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- JANUS 2008 -



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Globalização: novos actores e novos desafios

Vítor Corado Simões *

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A globalização é, em larga medida, consequência dos desenvolvimentos tecnológicos do pós-guerra. A evolução nos domínios dos transportes e das comunicações e a revolução nas tecnologias de informação transformaram o mundo. Mas transformaram, do mesmo passo, o modo como nós olhamos para ele e como o vemos. O mundo ‘encolheu'. Esta percepção não é exclusiva dos cidadãos dos países mais avançados. Observa-se também nos países em desenvolvimento de Africa, da Ásia Central ou da América Latina. Para alguns esse ‘encolhimento' traduz-se num acesso mais fácil a produtos, informação ou serviços e numa maior mobilidade internacional. Para outros, mais desprovidos, o ‘encolhimento' corresponde a uma percepção de probabilidades acrescidas de entrada, para procurarem ‘migalhas' na mesa dos ricos. Para uns e outros, para o bem e para o mal, o mundo está mais pequeno...

Não temos espaço aqui para discutir se ele está mais plano, como argumenta Thomas Friedman, ou mais pontiagudo, como sustenta Richard Florida. Provavelmente as duas coisas, dependendo da óptica adoptada. A conectividade global e a inserção de novos espaços nessa economia não é incompatível com o aumento das desigualdades no interior daqueles espaços. Mas parece inquestionável que se tem vindo a desenvolver um sentimento de maior proximidade... mesmo para aqueles que desesperam por uma intervenção da ONU para pôr termo a guerras inomináveis ou para providenciar ajuda alimentar.

Simultaneamente, o tempo é cada vez mais rápido. A conjugação de computadores e comunicações, a redução dos custos das comunicações internacionais e a explosão da Internet alteraram a nossa percepção do tempo. Não apenas o tempo económico, mas também o tempo individual, quotidiano. A conectividade internacional é imediata. Faz-se on-line, pelo computador ou pelo telefone, em praticamente todo o mundo, apesar das barreiras colocadas pelas diferenças de standards. A resposta tem de ser imediata: na volta do mail − não na volta do correio tradicional. Temos cada vez mais call-centers localizados em sítios longínquos e improváveis e serviços prestados à distância. A impossibilidade de escapar à ‘ditadura' dos fusos horários abre, por outro lado, novas oportunidades de actividade económica, numa lógica ‘ round-the-clock '.

A conjugação de um mundo mais pequeno com um tempo que corre cada vez mais depressa veio traduzir-se em novas lógicas económicas e em percepções distintas de espaços de oportunidade. Numa economia em que a procura tem uma relevância crescente, a capacidade de combinar tempos mais curtos com espaços de abastecimento mais amplos, no quadro de supply chains internacionais, tornou-se factor de geração de vantagem competitiva. Cada vez, porém, as exigências são maiores. Hoje, não basta gerir eficientemente cadeias de abastecimento. Muitos estão já em condição de o fazer. O desafio passou para a gestão de cadeias de conhecimento à escala global.

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Os actores e as estratégias: novos e tradicionais

Os protagonistas centrais do movimento de globalização são indiscutivelmente as empresas multinacionais. São elas que têm tido uma contribuição decisiva para acelerar o fenómeno, de forma a estender a sua presença em termos mundiais. Apesar de autores como Alan Rugman argumentarem que dominam ainda estratégias regionais, contestando que as actividades das empresas multinacionais tenham um âmbito verdadeiramente global, parece indesmentível que as maiores multinacionais têm uma perspectiva cada vez mais planetária da sua actuação e estratégia. Em 1985, Kenichi Ohmae introduziu o conceito de ‘Tríade' para designar um espaço global de mercado, constituído pelos Estados Unidos, Europa e Japão, encarado como o núcleo de um mercado global, do qual outras áreas regionais seriam apêndices. Segundo ele, a definição de uma estratégia global implicaria uma visão ‘triádica' do mundo, não influenciada pela origem nacional das empresas. Todavia, esse tempo em que global era equivalente a ‘triádico' já passou. A queda do 'muro de Berlim' e sobretudo a entrada em cena de novos actores, baseados nomeadamente na China e na Índia, veio mudar significativamente as regras do jogo. O mundo globalizado de hoje é muito mais amplo que a Tríade...

Paralelamente, as empresas multinacionais que inicialmente estimularam o processo estão agora a ser parcialmente vítimas da dinâmica que elas próprias criaram. Elas vão sendo confrontadas com novos actores que, partindo muitas vezes da ‘base da pirâmide', foram criando competências específicas que − aliadas à vantagem de aceder a uma pool de recursos, nomeadamente humanos, a custos mais baixos − os tornaram concorrentes temíveis. Os exemplos da Lenovo (que comprou a divisão de computadores da IBM), da Ranbaxy (que está hoje entre os maiores players mundiais da indústria farmacêutica) , da Wipro (um dos líderes de business process outsourcing) ou da Electric Co. (um dos principais produtores mundiais de electrodomésticos) são elucidativos. Estes novos actores, oriundos da China e da Índia, introduziriram novas dinâmicas competitivas a que muitas empresas instaladas não têm conseguido responder. Com efeito, o ‘lastro' do passado, em termos de recursos e de localização, condiciona a adaptabilidade destas últimas às novas condiçoes competitivas.

O processo é bem expresso nas estatísticas publicadas pela UNCTAD (2006) sobre o investimento directo proveniente dos países em desenvolvimento e em transição. O peso destes países nos fluxos de investimento mundial tem vindo a crescer de forma sustentada. De apenas 2% do total nos anos oitenta, passou para cerca de 8% na década de noventa e ultrapassou os 10% no presente decénio (mais de 15% em 2004/5). Os novos players referidos acima deixaram de ser marginais. O seu peso é já hoje demasiado significativo para ser ignorado.

Simultaneamente, a ideia de uma concentração daqueles países em actividades trabalho-intensivas, assentes em baixos custos salariais,não tem plena correspondência com a realidade. O nível de investimento em I&D da China tem aumentado espectacularmente, a um ritmo superior a 20% ao ano, tendo ascendido a 1,23% do PIB em 2004 (a cifra correspondente para Portugal era 0,8% em 2003). O objectivo é atingir 2% em 2010 e 2,5% em 2020 (Wilsdon e Keeley, 2007). Embora com maiores desequilíbrios, também a Índia tem reforçado o investimento em I&D. Este correspondeu em 2004/5 a 0,8% do PIB. O objectivo definido é chegar aos 2% no prazo de 5 anos. Apesar de 60% do esforço de I&D serem destinados à defesa, existem diversas áreas − como as ciências da computação, as tecnologias de informação ou a biotecnologia − em que a Índia atinge níveis de excelência (Bound, 2007).

 

Novos desafios

A geografia mudou. Numa primeira fase, certos países em desenvolvimento foram encarados basicamente como locais de produção a baixos custos, constituindo elos para a expansão de cadeias de fornecimento de produtos e de serviços à escala global. A China era vista como o eldorado para o estabelecimento de actividades de produção sensíveis aos custos e intensivas em trabalho pouco qualificado. A Índia, onde o inglês constitui muitas vezes o idioma-ponte entre a diversidade de línguas locais e onde existe uma base considerável de recursos humanos com elevadas qualificações, foi a localização privilegiada para serviços informáticos, nomeadamente software, e para centros de serviços partilhados.

Todavia, hoje, ao contrário do que um certo imaginário popular tende a sugerir, Índia e China deixaram de ser apenas locais de produção de bens pouco sofisticados. É certo que continuam a sê-lo: a dimensão geográfica de qualquer dos países permite a existência de diversas ‘camadas' de actividades, através da extensão do movimento a novos espaços. Mas eles são também − cada vez mais − bases de desenvolvimento de actividades intensivas em conhecimento. A dinâmica de mudança, embora regionalmente desigual, é tão intensa que as oportunidades de cruzamento de conhecimentos, os desafios em busca de solução e a pressão do mercado exigem o estabelecimento de unidades, não apenas de fabrico e/ou de prestação de serviços, mas também de investigação, de que é exemplo o centro de I&D da Nokia na China. A recente preocupação chinesa com a salvaguarda dos direitos de propriedade intelectual é um testemunho adicional da mudança em curso.

Neste quadro, a resposta aos desafios colocados pelo surgimento de novos actores passa necessariamente pela capacidade de as políticas públicas a nível europeu (e nacional) estimularem o desenvolvimento e aplicação de competências a um ritmo mais acelerado. Passa também por instilar uma nova ambição na juventude europeia, pela conjugação entre a exploração da diversidade e a promoção da cooperação e pela atracção de talentos de países terceiros.

No domínio empresarial requer a capacidade de as empresas repensarem as suas estratégias num quadro competitivo cada vez mais global, redefinirem os seus modelos de negócio para aproveitar as novas tendências socioeconómicas e explorarem as novas possibilidades de combinação de competências através de parcerias. A resposta aos desafios competitivos passa, em boa medida, pela cooperação. A capacidade de partilha e de combinação de conhecimentos é fundamental para concorrer num mundo onde o ‘determinismo' geográfico se tornou menos relevante. O desenvolvimento de lógicas de especialização dinâmica permite tirar partido das competências dos parceiros e reforça a capacidade de conceber e comercializar mundialmente produtos e serviços inovadores.

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Informação Complementar

Os países em desenvolvimento e em transição como origens de investimento directo internacional

Os designados , no vocabulário das Nações Unidas, países em desenvolvimento e em transição têm vindo a afirmar-se gradualmente como fontes de investimento directo no estrangeiro (IDE). Em 2005 estiveram na origem de IDE no valor global de 133 biliões de dólares, isto é, cerca de 17% do IDE mundial. Como se observa no gráfico “Evolução do IDE com origem nos países em desenvolvimento e em transição”, aquele valor não corresponde ao máximo histórico; este foi registado em 2000, com quase 150 biliões, devidos fundamentalmente a operações de grande vulto em paraísos fiscais. Todavia, a tendência é muito clara: nos anos oitenta, o IDE com origem naqueles países não representava mais de 2% do total; a partir de 1992 e até 1997 observa-se um crescimento significativo, de 3 para quase 10%; a partir de então, o crescimento tem sido menos regular, mas os fluxos ultrapassaram, tanto em 2004 como em 2005, os 120 biliões de dólares. Uma parcela considerável daquele valor resultou de grandes operações de fusões e aquisições. Em 2005, o stock total de IDE detido por entidades domiciliadas naqueles países correspondia a 14% do total mundial.

O gráfico “Repartição geográfica do stock” mostra a distribuição geográfica do stock, destacando-se a liderança da Ásia. Nesta região a principal origem de investimento é Hong.Kong; no entanto, Singapura, Taiwan, China e Malásia apresentam também elevados stocks de IDE. A parcela da América Latina e Caraíbas é influenciada pelos paraísos fiscais (ilhas Virgens Britânicas e ilhas Cayman); excluindo estes, o Brasil assume a posição cimeira, seguido pelo México.

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* Vítor Corado Simões

Professor do ISEG – Instituto Superior de Economia e Gestão, Universidade Técnica de Lisboa.

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Referências bibliográficas

BOUND, Kirsten (2007) – “India: The uneven innovator”. In The Atlas of Ideas, Londres: Demos.

UNCTAD (2006) – World Investment Report 2006. Genebra e Nova Iorque.

WILSDON, James e KEELEY, James (2007) – “China: The next science superpower?”. In The Atlas of Ideas, Londres: Demos.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Evolução do IDE com origem nos países em desenvolvimento e em transição

Link em nova janela Repartição geográfica do stock

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