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- JANUS 2008 -



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Globalização e implicação nas estruturas do trabalho

António Brandão Moniz *

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De acordo com Radice, a globalização é geralmente definida como “um processo através do qual uma proporção crescente de transacções económicas, sociais e culturais, ocorre directamente ou indirectamente, entre parceiros de diferentes países” (Radice, 2004: 154). Mas outra definição, mais clássica, deriva do postulado de Rosa Luxemburg que, já em 1913, referia que o capitalismo necessita de continuamente se expandir territorialmente para dispor de um mercado “exterior”. Desse modo, este sistema económico pode utilizar uma mais-valia que não pode ser adquirida pelos salários dos seus trabalhadores. Se os seus salários pudessem totalizar o mesmo valor que os bens produzidos, não haveria então lucro e o sistema não poderia ser caracterizado como capitalista. Com efeito, a procura de novos mercados é uma característica deste modelo económico que se vem desenvolvendo nos últimos séculos.

No entanto, os apoiantes da globalização acreditam que, sendo este processo sobretudo orientado para o mercado, deverá existir uma fase seguinte de construção de instituições políticas globais que representem a vontade dos cidadãos a um nível global. Inclusivamente, estes apoiantes da globalização são muitas vezes críticos de algumas políticas económicas de países mais desenvolvidos. Criticam sobretudo os elevados subsídios e taxas protectoras na agricultura. Cerca de metade do orçamento da União Europeia é gasto em subsídios à agricultura, principalmente para grandes empresas do sector (cf. Watkins, Kevin; Jung-ui Sul: 2002). Em 2005, o Japão subsidiou este sector num montante quatro vezes superior ao concedido à ajuda externa. E os EUA gastam anualmente com os seus produtores de algodão três vezes mais que todo o orçamento da ajuda externa que este país fornece a África.

Num outro sentido, as críticas da globalização enfatizam o facto deste processo ser mediado de acordo com os interesses das grandes empresas. Desse modo, instituições e políticas alternativas globais poderão ser mais adequadas a estruturas de trabalho mais justas no mundo.

 

Cadeias de valor globalizadas

Numa economia global as cadeias de valor assumem igualmente uma dimensão global, mais extensa e fragmentada. As “cadeias de valor” descrevem cada etapa do processo produtivo de um produto ou serviço final. O termo “valor” refere-se ao valor acrescentado. Cada etapa na cadeia de valor implica receber inputs , processá-los e passá-los, seguidamente, à unidade seguinte na cadeia, com o valor que está sendo adicionado no processo. As unidades separadas da cadeia de valor podem estar dentro da mesma empresa ( in-house ) ou em empresas distintas ( outsourced ). De igual modo, podem situar-se no mesmo local ou em qualquer outra localização.

A normalização de muitos processos do negócio, combinada com a digitalização da informação e o desenvolvimento de redes de telecomunicações de elevada capacidade, tornou possível o trabalho telemediado, podendo este ser externalizado e/ou deslocalizado, conduzindo à introdução de uma divisão do trabalho internacional no trabalho de processamento da informação.

Para uma empresa, a decisão de abrir um departamento de produção num outro país pode ser apoiada por um conjunto diversificado de razões, ou por um encadeamento de justificações, no prosseguimento de uma estratégia de gestão. Esta é a situação actual para todas as indústrias da economia portuguesa, em particular, em sectores em acelerada reestruturação. Por exemplo, uma empresa pode decidir comprar uma subsidiária num país em desenvolvimento (Europa de Leste, Ásia, Norte de África ou América Latina) tendo em vista investir algum capital. Mas, neste processo, pode igualmente ter acesso a novos mercados ou a mão-de-obra ainda mais barata que em Portugal. Apesar das dificuldades em as identificar, é conveniente considerar as diferentes motivações, para podermos ter em consideração as dinâmicas de uma reestruturação global dos processos de trabalho.

A economia global e a crescente competição que a caracteriza forçam as empresas a reestruturar-se, decidindo se devem deslocalizar para o estrangeiro algumas capacidades de produção, ou se devem subcontratar produção e serviços. Estas actividades podem conduzir quer a uma concentração espacial de determinadas funções quer a uma descentralização espacial de determinadas funções em pequenas unidades.

Em consequência das transformações macroeconómicas e dos processos de reestruturação na indústria, as cadeias de valor tornam-se mais extensas, mais complexas e fragmentadas. Para além disso, existe uma procura crescente de diferentes intermediários, os quais desempenham diferentes papéis, desde a coordenação de redes de distribuição, à gestão logística, recrutamento, negociação e treino (Huws e Ramioul, 2006: 23).

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Divisão global do trabalho

O desenvolvimento de uma divisão global do trabalho não é uma situação nova. Com efeito, a globalização pode ser entendida como um sistema de interligação (conectividade) na economia e na vida cultural através do mundo. E, sendo assim, esse sistema tem vindo a crescer ao longo dos últimos séculos. O século XX, sobretudo, assistiu ao crescimento de empresas multinacionais operando de forma independente dos interesses dos Estados-nação em que se instalavam.

Desde os anos 1970 uma “nova divisão global do trabalho” é introduzida na indústria transformadora, através da parcelarização dos processos de produção, em diferentes subprocessos a que corresponde uma redistribuição destas actividades por diferentes pontos do globo, para onde quer que as condições se revelem mais favoráveis (Froebel, Heinrichs e Krey, 1977).

As últimas décadas assistiram a um crescimento contínuo deste processo, em que indústrias tão diversas como o vestuário ou a electrónica dispersam as suas unidades de produção para longe das economias desenvolvidas. E isso tem acontecido tanto em Portugal como noutros países europeus. No entanto, tal estratégia implica elevados custos de mão-de-obra e elevados constrangimentos ambientais, para países em desenvolvimento. São frequentemente países em “zonas de comércio livre” onde se oferecem diferentes incentivos financeiros. Aí a regulamentação quer ambiental quer laboral é suspensa, num esforço para atrair o máximo investimento estrangeiro possível.

A globalização dos mercados, da produção, dos fluxos de capitais e uma nova abordagem do conhecimento envolvem a reestruturação das empresas, das cadeias de valor e, naturalmente, mudanças na organização do trabalho.

No mercado global dos serviços surge um novo espaço, no qual o lado da oferta, e não o lado da procura, pode determinar as regras do jogo. Poder-se-á concluir que, para ganhar visibilidade na dinâmica de reestruturação das cadeias de valor globais, é essencial ter em consideração o papel dos intermediários, que surgem agora com uma importância crescente.

Mas a globalização pode também ser entendida do mesmo modo que internacionalização, porque se refere a características do sistema capitalista e emerge de algumas condições tecnológicas e organizacionais. Manuel Castells acredita que a globalização é multidireccional e inclui valor na sua rede operacional e exclui o que não produz valor. A globalização é, na sua perspectiva, reversível mas não é necessariamente sustentável. As empresas multinacionais procuram, em primeiro lugar, estabelecer-se ou contratar operações (quer de produção, de serviços de vendas) em países e regiões onde podem explorar trabalho e recursos baratos.

Isso pode significar, em primeiro lugar, riqueza adicional fluindo para essas comunidades onde as empresas multinacionais se instalam. Mas esta forma de globalização pode levar consigo desigualdades muito significativas. Muitas vezes significa desemprego em larga escala nessas comunidades onde essas empresas estiveram localizadas antes. Ao mesmo tempo, os salários praticados nas novas instalações podem ser mínimos e os direitos dos trabalhadores serem tão pobres quanto as condições de trabalho. Isso pode ocorrer na Tailândia, no Paquistão, na China, mas também em Portugal e noutros países ocidentais – mesmo nos EUA.

Mas, além disso, as multinacionais procuram constantemente novos mercados ou mercados ainda não suficientemente explorados. Procuram aumentar as vendas tentando criar novas necessidades entre diferente grupos alvo.

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Estruturas de trabalho globalizadas

Central ao desenvolvimento das estratégias de globalização é também a desagregação das organizações em pequenas unidades funcionais que podem assim ser deslocalizadas.

A deslocalização espacial pode assumir a forma de concentração de funções em grandes unidades, geralmente organizadas de uma forma taylorística, ou de descentralização em pequenas unidades que podem evidenciar formas mais flexíveis de organização (Flecker e Kirschenhofer, 2002).

As estruturas de trabalho podem assim ganhar uma dimensão diferente, uma vez que se podem encontrar dispersas geograficamente e envolvendo trabalho de processamento de informação com mediação a distância. Este trabalho a distância (trabalho remoto ou teletrabalho) é uma das formas de trabalho que vem sendo utilizada mais recorrentemente neste tipo de estruturas globalizadas.

Por conseguinte, a globalização pode ser considerada uma forma de desterritorialização (ou como uma disseminação de supraterritorialidade). As estruturas de trabalho (linhas de produção, organização da força de trabalho, sistemas de gestão, formação, condições de trabalho) também se integram neste processo de desterritorialização, ou seja, podem organizar-se em espaços territoriais descontínuos.

Aqui o conceito de globalização diz respeito a uma reconfiguração da geografia dos sistemas de trabalho, porque o espaço social onde decorre a produção de riqueza pode não ser mais “mapeado” em termos de lugares ou de territórios (zonas industriais, fábricas, empresas), ou ainda de distâncias territoriais (Lisboa-Porto, Ponta Delgada-Aveiro), ou mesmo de fronteiras territoriais (Portugal-Espanha, EUA-Canadá, etc.). E não é apenas o conceito de empresa virtual que pode consubstanciar esse fenómeno, mas o conceito de empresa moderna, uma vez que a sua organização globalizada exige espaços de trabalho localizados em áreas distintas, e utilizando métodos, sistemas e meios que podem ser de tipo variado. Anthony Giddens definiu a globalização como uma intensificação das relações sociais a nível mundial que liga localidades distantes de tal modo que acontecimentos locais são formados por eventos que ocorrem a muitos quilómetros de distância e vice-versa (Giddens 1990: 64). Assim, por exemplo, os encerramentos de algumas empresas num país devem-se a alterações ocorridas noutro país totalmente distinto.

Outros autores definem a globalização como um processo (ou conjunto de processos) que constitui uma transformação na organização espacial das relações e transacções sociais. Essa transformação pode ser avaliada em termos da sua extensão, da sua intensidade, velocidade e do seu impacto. Mas esse processo gera ainda fluxos e redes de actividades a nível transcontinental ou inter-regional (David Held et al ., 1999: 16).

Manuel Castells descreve ainda a globalização como uma emergência de uma “sociedade em rede”, ou seja, uma forma social que não tem precedentes históricos. A tecnologia informática tornou possível a organização flexível de relações sociais independente dos territórios.

Na chamada “sociedade da informação”, a economia e a política continuam a determinar as estruturas de trabalho, mas já não estão organizadas em grandes dimensões, de modo hierárquico ou burocrático. Tendem estruturar-se em redes mais simples e horizontais. Assim, a base para o exercício do poder e a distribuição dos recursos tem vindo a alterar-se.

No livro Making Globalization Work (2006), Stiglitz oferece uma crítica aos apoiantes da globalização financeira que continua a pensar que, em geral, a globalização tem sido um verdadeiro sucesso. Este detentor do Prémio Nobel da Economia defende a liberalização dos mercados, mas contesta a ideia de que a globalização seja um facto a operar de acordo com os princípios de Adam Smith. No livro Globalization and Its Discontents (2002) Stiglitz diz que a globalização não trouxe os prometidos benefícios económicos a alguns dos mais pobres países do mundo. Ele argumenta que as políticas dos FMI contribuíram para a crise financeira do Leste Asiático, assim como para a crise económica da Argentina. Ele faz notar o falhanço da Rússia em se converter numa economia de mercado e os persistentes níveis baixos de desenvolvimento da África sub-Sahariana. As políticas específicas criticadas por Stiglitz incluem a austeridade fiscal, as elevadas taxas de juro, a liberalização do comércio e a liberalização dos mercados de capital e a insistência na privatização dos bens e investimentos do Estado.

Por ou tro lado, a produtividade e a competitividade are, mais do que tudo, uma função da geração de conhecimento e processamento de informação. As empresas e os territórios estão organizados em redes de produção, de gestão e de distribuição. Os centros da actividade económica são cada vez mais globais. Isso significa então que esses centros têm capacidade de trabalhar como uma unidade em tempo real, ou num tempo predeterminado, numa escala planetária (Castells 2001: 52).

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* António Brandão Moniz

Sociólogo especializado em Sociologia do Trabalho e das Organizações. Doutorado pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. Presidente do IET – Centro de Investigação em Inovação Empresarial e do Trabalho, Faculdade de Ciências e Tecnologia – Universidade Nova de Lisboa (UNL).

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Referências bibliográficas

BECK, Ulrich (1999) — What is Globalization?. Cambridge: Polity Press.

CASTELLS, Manuel (1996) — The Rise of the Networked Society. Oxford: Blackwell.

FROEBEL, F.; HEINRICHS, J. e KREY, O. (1977) — The New International Division of Labour. Cambridge: University Press.

HELD, D.; McGREW , A.; GOLDBLATT, D. e PERRATON, J. (1999) — Global Transformations – politics, economics and culture, Cambridge: Polity Press.

HUTTON, W. e GIDDENS , A. eds. (2001) — On The Edge. Living with global capitalism. London: Vintage. 241 + xi pages.

HUWS, U. e RAMIOUL , M. (2006) — “Globalisation and the restructuring of value chains”. In: Huws. U. (ed.): The transformation of work in a global knowledge economy: towards a conceptual framework. Leuven: Katholieke Universiteit Leuven. Higher institute of labour studies, pp. 13-28.

OSTERHAMMEL, Jürgen e PETERSSON, Niels P. (2005) — Globalization. Princeton University Press.

RADICE, H. (2004) — “Taking Globalization Seriously”. In L. Panitch, C. Leys, A. Zuege & M. Konings (eds.) — The Globalization Decade. Merlin: Londres.

SEN, Amartya, (1999) — Development as Freedom. Oxford University Press.

STIGLITZ, Joseph E. (2002) — Globalization and Its Discontents. Nova Iorque: W.W. Norton & Company.

STIGLITZ, Joseph E. (2006) — Making Globalization Work. Nova Iorque: W.W. Norton & Company.

WATKINS, Kevin e Sul, Jung-ui (2002) — “Cultivating Poverty: The Impact of US Cotton Subsidies on Africa”, Oxfam Briefing Paper, n.º 30, 37 pp.

 

Sítios de interesse

http://www1.worldbank.org/economicpolicy/globalization/

http://www.globalworkplace.org/?lid=14

http://www.portugal.attac.org/

http://www.ilo.org/public/english/fairglobalization/index.htm

http://www.ilo.org/global/Themes/Decentwork/lang--en/index.htm

http://www.worksproject.be

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