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- JANUS 2009 -



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Do conturbado Plano Paulson às intervenções concertadas

Henrique Morais *

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Perante os sinais crescentes de instabilidade nos mercados financeiros, a administração Bush preparou e apresentou, em meados de Setembro de 2008, ao Congresso, um plano de resgate dos activos «tóxicos», que intitulou de Troubled Assets Relief Plan , mas que ficaria conhecido pelo nome do seu protagonista mediático, o Secretário do Tesouro Paulson.

O plano previa que o Tesouro norte-americano pudesse ser autorizado a emitir uma dívida até 700 mil milhões de dólares (o que representa cerca de 5% do produto interno bruto e se traduz num acréscimo do peso da dívida pública dos EUA face ao PIB para valores na ordem dos 70%), para possibilitar a aquisição dos activos hipotecários ilíquidos, retirando-os assim dos balanços das instituições financeiras com problemas, quer se tratasse de bancos de grande dimensão ou instituições de menor dimensão.

Com esta medida, cujo custo real dependeria do valor a que o Tesouro viesse a vender posteriormente os activos adquiridos, quando a situação económica e financeira acalmasse, pretendia-se trazer alguma confiança aos intermediários financeiros, permitindo restabelecer a confiança nos mecanismos de funcionamento do mercado interbancário.

Apesar do empenho das autoridades norte-americanas em fazer aprovar rapidamente o Plano Paulson, e até do dramatismo das declarações em seu apoio, designadamente do próprio presidente Bush (1), a Câmara de Representantes haveria de rejeitar o plano inicial, muito condicionada pelos votos contrários de um grande número de congressistas republicanos, preocupados essencialmente com as consequências (em ano eleitoral…) para os impostos dos contribuintes, com a forma como o plano seria supervisionado e com a metodologia empregue para determinar o preço de compra dos activos tóxicos aos bancos.

Uma nova, e reformulada, proposta haveria de ser aprovada no início de Outubro, a qual contemplava no essencial a mesma autorização para a compra pelo Tesouro de activos aos bancos até 700 mil milhões de euros, mas alargava a garantia dos depósitos nos bancos e incentivava fiscalmente a utilização de energias renováveis.

Finalmente, a 8 de Outubro, numa acção concertada, as autoridades monetárias dos EUA, da área do euro, do Reino Unido, da Suíça, do Canadá e da Suécia anunciaram um corte de 50 pontos base nas suas taxas de juro de referência. Nos EUA, a taxa de referência dos fed funds passou para 1,5%, enquanto na área do euro a taxa principal de refinanciamento foi reduzida para 3,75%.

Num curto comunicado, a Reserva Federal dos EUA lembrava que «Throughout the current financial crisis, central banks have engaged in continuous close consultation and have cooperated in unprecedented joint actions such as the provision of liquidity to reduce strains in financial markets.»

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Lições da crise

Há um ano atrás, quando os desenvolvimentos que entretanto se vieram a materializar pareciam uma miragem, muitos economistas (2) alertaram para a situação muito difícil em que poderiam vir a encontrar-se as principais economias mundiais, caso não fossem tomadas medidas adequadas ao restabelecimento da confiança dos agentes económicos e ao saneamento definitivo do sector financeiro.

Perante as proporções que a crise financeira veio a assumir e as repercussões que inevitavelmente terá, designadamente a nível de um mais do que provável longo período de recessão nas principais economias avançadas, importa que a ciência económica, as autoridades e, de um modo geral, os agentes económicos possam retirar as conclusões adequadas para que se evitem situações análogas no futuro.

Comecemos pela ciência económica. Embora não nos juntando de forma alguma aos coros populistas que se apressaram a ver na presente crise o fim anunciado do capitalismo, não restam dúvidas de que a corrente neoliberal, dominante nas últimas três décadas nalgumas das melhores universidades mundiais e na própria prática política, sai desta crise muito «maltratada». Pelo contrário, as lições de John Maynard Keynes parecem agora mais actuais do que nunca (3).

Quanto às autoridades, a mensagem é clara: a supervisão não actuou como devia, claramente no caso dos EUA, eventualmente também nalguns países europeus.
É verdade que alguns dos produtos financeiros ditos «exóticos» que proliferaram nos últimos anos surgiram a uma velocidade de tal forma estonteante e assumiram uma complexidade tão elevada que só uma supervisão muito mais alargada (também em número de efectivos e meios) e algo repressiva poderia controlar a actividade financeira criativa das instituições financeiras.

No entanto, era inimaginável que alguns bancos centrais estivessem tão descentrados da realidade dos activos das principais empresas financeiras. Aliás, ironicamente, numa época em que se pensava que alguns preciosos auxiliares da supervisão poderiam funcionar como primeira barreira a crises sistémicas, foram precisamente essas barreiras que se revelaram mais vulneráveis. Referimo-nos ao comportamento (?) das agências de rating , que não foram capazes de antecipar as dificuldades que vieram a ser sentidas pelas instituições financeiras e às próprias metodologias/princípios de contabilização dos activos. Na verdade, a obrigatoriedade de valorização dos activos pelo seu valor de mercado no momento, o chamado mark-to-market , viria a revelar-se uma medida desastrosa em momentos de crise financeira generalizada, agravando os problemas dos bancos e «obrigando» as autoridades a injecções monetárias muito mais vultuosas.

Finalmente, a grande lição terá sido aquela que foi prestada aos agentes económicos em geral, às famílias e às empresas. A sobrevalorização dos activos, sejam eles do sector imobiliário, accionista ou outro, termina invariavelmente em processos recessivos que se repercutem na economia real.

Diz-nos a história económica que as bolhas especulativas que se formam no sector imobiliário são particularmente virulentas, sobretudo nos seus efeitos no crescimento económico.

Felizmente, por ora, parece que os sistemas de informação que as últimas décadas nos proporcionaram e a forte reacção das autoridades perante o agravamento das dificuldades, terão contribuído para evitar situações de pânico generalizado que, a ocorrerem, poderiam ter induzido cenários que o mundo já não vivia há muitas décadas.

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1 - O próprio presidente da Reserva Federal dos EUA, Ben Bernanke, veio a terreiro defender que a eventual ausência de intervenção estatal levaria a mais falências no sector financeiro, a perdas massivas de empregos e à contracção do produto interno bruto.

2 - Entre o quais o autor destas linhas que, num artigo em co-autoria com Manuel Farto, publicado no Janus 2008 (e ultimado no Verão de 2007) intitulado «Sector financeiro: o Verão quente de 2007», a dado passo dizia: «Preocupam-nos as consequências de decisões monetárias (claramente as tomadas pela Reserva Federal dos EUA) que, sendo embora poderosos paliativos de curto prazo, podem ser mal interpretadas pelo mercado, incentivando alguns dos seus agentes, no futuro, a ultrapassarem novamente os limites razoáveis do risco, dada a convicção de que haverá sempre um FED complacente para descer as taxas de juro e equilibrar os mercados.»
Tememos também a reacção das autoridades monetárias quando, ao que tudo indica, forem confrontadas, no 4.º trimestre do corrente ano, com a subida generalizada da inflação que o forte aumento do preço do petróleo mais do que insinua. Estarão os bancos centrais suficientemente preocupados com a situação nos mercados financeiros para, mesmo contrariando alguma «ortodoxia» nesta matéria, não se envolverem em movimentos de subida das taxas de juro oficiais? Ou, pelo contrário, estabilizado que poderá estar, mesmo que só na aparência, o mercado financeiro, serão os bancos centrais das principais economias avançadas tentados a subir novamente o preço do dinheiro?
Mas, em especial, tememos o impacto desta turbulência nos mercados financeiros na evolução da actividade económica. Os sinais recentes de abrandamento do crescimento, tanto nos EUA como na Europa, são absolutamente elucidativos dos perigos com que elas se confrontam em matéria de desempenho económico. Em ambos os casos, a evolução do consumo privado é decisiva para o desempenho da economia, pelo que qualquer factor que penalize as famílias e que as faça restringir os seus padrões de consumo pode ter um impacto desastroso ao nível da actividade económica.
Ora, no contexto actual, existe uma probabilidade não negligenciável de que a crise do mercado financeiro possa vir a afectar os níveis de confiança dos agentes económicos, num movimento que pode ter como canal de transmissão, por exemplo, uma queda mais expressiva dos principais mercados accionistas das economias avançadas.
Se esse movimento se materializar, então torna-se mais provável que se possa vir a assistir a uma recessão nalgumas das principais economias avançadas. Trata-se, todavia, de um cenário, por agora, algo longínquo...

3 - Talvez não tenha sido apenas uma irónica coincidência que o Prémio Nobel da Economia tenha sido, em 2008, entregue a um ainda jovem economista (para os padrões habituais do Nobel) keynesiano chamado Paul Krugman.

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* Henrique Morais

Licenciado em Economia. Mestre em Economia Internacional pelo Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG). Docente na Universidade Autónoma de Lisboa e na Universidade do Algarve. Assessor do Banco de Portugal. Membro do Conselho Directivo do Observatório das Relações Exteriores da UAL.

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