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- JANUS 2008 -



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Um novo século na divisão internacional do trabalho

Francisco Louçã *

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O conceito de divisão internacional do trabalho refere-se, paradoxalmente, à repartição do poder entre capitais. Os capitais, por sua vez, no seu espaço e tempo organizam trabalho. Por sua vez, esta organização desenvolve-se no quadro do sistema evolutivo mais dinâmico que a sociedade humana organizou até hoje, o capitalismo. É a análise desses fundamentos e desse processo que quero apresentar resumidamente nesta secção.

 

Antecedentes

O conceito de divisão internacional do trabalho – entre capitais – tinha sido abordado por vários precursores da ciência económica, até Adam Smith lhe dedicar o seu “Inquérito sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações”. Na verdade, era esse um dos problemas essenciais que interrogavam os economistas: o que é que produz valor e porque é que umas nações são mais ricas do que outras.

Mas foi David Ricardo quem, entre os economistas clássicos, tratou de forma mais rigorosa esta questão, utilizando o exemplo do Tratado de Methuen (1703) entre Portugal e a Grã-Bretanha. O Tratado previa que Portugal vendesse vinho do Porto à Grã-Bretanha, que lhe venderia tecidos. Haveria assim duas vantagens: cada país especializava-se numa produção em que era mais competitivo, e o comércio internacional beneficiaria ambos.

Este exemplo tornou-se um paradigma para os estudos sobre a divisão internacional do trabalho. É certamente polémico, pois salta à evidência que a Grã-Bretanha se especializava no input fundamental da Primeira Revolução Industrial e podia assim desenvolver a mecanização da sua indústria, construindo vantagens cumulativas. Os historiadores portugueses discutem por isso se o atraso português é subsidiário do Tratado de Methuen.

 

Capitalismo

O capitalismo é o sistema social mais dinâmico até hoje imposto na sociedade humana. A sua dinâmica depende da capacidade de inovação, tecnológica ou organizacional, e são esses grandes movimentos de inovação que estruturam a divisão internacional do trabalho.

Resumidamente, creio que esses processos de inovação se desenvolvem por grandes clusters de transformações, que criam novos sistemas tecnoeconómicos a partir do impasse e degradação dos anteriores. Assim, a determinação das zonas económicas que dominam corresponde à conformação de novos pólos da divisão internacional do trabalho, como se destaca no quadro “Ondas de inovação e divisão internacional do trabalho”.

 

História das grandes inovações

É verdade que algumas das indústrias que se vieram a tornar as mais características da Revolução Industrial estavam já a crescer nos séculos XVI ou XVII, ou até antes – muitas inovações na maquinaria têxtil, por exemplo, estavam já na forja na Idade Média e algumas das mais importantes alterações sociais e culturais que são frequentemente vistas como fazendo parte da Revolução Industrial tiveram início muito antes. Apesar disso, a aceleração da taxa de crescimento de várias indústrias-chave nos finais do século XVIII, a onda de inventos e inovações que tornou possível tal aceleração e a deslocação da produção doméstica para a produção fabril constituíram um conjunto de acontecimentos que legitima a utilização do termo «revolução».

Entre os historiadores, é comum desde há muito tempo a utilização de expressões como «era do vapor» ou «era da electricidade», mesmo se o fizessem apenas por uma questão de periodização descritiva conveniente. Este tipo de classificação é necessária não apenas por conveniência, mas também porque nos permite desenvolver uma melhor compreensão dos padrões sucessivos de alterações ocorridas na tecnologia, na estrutura industrial, e, na verdade, no sistema económico e social mais vasto, dada a importância das características sistémicas da tecnologia. A inovação e disseminação de novos produtos e novos processos não constituem acontecimentos isolados, estando sempre e necessariamente relacionados com a disponibilidade de matérias-primas, abastecimento de energia, componentes, competências, infra-estruturas, etc. Muito frequentemente, conforme observou Schumpeter, as inovações surgem concentradas num local e muito raramente, a ter sucedido alguma vez, se distribuem uniformemente no tempo ou no espaço. Há razões óbvias para isto suceder desta forma, como descobertas científicas que abrem as portas a famílias inteiras de novos produtos, como é o caso, por exemplo, da biotecnologia e da química macromolecular.

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Tecnologias generalistas

Uma fonte de energia ou matéria-prima que cresça rapidamente ou seja nova pode produzir efeitos semelhantes, como aconteceu com o petróleo e a electricidade. Rikard Stankiewicz (2000) referiu-se a isto como sendo a abertura de um novo «espaço de concepção» para engenheiros e empresários, ao passo que Bresnahan e Trajtenberg (1995) usaram pela primeira vez a expressão “General Purpose Technologies” (Tecnologias para fins gerais, TFG) para descrever as mudanças que têm efeitos universais. Muito antes, Nelson e Winter (1977) usaram a expressão «trajectórias naturais generalizadas» para se referirem a este fenómeno.

São estas tecnologias de aplicação generalista que constituem hoje o centro da construção de vantagens competitivas. Em consequência, a divisão internacional do trabalho é decidida pela capacidade de controlo do conhecimento e da produção dessas tecnologias.

 

Uma ideia falsa

Da existência de mercados muito organizados e de diferenciais de produtividade gigantescos, com a polarização da economia mundial, não se pode inferir que a divisão internacional do trabalho esteja permanentemente sobredeterminada e que seja impossível que sofra alterações importantes. Se assim fosse, a Grã-Bretanha seria ainda a economia dominante, como foi durante todo o século XIX.

Pelo contrário, as ondas de inovação no contexto do esgotamento do paradigma tecnoeconómico anterior permitem que novas zonas económicas e outros capitais adquiram posições dominantes nos novos sectores industriais ou nos novos produtos. Essas janelas de oportunidade podem ser exemplificadas com a emergência do Japão no pós-guerra ou com o nascimento da Microsoft.

 

A genealogia de uma inovação

De uma forma simplificada e esquemática, podemos distinguir as seguintes fases no ciclo de vida de um sistema tecnológico:

1. A fase laboratorial-inventiva, com os primeiros protótipos, demonstrações em pequena escala e primeiras aplicações;

2. Demonstrações decisivas de exequibilidade técnica e comercial, com aplicações potenciais generalizadas;

3. Início e crescimento explosivos durante a fase turbulenta da crise estrutural na economia e uma crise política de coordenação, enquanto se estabelece um novo regime de regulação;

4. Crescimento substancial continuado, sendo agora o sistema aceite como senso comum e regime tecnológico dominante nos principais países da economia mundial; aplicação numa gama ainda mais vasta de indústrias e serviços;

5. Abrandamento e diminuição da rendibilidade à medida que o sistema amadurece e é posto em causa por novas tecnologias, conduzindo a uma nova crise de ajustamento estrutural;

6. Maturidade, com alguns efeitos possíveis de «renascimento» a partir da coexistência proveitosa com tecnologias mais recentes, mas também possibilidade de desaparecimento gradual.

São as fases 2 a 5 que se encontram relacionadas com os movimentos ondulantes que ocorrem no sistema económico e social e que foram designados, a partir de Schumpeter, como «ondas de Kondratiev». Na fase 1, os efeitos económicos são praticamente imperceptíveis, embora esta fase possa durar bastante tempo. Os longos períodos de gestação e disseminação tornaram-se hoje óbvios a partir do exemplo da tecnologia da informação e da Internet. A origem desta tecnologia remonta há mais de meio século, em termos de ciência e invenção, mas, em termos dos efeitos macroeconómicos da sua difusão, estes fizeram-se sentir em particular no último quartel do século XX. Poderão ser ainda maiores no primeiro quartel do século XXI, quando a disseminação mundial da tecnologia da informação e das comunicações (TIC) afectar todos os países e todos os sectores da economia. A taxa de disseminação pode abrandar um pouco, descendo abaixo dos primeiros dias tempestuosos, mas o peso dos novos sistemas tecnológicos na economia agregada é agora muito maior, de forma que os efeitos macroeconómicos são vastíssimos. E é precisamente no contexto destas grandes vagas que surgem novas empresas, novos produtos e novas zonas económicas com peso importante na economia mundial.

Essas vagas permitem as melhores janelas de oportunidade para novos actores que transformem a divisão internacional do trabalho – seja pela criação de novas indústrias, seja pelo desenvolvimento de novas regiões de elevada produtividade e competitividade. Em todo o caso, como o gráfico seguinte demonstra (as áreas dos países são deformadas para indicar o peso proporcional da população que tem mais de 200 US$ por mês), a distorção da distribuição mundial da riqueza e das oportunidades é uma consequência da divisão internacional do trabalho.

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Informação Complementar

Efeito dominó nas bolsas mundiais

A financiarização da economia mundial, decorrente em particular do processo de globalização com desregulação, impõe uma forma particular de divisão internacional do trabalho, dado que os maiores centros financeiros passam a deter um poder suplementar. Mas esse poder aumenta as contradições do sistema internacional, precisamente porque a desregulação multiplica os factores de instabilidade. É por isso que o efeito dominó das crises é tão acentuado.

Um exemplo elucidativo é o da crise de Agosto de 2007. A crise é desencadeada pela descoberta da incapacidade de liquidez dos devedores à banca para compra de habitações, quando sobem os juros nos Estados Unidos. Acontece que as empresas financeiras que detêm esses créditos tinham-nos titularizado, ou seja, tinham emitido títulos para a Bolsa, tendo os créditos de alto risco como garantia, repartindo assim o perigo. Um décimo do mercado hipotecário dos Estados Unidos está em risco. É claro que, enquanto durou, este mecanismo de facilitação do crédito (com juros baixos) promoveu a expansão norte-americana desde 1995, criando uma “bolha imobiliária” que muitos economistas já tinham notado. Mas, agora, chegou o momento de pagar e nem os endividados nem as empresas têm como pagar.

A resposta dos bancos centrais foi muito rápida. Pela primeira vez desde o 11 de Setembro de 2001, houve uma intervenção simultânea das autoridades monetárias dos EUA e da UE, injectando liquidez no sistema, para manter a confiança das Bolsas – em dois dias, o dobro do Produto Interno Bruto português.

Mas esta acção não basta. A Reserva Federal norte-americana, para reforçar a sua acção, resolveu ainda baixar a taxa de desconto (a taxa a que empresta dinheiro aos bancos comerciais), conduzindo assim a uma redução da taxa de juro. Ao mesmo tempo, a Europa continua a aumentar a sua taxa de juro, segundo o Banco Central Europeu para evitar a inflação. Assim, as taxas descem nos Estados Unidos e sobem na Europa.

A aproximação de uma recessão nos EUA torna esta situação mais arriscada, pelos fluxos de capital que determina e pela desvalorização do dólar, que por sua vez prejudica as exportações europeias. São esses dois processos – financeiro e de produção de mercadorias e serviços – que determinam a evolução da divisão internacional de trabalho com uma recessão mundial à porta. Será o maior teste económico à União alargada.

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* Francisco Louçã

Mestre em Economia e Gestão da Ciência e Tecnologia. Doutor e Agregado em Economia no Instituto Superior de Economia e Gestão. Docente universitário.

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Referências bibliográficas

BRESNAHAN, T. e TRAJTENBERG, M. (1995) – “General Purpose Technologies: Engines of Growth”, Journal of Econometrics, 65: 83-108.

FREEMAN, Chris e LOUÇÃ, Francisco (2004) – Ciclos e Crises no Capitalismo Global. Porto: Afrontamento.

NELSON, R. e WINTER, S. (1977) – “In Search of a Useful Theory of Innovation”, Research Policy, 6: 36-76.

STANKIEWICZ, R. (2000) – “The Concept of Design Space”, in ZIMAN, J. (ed.), Technological Innovation as an Evolutionary Process. Cambridge: CUP, 234-48.

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Dados adicionais
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