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- JANUS 2008 -



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Governar a internet

Maria Eduarda Gonçalves *

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Como rede permanente e global que permite a comunicação, a difusão e a circulação de informação em tempo real e sem perda de qualidade entre terminais situados fisicamente em qualquer ponto do globo, a Internet representa indiscutivelmente uma “revolução” nas tecnologias da informação e da comunicação. A “rede das redes” cria novas oportunidades para os negócios, as actividades intelectuais e criativas, a divulgação e partilha de informação, o convívio interpessoal e a participação política. Em contrapartida, a natureza transnacional, difusa e dificilmente controlável da Internet facilita a sua utilização para fins ilícitos, engendrando mesmo novas formas de criminalidade.

As características da Internet parecem convertê-la num meio adverso à missão de um direito e de instituições reguladoras de base territorial concebidos por e para uma sociedade assente em bens tangíveis. Não surpreendentemente, a sua emergência fez-se acompanhar por um debate sobre a forma mais adequada de a regular. Houve quem encarasse a Internet como um espaço natural de liberdade, rebelde a qualquer tipo de normatividade externa e apenas compatível com regras e instituições geradas no seu próprio seio, isto é, com uma auto-regulação. Não demorou, no entanto, a afirmar-se a convicção da necessidade e da validade, também aí, dos princípios e regras reconhecidos pelas sociedades democráticas e da responsabilidade dos Estados de os defenderem sob pena de serem postos em causa valores como a ordem pública e as liberdades fundamentais dos cidadãos.

A teoria e a prática tendem, não obstante, a pensar a regulação da Internet à luz do conceito de governança, envolvendo um misto de controlo estatal, de cooperação internacional e de auto-regulação. A Internet tem propiciado, inclusivamente, o recurso a um método de regulação inovador: a co-regulação (ver “Uma instituição original: o Fórum des Droits sur Internet ).

A Internet constitui hoje, de facto, um espaço organizado e regulado à escala internacional. No plano universal, a sua regulação recai fundamentalmente na esfera técnica (protocolos de Internet regidos pela Internet Assigned Numbers Authority (IANA); nomes de domínio sob a égide da Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN)). É no plano europeu que se tem ido mais longe na regulação da utilização da rede nas esferas económica e social.

 

A regulação da Internet pela União Europeia

A acção reguladora da União Europeia no que respeita à “sociedade da informação”, incluindo as “auto-estradas da informação”, tem sido pautada por duas ordens de objectivos principais:

a) A garantia de um quadro jurídico harmonizado do mercado interno, facilitador da livre prestação e circulação das indústrias e serviços de informação; e

b) A prevenção e controlo de conteúdos ilícitos e prejudiciais.

Numa primeira fase, as instituições europeias privilegiariam a promoção do investimento por parte das novas indústrias e serviços de informação (o “mercado da informação”), o que devia implicar, nos termos do conhecido Relatório Bangemann (“A Europa e a Sociedade da Informação”, Conselho Europeu, 1994), “o estabelecimento de um quadro regulamentar comum para a protecção dos direitos de propriedade intelectual, da privacidade e da segurança da informação na Europa”. Foi aquele objectivo que esteve, em grande medida, na base da adopção, ao longo dos anos 90, de directivas europeias visando proteger os direitos de autor sobre software e bases de dados, bem como os direitos dos indivíduos no que respeita aos dados pessoais cuja livre circulação se procurava do mesmo passo assegurar, a par de medidas de estímulo às transacções comerciais electrónicas (por exemplo, o reconhecimento da assinatura electrónica).

A generalização do uso da Internet, quer pelas empresas, quer pelos indivíduos para múltiplos fins, conduziu a União Europeia a estender, progressivamente, a sua acção a novos campos, como a salvaguarda dos direitos dos criadores cujas obras são disponibilizadas em rede ou a regulação dos conteúdos aí difundidos e circulados. A percepção das ameaças decorrentes da utilização da Internet para a prática de crimes graves (em especial o terrorismo) esteve, por seu turno, na origem do novo regime de retenção de dados, o qual se propõe facilitar a obtenção de “prova digital”, contribuindo, por essa via, para combater o uso da rede para fins ilícitos.

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Internet, mercado interno, direitos de autor

A “Directiva europeia relativa a certos aspectos jurídicos dos serviços da sociedade de informação, incluindo o comércio electrónico” (2000) constitui o principal instrumento de regulação dos contratos e transacções comerciais por via electrónica na União Europeia. Ao mesmo tempo que liberaliza o estabelecimento e a actividade dos prestadores de serviços (dispensando-os de qualquer regime de autorização prévia), a Directiva protege o consumidor mediante a imposição a estas empresas de obrigações especiais de informação (relativas à própria empresa prestatária – nome, morada, contactos, registo de comércio, etc. – e aos preços dos produtos ou serviços), procurando assim minimizar os perigos decorrentes da natureza transitória das transacções. Uma importante disposição desta directiva é ainda a que exonera de responsabilidade os intermediários que asseguram o simples transporte ou armazenagem de informações. Esta isenção de responsabilidade não se aplica, no entanto, quando sejam estas mesmas entidades a iniciar a transmissão, a seleccionar o receptor, ou a escolher ou modificar o conteúdo da informação transmitida.

A questão dos direitos de autor na Internet é também tratada no quadro das regras do mercado interno. A “Directiva europeia sobre harmonização dos regimes do direito de autor e direitos conexos na sociedade da informação” visa, sobretudo, incentivar a criatividade e a inovação nas indústrias e serviços de informação e comunicação, o que implica assegurar a protecção jurídica de autores e editores que divulguem ou comercializem obras (textos literários, trechos musicais, filmes, vídeos, entre outros) na rede. Como reconhecera o Livro Verde da Comissão Europeia sobre o direito de autor e os direitos conexos na sociedade da informação (1995), “uma vez que os serviços são prestados em rede, torna-se mais difícil, sem uma protecção adequada, evitar que a obra e a prestação sejam copiadas, transformadas ou exploradas à revelia e em detrimento dos titulares do direito”.

Não é, porém, consensual que a Internet justifique um reforço da protecção dos direitos dos autores. Se há quem o defenda como forma de compensar a maior vulnerabilidade das criações intelectuais no espaço “virtual”, há igualmente quem invoque a natureza descentralizada da rede a fim de sustentar uma maior abertura à livre circulação e utilização das criações intelectuais. Mais do que o controlo sobre a reprodução de obras, o que é importante hoje para alguns criadores e produtores é a relação com os utilizadores ou clientes, preferindo disponibilizar livremente as suas obras na Internet, como estratégia de reforço da sua reputação. Se esta prática se pode explicar, frequentemente, por razões ou motivações económicas, a própria cultura da Internet justifica, alega-se, uma liberalização dos direitos de propriedade intelectual. Os movimentos do “software livre” e dos “creative commons” aí estão a demonstrá-lo.

 

Práticas ilícitas e auto-regulação

Se a instituição legislativa tem mantido, como se notou, o seu papel na regulação do mercado interno, a auto-regulação tem sido a via preferida para a prevenção e controlo de conteúdos ilícitos e prejudiciais disponibilizados e circulados na Internet. No seu “Programa comunitário plurianual para a promoção de uma utilização mais segura da Internet e das novas tecnologias em linha – 2005 - 2008”, a União Europeia aposta na responsabilização dos agentes económicos e sociais por um uso legal e responsável dos serviços de informação e de comunicação. A União Europeia procura, em particular, reforçar a eficácia das medidas nacionais, marcadas por diferentes sensibilidades éticas e culturais, por meio da promoção de códigos de conduta dos profissionais do sector, da cooperação entre as partes interessadas, do estabelecimento de uma rede europeia de hotlines (linhas directas acessíveis aos internautas, que as podem utilizar para assinalar a existência de conteúdos ilícitos ou prejudiciais) e da atribuição aos sites de rótulos de qualidade.

Note-se que se entende serem prejudiciais os conteúdos que, embora lícitos, sejam susceptíveis de afectar negativamente grupos sociais mais vulneráveis, em particular as crianças. Segundo as instituições europeias, a sua protecção passará, antes de mais, pela adopção de boas práticas em matéria de identificação e apresentação de conteúdos e pelo apoio ao exercício de vigilância parental.

A Internet põe, além disso, em risco a reserva da vida privada e dos dados de carácter pessoal, em virtude quer do aumento da quantidade de informações que nela são recolhidas e armazenadas, quer da possibilidade de intercepção ilícita de comunicações privadas. A “Directiva europeia relativa à protecção das pessoas individuais no que se refere ao tratamento de dados de carácter pessoal e à livre circulação de dados”, já mencionada, contempla um conjunto de garantias de protecção dos dados nominativos que, embora concebidas antes da massificação da Internet, foram consideradas de um modo geral extensíveis ao quadro da rede pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (Acórdão sobre o Proc. C-101/03, Bodil Lindqvist, JO C 7, 10.01.2004, p. 3).

Finalmente, a “Directiva relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações electrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações” (2006) traduz a extensão dos limites da actuação da União Europeia a uma área, a da repressão do crime, remetida até há pouco tempo para a autonomia reguladora dos Estados. Mais um sinal, certamente, do imperativo de reforçar a cooperação internacional como condição sine qua non para lidar com a natureza transnacional da Internet.

São, em suma, consideráveis os desafios que a Internet vem colocando às autoridades públicas, internas e internacionais, às empresas e aos cidadãos. A Internet propicia uma “explosão” da criatividade humana e da inovação, com inegáveis benefícios para todos. Mas justamente por acentuar o valor social e económico da informação, ela é utilizada, cada vez mais, como instrumento de negócio, daí decorrendo dinâmicas contraditórias com as lógicas da liberdade, da segurança e da cidadania. A perda de eficácia dos mecanismos tradicionais de controlo estatal apela a uma maior iniciativa e responsabilização seja de operadores, seja de utilizadores.

É, assim que, a par de uma “revolução” tecnológica, estamos porventura a assistir neste campo a uma “revolução” nos modos de governar.

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Informação Complementar

Uma instituição original: o Fórum des Droits sur l'Internet

O “ Fórum des Droits sur l'Internet ” é uma entidade de características inovadoras na Europa. Constituído formalmente como uma associação sem fins lucrativos, foi lançado pelo primeiro-ministro francês em 2000. O Fórum opera como uma instância permanente de co-regulação da Internet, assegurando o diálogo e a concertação entre entidades públicas e privadas e utilizadores a respeito das questões de direito e de sociedade que se relacionam com a rede. Esta actividade.

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* Maria Eduarda Gonçalves

Professora catedrática do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa – ISCTE.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Regulação da utilização da rede nas esferas económica e social

Link em nova janela Governar a internet: utilização por continentes

Link em nova janela Governar a internet: implantação da internet por continentes (% da população)

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