações no PIB (%) 1980 - Geografia da exportação portuguesa (% do PIB) 2005 - Geografia da exportação portuguesa (% do PIB)
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