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- JANUS 2009 -



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A vitória histórica (a real e a simbólica) de Obama

João Maria Mendes *

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Dois sismos decisivos marcaram a vida dos EUA em 2008.

O primeiro, aparente sinal de um «fim do ciclo desregulador» iniciado pelas presidências Reagan, foi a explosão pandémica da crise financeira que, nascida em Wall Street, atingiu a totalidade do mundo e grande parte das economias reais, como uma praga bíblica. O segundo, sinal de que o eleitorado americano ganhou nova maturidade face a essa mesma crise, foi a siderante eleição de um afro-americano de 47 anos para a Casa Branca, (apenas) 40 anos depois dos grandes combates pelos direitos cívicos e do assassínio de Martin Luther King.

A eleição de Barack Hussein Obama Jr. para 44.º Presidente dos EUA foi vivida interna e externamente como um acontecimento pentecostal, mudou jubilatoriamente a atmosfera política internacional e gerou uma nova esperança na redefinição do comportamento norte-americano face ao mundo. Fenómeno americano, tem, inevitavelmente, uma ressonância bíblica profunda, de sentido inverso ao da crise financeira: o nome «Barack» significa «Benedictus», «o Bendito»; na manhã seguinte à das eleições, meio mundo acordou «miraculado», com a sensação de que, ao contrário do que se passara nos últimos oito anos, voltava a ter, na Casa Branca, «um amigo» (como acontecera com Bill Clinton, em 1993, e com John F. Kennedy, em 1960). A excepcional dimensão simbólica da vitória de Obama foi plenamente atingida na noite de 4 para 5 de Novembro de 2008 e nos dias seguintes, gerando uma vasta câmara de eco messiânica. A sua importância real estará sob escrutínio nos quatro próximos anos – longos e difíceis, tanto no plano interno como no internacional.

Confirmando a persistência cíclica de um fenómeno típico da nação americana,
a «cultura da esperança» voltou ao poder, substituindo a «cultura do medo» dos mandatos de G. W. Bush, e a «América» mudou mais uma vez de «identidade», voltando a ver-se a si própria e ao mundo com um novo olhar, sobretudo definido por emoções positivas. É o poder da alternância na sua expressão mais profunda: na noite de 4 para 5 de Novembro, tudo mudou e nada mudou: tudo mudou no plano simbólico, exprimindo a força do desejo de um novo rumo, apesar da permanência de todos os desafios e problemas reais legados por G. W. Bush.

 

O povo de Barack

Nos dias finais da campanha, a candidatura republicana eclipsara-se face à vaga de fundo da «redenção» democrática. Obama ganhou a John McCain por 53,1 contra 46,9% no voto popular, e por 365 contra 173 votos no Colégio Eleitoral, conquistando Estados hesitantes como o Ohio, a Pensilvânia, a Virgínia e a Florida. E os Democratas reforçaram posições no Congresso: 58 (mais 14) lugares contra 41 republicanos no Senado, e 257 (mais 55) contra 178 republicanos na Câmara dos Representantes. Votaram 133,3 milhões de eleitores, 62,6% do total, número apenas comparável aos 62,8 de 1964 (Johnson contra Goldwater, um ano após o assassínio de J. F. Kennedy).

Desde o duelo Kennedy-Nixon, em 1960, as presidenciais nos EUA tendem a ser vividas como «as mais importantes de sempre», e a de 2008 não escapou à regra – mas desta vez justificava-se:

A circunstância de nenhum dos candidatos nomeados pelo Partido Democrático ou pelo Republicano ser o que, de início, mais parecia em condições de conquistar a investidura, já suscitara a atenção internacional. Mas o facto de McCain personificar uma postura republicana que não garantia o voto mais conservador, e, sobretudo, o da candidatura democrática ter sido disputada, nas primárias, por uma mulher (Hillary Clinton, inicialmente favorita) e um afro-americano (Obama, quase desconhecido ainda há dois anos), acentuaram a dramatização: estariam os EUA a um passo de ter uma mulher ou um negro como Presidente? A questão do género e da raça atravessou as primárias e apaixonou a opinião pública de meio mundo, até ser pulverizada pelo eleitorado. Finalmente: decisiva para o desfecho de 4 de Novembro, a «primeira grande crise da economia globalizada» (nos termos de Gordon Brown) agudizou a crença em que a gestão dos seus efeitos dependeria, em boa parte, do sucessor de G. W. Bush e precipitou a extensão do resultado eleitoral.

Mas o êxito de Obama fica sobretudoa dever-se às suas qualidades de orador messiânico, e à sua capacidade para ultrapassar o confinamento afro-americano da candidatura (que sempre limitou as tentativas do pastor Jesse Jackson). Como prova a análise dos resultados, Obama, que tinha o voto afro-americano garantido, conquistou o eleitorado jovem, o hispânico e o feminino, soube fazer-se reconhecer como melhor candidato pelas classes médias e levou o país a assumir a pertinência e o realismo da sua plataforma pós-racial – que propôs em Filadélfia, num memorável discurso sobre a raça.

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A hiper-potência doente

Nem McCain (hesitante e contraditório perante a crise) nem Obama (mais seguro e preparado para a enfrentar) se tinham candidatado à presidência de uns EUA que, nos meses finais da campanha, surgiam aos olhos do mundo como principais causadores, «culpados» dessa crise. E tal culpabilização ameaçava gerar um novo ressentimento anti-americano (além do histórico e do provocado pelas guerras no Iraque e no Afeganistão). A poucas semanas da eleição, ambos os candidatos se encontraram, assim, diante de um país mais doente e vulnerável, e perante novas responsabilidades internas e externas. Anunciava-se a necessidade de uma «refundação» do capitalismo, o «fim do casino financeiro», o enterro de vinte anos de «desregulação» e a urgência extrema de uma «nova regulação».

Em termos de campanha, o momento decisivo de viragem ocorreu a 15 de Setembro, com a falência do quarto maior banco de investimento dos EUA, o Lehmans Brothers: McCain sustentou que, apesar dela, «o fundamental da economia americana se mantinha sólido»; Obama respondeu, incrédulo: «De que economia estará o senador McCain a falar?». A partir daí, estava gerado o efeito de báscula e a campanha Obama descolou. Até ao fim de Outubro, os dois candidatos foram obrigados a posicionar-se face aos riscos de recessão ou de depressão decorrentes do colapso dos mercados financeiros. Ambos sabiam que, embora um deles estivesse destinado a ser eleito no início de Novembro, só em Janeiro de 2009 (mês da tomada de posse do vencedor) haveria um retrato mais detalhado, quer da envergadura do desastre, quer dos efeitos dos «planos de salvamento» das bancas, que levaram, primeiro, a administração Bush, depois, a Europa da UE e as economias emergentes, a adoptar intervenções estatais e «nacionalizações» que só ironicamente puderam ser tidas por «socialistas».

A situação revelou-se paradoxal: o pânico das bolsas e da banca, a pressão para que o «menos Estado» voltasse («já!») a ser «mais Estado» e para que «os políticos» repusessem ordem no mercado financeiro e salvassem o do crédito (agora condenados por terem irresponsavelmente provocado o seu próprio desmoronamento telúrico), tornaram-se patéticos. Iria a política voltar a «mandar» na economia?

 

O primeiro ano de mandato

A partir da segunda metade de Setembro, mais de 70% dos americanos passaram a considerar que a principal questão em jogo nas presidenciais era o futuro da economia (o Iraque só se manteve como primeira preo-cupação para 10% dos eleitores), e Obama soube tornar as eleições num referendo sobre os dois mandatos de G. W. Bush. McCain nunca descolou da fé na capacidade auto-regeneradora dos mercados financeiros, em que já só fundamentalistas acreditavam.

Ambos os candidatos perceberam, também, que a dimensão da crise obrigaria o eleito a iniciar funções com menos meios para pôr em prática as políticas prometidas durante a longa marcha para a Casa Branca. Mesmo que a crise financeira desse sinais de ser controlável, seriam sempre indispensáveis sucessivos apoios à economia real. Em tais condições, o primeiro ano de mandato de Obama seria – será – decisivo para a manutenção da confiança que transmitiu aos eleitores: 2009 não autorizará uma presidência «frouxa» nem «cinzenta»: o novo presidente afirmará claramente a sua liderança, adquirindo cedo um perfil «rooseveltiano», ou a sua imagem tenderá a ser o primeiro «bode expiatório» da crise.

Um aforismo vindo da mais cínica realpolitik diz que a liderança política é «a arte de desiludir os apoiantes a um ritmo que eles sejam capazes de digerir». Obama não dispõe de grande margem de manobra para contrariar este oráculo celerado, além do crédito excepcional que a dimensão simbólica da sua vitória lhe dá, e que o ajudará a atravessar os primeiros «embates do real». Mas o tipo de apoio que lhe foi oferecido por Colin Powell, primeiro Secretário de Estado de G. W. Bush, e a oferta de colaboração por McCain ao aceitar a derrota mostraram o desejo de entendimentos bi-partidários em torno da nova administração democrática. As Relações Externas serão, talvez, um dos domínios onde a retoma do espírito da New Deal Coalition seria benéfica, ajudando a construir um «grande Presidente» – como salientaram Zbigniew Brzezinsky e Madeleine Albright.

 

A reconversão energética

Uma das mais inspiradoras propostas de Obama é a da reconversão energética global da indústria americana, considerada crucial para, a curto e médio prazos, criar cinco milhões de empregos, relançar a economia e diminuir drasticamente a dependência energética americana em relação ao petróleo. A proposta ganhou novo «élan» perante a dimensão da crise financeira. E evoca a das «auto-estradas da informação», protagonizada por Bill Clinton e Al Gore: a reconversão energética deverá ter a importância que os computadores pessoais e a Internet adquiriram nos últimos vinte anos, como motor de uma reorientação da economia americana enquanto líder das economias ocidentais.

Mas o perfil político de Obama, pragmático e relativamente conservador, foi sendo definido por sucessivas intervenções sobre o papel e o lugar dos EUA no mundo globalizado do século XXI, intervenções que viriam a moldar o programa da sua candidatura. Em 2007, escrevia ele na Foreign Affairs , num artigo intitulado «Renovando a liderança americana»: «Hoje somos chamados a oferecer uma liderança visionária [como foram a de Roosevelt, Truman e JFK]. Os desafios deste século são, no mínimo, tão perigosos e em muitos aspectos mais complexos do que os do passado [...]. O momento americano não terminou, mas tem de ser reavaliado. Olhar para o poder americano como se ele estivesse em declínio terminal é ignorar a grande promessa e o propósito histórico que a América representa para o mundo. Se for eleito Presidente, começarei a renovar essa promessa no próprio dia em que iniciar funções».

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Informação Complementar

Efeito Palin, efeito Biden

A «crise» também relegou para segundo plano o papel dos vice-presidentes propostos por McCain e Obama: Sarah Palin, a «Pit Bull com bâton», de 44 anos, governadora do Alaska desde 2006, deveria fixar o eleitorado republicano mais conservador. Mas a acusação de abuso de poder contra a indigitada e a sua tendência para se exceder erraticamente em público geraram alergias entre os fiéis de McCain. Por instantes, o «efeito Palin» ajudou os republicanos a subir nas sondagens, antes do fatídico 15 de Setembro. Mas suscitou medo, porque Palin se mostrou impreparada para a sua função, ou para herdar a presidência a meio do mandato — probabilidade maior no seu caso do que no do seu rival democrático, dados os 72 anos pouco saudáveis de McCain.

Pelo contrário, a escolha, por Obama, de Joseph Biden, católico nascido na Pensilvânia e senador pelo Delaware, que completou 66 anos dias depois das eleições, confirmou o perfil prudente e equilibrado do candidato democrático: Biden oferecia a sua vasta experiência em relações internacionais, compensando a relativa inexperiência de quem o escolhia.

No cômputo final, foi fácil para Obama afirmar-se frente às hesitações de McCain, senador experiente e ex-prisioneiro de guerra no Vietname, que se apresentou como «mais conhecedor do mundo» e das questões de segurança, mas que não descolou da imagem belicista de Bush, nem do seu passado de apoiante habitual das políticas económicas do presidente cessante. Isto apesar do apoio de Bush a McCain se ter limitado a 50 segundos de aparecimento público de ambos nas televisões — o que foi entendido como uma mútua abdicação.

 

Hillary e Gates na administração

Hillary Clinton para Secretária de Estado, Robert Gates mantido em funções como Secretário da Defesa: o convite à antiga rival das primárias e ao chefe do Pentágono de G. W. Bush dão o tom do modelo de administração que Barack Obama escolhe para início de mandato — o «team of rivals» (equipa de rivais) de Abraham Lincoln. O novo presidente propende a rodear-se de personalidades fortes, cujas opiniões não coincidem necessariamente com as suas, esperando mobilizá-los em torno de grandes objectivos nacionais (a aceitação de missão por parte de Hillary Clinton obriga o seu marido e antigo presidente a tornar pública a lista de 200 mil doadores internacionais da «Clinton Global Initiative», o que não fora feito até agora).

Enquanto definia os limites da sua acção até à posse, Obama escolheu dois clintonianos, Rahm Emanuel para seu chefe de gabinete na Casa Branca e John Podesta para liderar o seu gabinete de transição. A campanha Obama queria evitar o risco de «mais um mandato Clinton», mas aceitou, face aos desafios de 2009, a necessidade de convidar veteranos da administração.

Obama reuniu-se igualmente com John McCain, e os dois homens declararam a intenção de trabalharem juntos «na procura de soluções para a crise financeira, para a reforma energética para a segurança nacional». Os Republicanos saíram da derrota eleitoral sem liderança e profundamente divididos, mas Obama tentou garantir que McCain apoiaria, no Senado, as políticas em que ambos partilham ideias semelhantes.

G. W. Bush, que ia sair de funções com uma taxa de aprovação da sua presidência de apenas 24% (quando se demitiu, para evitar o impeachment , Nixon tinha 34%), apostou em garantir que Obama iniciaria o mandato «em velocidade de cruzeiro», devido à magnitude da crise económica, às duas guerras em curso e à premência das questões de segurança nacional.

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* João Maria Mendes

Licenciado em Filosofia pela Universidade de Lovaina (Bélgica). Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa. Docente na Escola Superior de Cinema e Teatro e na Universidade Autónoma de Lisboa. Subdirector do Observatório de Relações Exteriores da UAL.

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