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- JANUS 2008 -



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Trabalho digno e reforma dos direitos sociais

António Casimiro Ferreira *

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As noções de trabalho digno e de flexigurança remetem ainda para um outro debate em que se contrapõem os paradigmas dos direitos humanos e dos direitos de cidadania. O papel desempenhado pela comunidade internacional e pelos Estado-nação constitui um elemento analítico central nesta discussão.

 

Trabalho digno e reforma dos direitos sociais

A perspectiva aqui sustentada é a de que o trabalho digno se conjuga com uma fundamentação dos direitos humanos, tendo por base a vulnerabilidade da natureza humana e a precaridade institucional (Turner, 2006). Por outro lado, o debate em torno da flexigurança, na medida em que se propõe reformular o Modelo Social Europeu e os modelos sociais nacionais dos Estados-membros, remete para a revisão do equilíbrio entre deveres e obrigações de cidadania social. A flexibilização, neste contexto, prefigura-se como uma unidade de medida para a produção e aplicação de normas laborais que poderão ser ou não passíveis de um reequilíbrio promovido pelos mecanismos de protecção dos trabalhadores.

Um dos elementos que se pode desde já acentuar na contraposição entre trabalho digno e flexigurança é o de o universalismo do trabalho digno e a sua filiação no património dos direitos humanos ter como contraponto, no caso da flexigurança, a dimensão regional de onde emerge o debate e a generalização das especificidades das experiências que em matéria de legislação laboral e protecção social ocorreram, sobretudo na Dinamarca. Apesar das dúvidas e críticas levantadas em torno destas duas noções, elas têm a virtualidade de nos conduzirem a uma reflexão envolvendo simultaneamente as dimensões da laboralidade e dos mecanismos de protecção social. É por essa razão que as discussões sociológicas e políticas em torno da solidariedade social não devem esquecer as lições e conclusões a retirar destes debates. O desafio de pensar a segurança e a protecção nas relações sociais tocadas pela cidadania social está longe de consensos. No entanto, este exercício exigente deve recusar o apriorismo de receitas e optar por uma hermenêutica “de suspeição” que de forma exaustiva interrogue os pressupostos, objectivos, efeitos e implicações éticas, políticas e jurídicas subjacentes à actual agenda laboral.

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As noções de trabalho digno e de flexigurança, de um ponto de vista analítico, podem constituir-se em unidades de análise sociológica nas quais se consubstanciam (1) diferentes princípios de regulação sociopolíticos; (2) relações e práticas sociais e padrões de interacção; e (3) efectividade das normas laborais definida pela congruência estabelecida entre as motivações, expectativas e atitudes jurídicas e sociais. Deste ponto de vista, é possível sumariar elementos críticos que definirão as possibilidades de trade off ou de complementaridade entre trabalho digno e flexigurança. Como é evidente, a tese por mim sustentada é de que a noção de trabalho digno no mínimo deve exercer um efeito de recalibragem sobre os modelos de flexigurança, sendo desejável que possa suprir as ausências e redução do campo de experiências sociais inscritas nos modelos de flexigurança. A busca de uma relação mais equilibrada entre experiências e expectativas no quadro da tensão entre sociologia das ausências e sociologia das emergências, defendida por Boaventura de Sousa Santos (2006), perspectiva o trabalho digno como um elemento de expansão das experiências sociais possíveis, fornecendo pistas e sinais credíveis para uma reforma democrática do direito das relações laborais. A refundação da normatividade laboral ou a nova razão jurídica laboral necessita de estabilizar as expectativas sociais e jurídicas e conferir confiança, estabilidade e segurança.

A assunção da fragilidade humana e precariedade institucional conduzem a uma ponderação das funções desempenhadas pelos direitos laborais, nomeadamente as que venham a ser afectadas pelas reformas em curso. Até que ponto a dignidade da pessoa humana se combina com critérios de eficácia económica é uma questão em aberto, sendo evidente que a primeira não deverá ser precarizada pela segunda. As reformas a introduzir devem pautar-se pelo reconhecimento dos elementos sociológicos constantes dos diagnósticos realizados, sobretudo daqueles que apontam os riscos de desfiliação e de insegurança sociais. É por esta razão que os reequilíbrios entre direitos e obrigações no domínio laboral não podem precludir os elementos identitários fundantes das relações e das normas reguladoras do trabalho.

 

Reconstruindo a normatividade e as relações laborais

Os campos sociais mais importantes para este exercício são, em meu entender, os seguintes: (1) contrariar a tendência de dessocialização da economia, o que neste domínio significa: a) descoincidir a temporalidade dos ciclos económicos das biografias individuais (transições involuntárias ou voluntárias desprotegidas); b) desindexar os direitos sociais dos ciclos económicos; (2) contrariar a tendência de recontratualização das relações laborais, tendo por base o paradigma civilista do direito assente na presunção de que o vínculo contratual será a forma mais perfeita de vínculo social ou de promoção da solidariedade, o que neste domínio significa: a) contrariar o paradigma do novo regime de gestão do trabalho e de acumulação baseado no contrato individual ou em formas atípicas de contratação; b) contrapor o que Wolfgang Streek (1987: 291) apontou como constelação de contrato e status e Hyman (2004) de passagem do status ao contrato, ao flexibility-security nexus de Wilthagen e Tros (2004); (3) contrariar a tendência de separação analítica e política entre o que Serge Paugan (2007: 379 e ss.) designa por precariedade do trabalho e precariedade do emprego ou entre relações de produção contratualmente estabelecidas entre trabalho e capital que constituem a relação salarial e as relações na produção que governam o trabalho concreto realizado pelos trabalhadores durante o dia de trabalho, relações entre trabalhadores e chefias reguladas segundo a normatividade dos costumes laborais, regulamentos ou tão somente regras de interacção que definem a cultura da empresa (Santos, 2004: 166), o que significa: a) não esquecer as especificidades emergentes das relações laborais e do direito do trabalho, nomeadamente a concepção do direito laboral como um campo de forças dependente da correlação de forças existente entre os parceiros sociais (Ferreira, 2005); b) recusar o cinismo social assente na ideia de despolitização das relações laborais e de não reconhecimento da assimetria de poder nelas inscritas estruturalmente; c) levar em consideração que os direitos sociais exigem um certo tipo de relações sociais, as quais devem ser escrutinadas de acordo com as experiências concretas de injustiça, de falta de reconhecimento, de respeito, de dignidade e de fragilidade humana inscritas nas relações laborais na linha dos trabalhos desenvolvidos por Axel Honneth, Emmanuel Renault, François Dubet, Bryan Turner, Anthony Woodiwiss, Avishai Margalit, Amartya Sen e Boaventura de Sousa Santos.

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Informação Complementar

Livro verde "modernizar o direito do trabalho para enfrentar os desafios do século XXI"

Os mercados do trabalho europeus devem enfrentar o desafio da articulação de uma maior flexibilidade com a necessidade de maximizar a segurança para todos. A procura da flexibilidade no mercado de trabalho conduziu a uma diversidade crescente das formas dos contratos de trabalho, que podem divergir significativamente do modelo clássico de contrato, não só em termos de segurança do emprego e da remuneração, como no que respeita à relativa estabilidade das condições de trabalho e de vida que lhe são inerentes.

Mas o modelo tradicional da relação de trabalho e emprego pode não estar adaptado a todos os trabalhadores com contratos de trabalho sem termo tradicionais, que devem enfrentar as mudanças e as oportunidades que a globalização oferece. Condições de trabalho e de emprego demasiado protectoras podem desencorajar os empregadores de recrutar durante períodos de retoma económica. A existência de modelos alternativos de relações contratuais pode reforçar a capacidade das empresas para dinamizar a criatividade de toda a sua mão-de-obra e desenvolver, deste modo, maiores vantagens competitivas.

O recente relatório sobre o emprego na Europa, 2006[25], constata que legislação em matéria de protecção do emprego demasiado restritiva tende a reduzir o dinamismo do mercado do trabalho, agravando as perspectivas de emprego das mulheres, dos jovens e dos trabalhadores mais velhos (idosos). Este relatório sublinha que uma desregulamentação «marginal», que mantenha praticamente intactas regras rigorosas aplicáveis aos contratos clássicos, tende a favorecer a segmentação dos mercados do trabalho e influencia negativamente a produtividade. Sublinha igualmente que os trabalhadores se sentem mais protegidos por um regime de prestações em caso de desemprego do que por legislação em matéria de protecção de emprego. A melhor garantia contra os riscos ligados ao mercado do trabalho parece resultar de regimes de prestações de desemprego bem concebidos em articulação com políticas laborais activas.

Os quadros jurídicos em que se baseia a relação de trabalho tradicional podem não garantir suficiente margem de manobra nem incentivo aos trabalhadores contratados através de contratos sem termo clássicos para explorar oportunidades de maior flexibilidade no trabalho. A boa gestão da inovação e da mudança implica que os mercados do trabalho tomem em consideração três aspectos principais: flexibilidade, segurança no emprego e segmentação.

Disponível em http://europa.eu/scadplus/leg/pt/cha/c10312.htm

 

Parlamento europeu

Está em profundo desacordo com o quadro analítico apresentado no Livro Verde, o qual declara ultrapassado o contrato-tipo de trabalho sem termo, aumenta a segmentação do mercado de trabalho e o fosso entre “trabalhadores integrados” e “excluídos”, pelo que deve ser considerado como um obstáculo ao crescimento do emprego e ao reforço do dinamismo económico (…).

Assinala que estudos recentes da OCDE mostram, a par de outros estudos, que não existem provas para a afirmação de que a redução da protecção contra o despedimento e o enfraquecimento dos contratos-tipo de trabalho contribuem para o aumento do emprego; assinala que o exemplo dos países escandinavos mostra claramente que um elevado nível de protecção contra o despedimento e as normas laborais são perfeitamente compatíveis com um aumento elevado do emprego (…).

Lamenta que a Comissão se tenha centrado no direito do trabalho individual e insta a Comissão a focar e a promover o direito do trabalho colectivo como instrumento para aumentar a flexibilidade e a segurança dos trabalhadores e das entidades patronais (…).

Fonte: http://www.europarl.europa.eu/news/expert/infopress_page/048-8996-190-07-28-908-20070709IPR08972-09-07-2007-2007-false/default_pt.htm


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* António Casimiro Ferreira

Doutorado em Sociologia na especialidade do Estado, do Direito e da Administraç\ão. Professor Auxiliar da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Investigador do Centro de Estudos Sociais.

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Referências bibliográficas

BARBIER, Jean-Claude (2007) – “From political strategy to analytical research and back to politics, a sociological approach of ‘flexicurity'”. In JØRGENSEN, Henning e MADSEN, Per K. (eds.) – Flexicurity and Beyond. Copenhaga: DJØF Publishing.

BOURDIEU, Pierre (1989) – O Poder Simbólico. Lisboa: Difel.

European Commission (2006) – Employment in Europe. Bruxelas.

European Commission (2006) – Promoting decent work for all: the EU contribution to the implementation of the decent work agenda in the world, COM (2006) 249. Bruxelas. http://ec.europa.eu/employment_social/news/2006/may/com_2006_249_en.pdf

FARIA, José Eduardo (1995) – Os novos desafios da justiça do trabalho. São Paulo: Editora LTR.

FERREIRA (2005) – Trabalho Procura Justiça. Coimbra: Almedina.

GAUTIER (2003) – Repenser l'articulation entre marché du travail et protection sociale: quelles voies pour l'après-fordisme? Esprit, 2003.

GHAI, Dharam (2006) – Decent Work: objectives and strategies. Genebra: ILO.

HYMAN, Richard (2004) – “Europeização ou erosão das relações laborais?”. In ESTANQUE, Elísio et al . (org.), Relações laborais e sindicalismo em mudança. Portugal, Brasil e o contexto transnacional. Coimbra: Quarteto.

PAUGAM, Serge (2007) – “La solidarité organique à l'épreuve de l'intensification du travail e de l'instabilité de l'emploi”. PAUGAM, Serge (org.), Repenser la Solidarité. Paris: PUF.

SANTOS, Boaventura de Sousa (2004) – “Teses para a renovação do sindicalismo em Portugal, seguidas de um apelo”. In ESTANQUE, Elísio et al. (org.) – Relações laborais e sindicalismo em mudança. Portugal, Brasil e o contexto transnacional. Coimbra: Quarteto.

SANTOS, Boaventura de Sousa (2006) – A gramática do tempo. Porto: Afrontamento.

TURNER, Bryan (2006) – Vulnerability and human rights. Pennsylvania: State University.

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Dados adicionais
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(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela O modelo dinamarquês de flexigurança

Link em nova janela Interdependência entre direitos no trabalho, emprego, segurança social e diálogo social

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